A recente escalada militar entre Israel e Irã reacendeu um dos debates mais inquietantes das Relações Internacionais: é possível sustentar a paz apenas pela ameaça da força? A chamada “paz armada” — também conhecida como “dissuasão armada” ou “equilíbrio do terror” — volta ao centro das atenções no Oriente Médio, uma das regiões mais voláteis e fragmentadas do mundo contemporâneo. No cerne dessa discussão está o dilema da dissuasão nuclear: até que ponto o medo da destruição mútua pode conter a violência?
A dissuasão nuclear baseia-se na manipulação calculada do medo com o objetivo de impedir um ataque adversário. A lógica central é desencorajar a agressão por meio da ameaça crível de uma represália devastadora. Durante a Guerra Fria, essa estratégia foi fundamental para evitar um confronto direto entre Estados Unidos e União Soviética, sustentando um equilíbrio global de forças. A teoria clássica de dissuasão parte de três premissas: racionalidade dos líderes, clareza nas comunicações e existência de alternativas políticas viáveis à guerra.
Kenneth Waltz, cientista político, um dos principais teóricos da Escola Realista das Relações Internacionais e professor da UC Berkeley, levou essa lógica ao extremo. Em artigo publicado na Foreign Affairs em 2012, Waltz argumentou que a proliferação nuclear poderia, em determinados contextos, promover a estabilidade regional. Segundo ele, um Irã nuclearizado poderia criar um equilíbrio de poder com Israel, reduzindo o risco de ataques preventivos e incentivando uma paz baseada no medo mútuo de aniquilação.
No entanto, essa tese não passou sem críticas. Charles Glaser, professor de Ciência Política e de Relações Internacionais da George Washington University, em sua obra Analyzing Strategic Nuclear Policy, alertou que o Oriente Médio carece dos elementos que garantiram a eficácia da dissuasão na Guerra Fria, como canais de comunicação militar confiáveis, instituições sólidas e atores estatais com agendas previsíveis.
Scott Sagan, Professor de Ciência Política da Universidade de Stanford, trouxe outra dimensão ao debate ao enfatizar, em Just and Unjust Nuclear Deterrence, os riscos institucionais e organizacionais da proliferação nuclear. Para Sagan, em Estados com fracas estruturas civis e controles deficientes sobre os militares, o risco de uso não autorizado ou de acidentes nucleares aumenta significativamente.
Índia-Paquistão, península coreana e Ucrânia
A análise de outros cenários internacionais ajuda a dimensionar os riscos e as limitações da dissuasão nuclear no contexto Israel-Irã. O caso da Índia e Paquistão é frequentemente citado como um exemplo de dissuasão bem-sucedida. Desde que ambos os países adquiriram capacidade nuclear (Índia em 1974 e Paquistão em 1998), evitaram guerras em larga escala, apesar de episódios como o conflito de Kargil em 1999, as crises de 2001-2002 e a mais recente escalada de 2025. Um diferencial importante, porém, é que os dois países desenvolveram canais de comunicação de crise e mantêm certo grau de previsibilidade política — condições que não existem entre Israel e Irã.
Na Península Coreana, o cenário é de constante tensão. A Coreia do Norte utiliza seu arsenal nuclear como escudo dissuasório contra ataques externos, mas o ambiente político continua instável. O debate interno na Coreia do Sul sobre a necessidade de desenvolver armas nucleares vem crescendo, com temores de que uma eventual nuclearização de Seul possa desencadear uma corrida armamentista regional envolvendo também o Japão.
O caso da Ucrânia ilustra as limitações das garantias multilaterais sem um respaldo nuclear efetivo. Ao abrir mão de seu arsenal nuclear em 1994, com base no Memorando de Budapeste, Kiev esperava contar com proteção internacional. No entanto, a anexação da Crimeia em 2014 e a invasão de 2022 mostraram a fragilidade dessas garantias, reforçando o argumento de que a ausência de um poder dissuasório próprio pode deixar um Estado vulnerável a agressões externas.
Equilíbrio ou escalada?
O cenário atual entre Israel e Irã é marcado por uma combinação de tensão extrema e incertezas institucionais. Israel, mesmo mantendo sua tradicional política de ambiguidade nuclear, é amplamente reconhecido como uma potência atômica desde os anos 1970. O Irã, embora ainda sem uma ogiva operacional, avança em seu programa de enriquecimento de urânio. Em junho de 2025, o Conselho de Governadores da Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA) declarou que Teerã estava em descumprimento de suas obrigações de não proliferação, alimentando temores de uma escalada ainda maior.
A vulnerabilidade geográfica e demográfica de Israel torna o país particularmente sensível a qualquer possibilidade de ataque nuclear, mesmo que de baixa escala. Essa percepção de risco existencial, combinada com a pressão interna de setores da direita israelense, levou o governo Netanyahu a adotar uma postura de ataque preventivo, como demonstrado nas operações recentes contra as instalações nucleares iranianas.
Por outro lado, a Arábia Saudita, observando os avanços nucleares iranianos, já sinalizou que buscará desenvolver suas próprias capacidades nucleares caso Teerã alcance a bomba, aumentando o risco de uma corrida armamentista regional.
A fragilidade da trégua e os riscos de reescalada
O cessar-fogo entre Israel e Irã, anunciado recentemente por Donald Trump, surge como uma trégua frágil em meio a um contexto de extrema volatilidade. A decisão veio após dias de ataques intensos, com bombardeios israelenses a alvos estratégicos no Irã e retaliações iranianas com mísseis e drones. As primeiras horas após o anúncio já registraram violações do acordo, o que reforça o ceticismo quanto à sua durabilidade.
Dentro de Israel, parte da coalizão governista segue defendendo a continuidade da ofensiva militar, com o objetivo de enfraquecer, ou até derrubar, o regime iraniano. Para Netanyahu, a manutenção de um ambiente de guerra atende também a necessidades políticas domésticas, em um contexto de forte polarização e desgaste institucional.
Do lado iraniano, o sentimento de humilhação e a pressão interna por uma resposta futura, ainda que postergada, criam um ambiente propício para futuras hostilidades. Diplomacia ou Nova Escalada?
O atual impasse reforça o dilema central das Relações Internacionais: até que ponto a dissuasão nuclear pode funcionar em regiões marcadas por fragmentação institucional e rivalidades ideológicas profundas? A decisão dos Estados Unidos de impedir militarmente o avanço do programa nuclear iraniano revela uma política de contenção de curto prazo, mas sem apresentar uma estratégia de longo prazo para a estabilização regional.
Diante desse cenário, cresce a necessidade de alternativas diplomáticas mais ambiciosas. Uma das propostas discutidas por analistas internacionais seria a adesão formal de Israel ao Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), o que poderia reduzir as assimetrias e aumentar a transparência regional.
No entanto, sem medidas estruturais e sem o estabelecimento de canais de diálogo direto entre Israel e Irã, a tendência é que a trégua atual permaneça apenas como um breve parêntese em um conflito com raízes históricas profundas e sem solução à vista.