O Rio de Janeiro sediará a Cúpula dos Líderes do Brics nos dias 6 e 7 de julho. Para entender a importância do evento e do papel do bloco na geopolítica mundial, o The Conversation Brasil publica a partir de hoje o primeiro de uma série de artigos semanais produzidos pelo BRICS Policy Center, da PUC-Rio. A iniciativa marca também o início de um acordo mais amplo com toda a PUC-Rio, que este mês começou a integrar oficialmente o grupo de universidades patrocinadoras do The Conversation no país. A ideia da parceria com o BRICS Policy Center, num primeiro momento, é oferecer textos didáticos, que buscam ampliar as informações sobre o BRICS de forma clara e acessível, contribuindo para a democratização do conhecimento sobre política mundial. Na segunda etapa, a partir de junho, a série será baseada nos eixos prioritários definidos pela presidência brasileira do BRICS em 2025, permitindo uma análise crítica dos principais temas que estruturam a agenda do grupo neste ciclo.
O BRICS é um agrupamento formado pelas maiores economias emergentes do mundo: Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Irã e Indonésia. Seu principal propósito é promover a transformação do sistema de governança global estabelecido após a Segunda Guerra Mundial, por meio da reforma das instituições financeiras tradicionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, por exemplo. Além disso, busca contribuir para a construção de uma ordem multipolar que reflita a distribuição de poder do século XXI.
Desde 2009, o grupo realiza reuniões anuais, chefiadas por um de seus países-membros. A primeira Cúpula do BRIC – então sem a África do Sul – ocorreu naquele ano, em Ecaterimburgo, na Rússia. A presidência do BRICS ocorre de forma rotativa entre os países, e desde janeiro de 2025, é o Brasil exerce essa função, com o lema “Fortalecendo a Cooperação do Sul Global para uma Governança mais Inclusiva e Sustentável”.
As origens do grupo
O acrônimo ‘BRIC’ (Brasil, Rússia, Índia e China) teve origem no início dos anos 2000, cunhado por Jim O’Neill, economista britânico do Goldman Sachs, para descrever um grupo de países emergentes que, segundo suas previsões, viveria um crescimento expressivo em suas economias. O BRIC, de acordo com O’Neill, teria participação cada vez mais significativa no PIB global ao longo da década seguinte. A sua proposta foi construída exclusivamente a partir de indicadores econômicos, sem considerar aspectos políticos ou institucionais que pudessem influenciar o desenvolvimento desses países.
Pela própria natureza institucional do Goldman Sachs, um banco de investimentos, a sugestão de O’Neill tinha como objetivo principal alertar investidores de longo prazo sobre economias com potencial de crescimento mais vigoroso em comparação às economias mais avançadas. Apesar de ter surgido como uma análise voltada ao mercado financeiro, o acrônimo rapidamente ganhou projeção internacional: foi adotado pelos próprios chefes de Estado e de Governo do Brasil, Índia e Rússia, que passaram a se identificar como membros do BRIC.
Foi nesse contexto que, em julho de 2006, os líderes dos países BRIC se reuniram pela primeira vez, na cidade de São Petersburgo. Eles estavam na cidade russa por ocasião da Cúpula do G8 – grupo de países considerados os mais desenvolvidos e influentes do mundo, que inclui Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália, Canadá e Rússia (esta última até 2014, data da anexação da Criméia). Em setembro do mesmo ano, os ministros de Relações Exteriores do BRIC se encontraram informalmente em Nova Iorque, onde se realizava a Assembleia Geral das Nações Unidas.
Em 2008 a Rússia organizou uma reunião com os ministros de Relações Exteriores do Brasil, Índia e China. Eles enfatizaram as perspectivas do diálogo do BRIC com base na confiança e no respeito mútuos, nos interesses comuns e na semelhança de abordagens em relação aos problemas urgentes do desenvolvimento global. Nesse momento, o BRIC deixou de ser apenas um acrônimo que designava quatro países emergentes na economia global e transformou-se em uma entidade político-diplomática.
O ano de 2009 ficou marcado pela realização da primeira cúpula do BRIC, quando os chefes de Estado Luis Inácio Lula da Silva (Brasil), Dimitry Medvedev (Rússia), Manmohan Singh (Índia) e Hu Jintao (China) encontraram-se em Ecaterimburgo. Na ocasião, os países concordaram em promover o diálogo e a cooperação intra-BRIC de forma incremental, proativa, pragmática, aberta e transparente. O objetivo era construir um mundo harmonioso de paz duradoura e prosperidade comum.
Foi somente na reunião de chanceleres do BRIC, realizada à margem da Assembleia Geral das Nações Unidas, em setembro de 2010, que a incorporação da África do Sul foi decidida. O país foi convidado para participar da III Cúpula do grupo, em 2011, realizada em Sanya, no arquipélago de Hainan, na China: foi quando o BRICS nasceu.
Mecanismo político-diplomático alternativo
Desde então, o agrupamento realiza cúpulas anuais e estabeleceu-se como um mecanismo político-diplomático alternativo às instituições tradicionais do pós-guerra, formado apenas por países que se auto representam como “em desenvolvimento”. Em 2023, após mais de 10 anos com a mesma formatação, o BRICS deu um novo passo em sua expansão.
Naquele ano, quando a XV Cúpula foi realizada em Joanesburgo (África do Sul), foram convidados mais seis países: Argentina, Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia Irã. Javier Milei, então recém-eleito presidente da Argentina, recusou o convite. A Arábia Saudita ainda não formalizou a sua adesão. Os outros quatro países convidados passaram a compor o BRICS+, como o grupo passou a ser chamado a partir de 1º de janeiro de 2024.
De acordo com Alicia Herrero, a China exerceu um papel central na ampliação do BRICS. Além da China, a Rússia também apoiou a expansão. O objetivo era se proteger do isolamento e das sanções ocidentais, resultado da invasão militar promovida na Ucrânia em 2022. Independente da motivação em jogo, a adição de novos membros torna o BRICS mais representativo em relação aos países em desenvolvimento. Suas vozes tornam-se mais fortes no cenário global.
Durante a XVI Cúpula do BRICS, realizada em 2024, em Kazan (Rússia), foi anunciada a criação de uma nova categoria de adesão de países ao agrupamento. Na Declaração de Kazan, o documento final da Cúpula estabeleceu a categoria de ‘Países Parceiros do BRICS’. Esse termo se refere aos países que poderão integrar o grupo, mas com uma participação limitada e sem direito a voto. Os convites foram feitos pela Rússia, consultando se os países realmente desejam entrar no grupo na categoria de parceiros.
Desde janeiro de 2025, já sob a presidência brasileira, o BRICS passou a contar oficialmente com os seguintes países parceiros: Belarus, Bolívia, Cazaquistão, Cuba, Malásia, Nigéria, Tailândia, Uganda e Uzbequistão. No mesmo mês, o Itamaraty confirmou o ingresso formal da Indonésia como membro pleno do grupo. A candidatura do país do Sudeste Asiático havia recebido o aval dos outros integrantes do BRICS em agosto de 2023, no contexto do processo de expansão do quadro de seus membros plenos.
Mas como a Indonésia realizava suas eleições presidenciais em 2024, o país então comunicou formalmente seu interesse de ingressar no agrupamento somente após a formação de seu novo governo. A entrada da Indonésia no BRICS neste ano de 2025 foi emblemática: em abril comemorou-se os 70 anos da Conferência de Bandung (Indonésia), realizada em 1955 — um marco fundador do movimento dos Países Não Alinhados. Esse forte simbolismo reforça os ideais de solidariedade, autonomia e cooperação entre países do Sul Global.