A comunidade científica internacional observa com crescente perplexidade o desmantelamento e a devastação que o atual governo americano tem infligido às instituições de saúde e universidades nos Estados Unidos.
O National Institutes of Health (NIH) e o Centers for Disease Control and Prevention (CDC) representam pilares cruciais na pesquisa em saúde pública e no combate a doenças em escala global. Os cortes no NIH podem ter um impacto direto em projetos de pesquisa que investigam o câncer, doenças cardíacas e Alzheimer. O efeito potencial é retardar a descoberta de novas terapias e estratégias de prevenção. Iniciativas como o Cancer Moonshot, que visa acelerar a pesquisa sobre o câncer, e estudos sobre a progressão da doença de Alzheimer podem sofrer atrasos significativos devido à redução do financiamento.
No CDC, a diminuição de recursos pode comprometer programas essenciais de vigilância epidemiológica. Entre as consequências: dificultar a detecção precoce de surtos de doenças infecciosas como a influenza, o Zika vírus e novas variantes do COVID-19, além de prejudicar a implementação de medidas preventivas eficazes, como campanhas de vacinação e programas de educação em saúde.
As recentes medidas governamentais americanas resultaram em cortes orçamentários substanciais para essas instituições, ameaçando a continuidade de pesquisas estratégicas que beneficiam não apenas os EUA, mas toda a comunidade global. É importante ressaltar que a capacidade de resposta a emergências de saúde pública depende fortemente do financiamento contínuo e robusto dessas agências.
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O governo americano também tem direcionado ataques às universidades americanas, em particular a Columbia, Princeton e Harvard. São instituições líderes em pesquisa acadêmica e inovação, e berços de dezenas de Prêmios Nobel. Essas universidades desempenham um papel fundamental na formação de líderes e na produção de conhecimento de ponta em diversas áreas, desde a medicina e a engenharia até as ciências sociais e as humanidades.
Ao que tudo indica, a meta do governo Trump é fragilizar a autonomia dessas universidades e torná-las mais dependentes ao controle do poder central, o que poderia comprometer a liberdade acadêmica e a capacidade de realizar pesquisas independentes.
Por exemplo, a imposição de restrições ao financiamento de pesquisas que abordam temas considerados “polêmicos”; ou que desafiam a agenda política do governo pode ter um efeito inibidor sobre a inovação e o pensamento crítico.
Lamentavelmente, é esperado que ocorra uma grande diáspora nas instituições americanas, com jovens cientistas migrando (brain drain) para a Austrália, Europa, China e outros países asiáticos, em busca de ambientes mais favoráveis à pesquisa e ao desenvolvimento científico. Essa fuga de talentos pode ter um impacto negativo a longo prazo na competitividade científica e tecnológica dos Estados Unidos.
Cientistas montam resistência
No entanto, já começam a surgir movimentos de resistência como o protesto “Tire as Mãos”, realizado em 50 Estados americanos e na comunidade científica americana, a “March for Science” e “Union of Concerned Scientists”, que buscam defender a integridade da ciência e o papel da pesquisa na formulação de políticas públicas.
As revistas Science da AAAS, Nature, Lancet e BMJ têm se posicionado como fortes instrumentos contra a devastação das instituições científicas, publicando artigos e editoriais que criticam as políticas governamentais e defendem o financiamento adequado da pesquisa.
A ditadura militar e a ciência no Brasil
A violência do governo Trump contra a inteligência evoca o período da Ditadura Militar no Brasil (1964 a 1985), quando o regime militar impôs restrições severas às universidades, suprimindo qualquer forma de pensamento que pudesse ser vista como subversiva ou contrária aos interesses dos militares.
Instituições de ensino, que são tradicionalmente centros de inovação e crítica social, foram pressionadas a se afastar de qualquer pesquisa ou ensino que pudesse ser considerado politicamente de esquerda. Por exemplo, pesquisas nas áreas de ciências sociais e humanas que abordassem temas como desigualdade social, direitos humanos e participação política foram frequentemente censuradas ou desincentivadas.
A Lei de Segurança Nacional foi utilizada para criminalizar a expressão de opiniões contrárias ao regime, criando um clima de medo e repressão nas universidades. Vários cientistas e pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz e de várias universidades brasileiras foram presos, cassados e expulsos das suas instituições. Universidades como a UnB, USP, UFMG, UFRJ, UNIFESP, entre outras, foram duramente atingidas. Vários cientistas, como Haity Moussatche, Ruth e Vitor Nussenzweig, Fernando Ubatuba, Herman Lent , Isaias Raw, Boris Vargaftig, Michel Rabinovich, Erney Camargo, Luiz Hildebrando Pereira, Luis Rey, Roberto Salmeron, Jaime Tionmo, José Leite Lopes, Milton Santos e Darcy Ribeiro, entre outros, tiveram que migrar para outros países e a ciência brasileira demorou muito tempo para se recuperar.
A perseguição política e a censura acadêmica durante a ditadura militar brasileira representam um exemplo trágico das consequências da supressão da liberdade de pensamento e da autonomia universitária.
Nesse sentido, é fundamental que a sociedade civil, cientistas e instituições internacionais permaneçam vigilantes e unidos na defesa da liberdade acadêmica e da verdade científica, e que o movimento de resistência dos cientistas e professores das instituições de pesquisa e universidades americanas seja ampliado cada vez mais, a fim de garantir que a ciência continue a desempenhar um papel vital na resolução dos desafios globais e na promoção do bem-estar humano.