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Perigo invisível e sem fronteiras: microplásticos e nanoplásticos já contaminam toda a cadeia alimentar do planeta

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Perigo invisível e sem fronteiras: microplásticos e nanoplásticos já contaminam toda a cadeia alimentar do planeta

Todos os dias, imaginamos que a quase totalidade dos indivíduos do planeta utilizem sacos plásticos para uma série de atividades, desde o descarte de lixo, o uso de garrafas pets, o armazenamento de alimentos, entre outros.

O plástico é uma invenção relativamente recente na história da humanidade, mas tornou-se onipresente em nossas vidas cotidianas devido à sua versatilidade, durabilidade e baixo custo. No entanto, essas mesmas características que o tornaram tão popular são as que agora representam um desafio colossal para a saúde do planeta.

No mundo todo, mais de 330 milhões de toneladas de plástico são produzidas anualmente. Estima-se que já existam 4,9 bilhões de toneladas de resíduos plásticos, de diferentes tamanhos e composições químicas, presentes em praticamente todos os habitats naturais. Para o ano de 2050, a previsão é de que essa quantidade aumente em 12 bilhões de toneladas métricas.

Mais de 98% dos plásticos são produzidos a partir de fontes fósseis. Além disso, milhares de aditivos químicos são incorporados aos polímeros para conferir propriedades como cor, flexibilidade, repelência à água, resistência ao fogo e proteção contra raios UV.

As preocupações ambientais críticas levaram à criação da Comissão Minderoo-Mônaco, que avalia os impactos desses materiais sobre a saúde humana. A partir dessa iniciativa, 175 nações concordaram em estabelecer um acordo internacional juridicamente vinculante para eliminar a poluição por plásticos, durante o Fórum Econômico Mundial de 2022.

Com essa disseminação global, vieram também partículas de micro e nanoplásticos que são, atualmente, consideradas poluentes emergentes, com potenciais riscos à saúde. Elas representam um contaminante ambiental global, que afeta organismos vivos e ecossistemas. No entanto, ainda se sabe pouco sobre os efeitos da exposição e da absorção dessas partículas pelo corpo humano.

O termo “microplásticos” (MPs) foi proposto por Richard Thompson e colaboradores em 2004, e refere-se a partículas plásticas com tamanho superior a 1 μm (um micrómetro, que é a milésima parte de um milímetro) e inferior a 5 milímetros. Hoje, estima-se que cinco trilhões de partículas de microplásticos estejam flutuando em rios e oceanos ou depositadas em praias do mundo todo. Já os nanoplásticos (NPs) são definidos pela Autoridade Europeia de Segurança Alimentar como partículas menores que 1 μm.

Desafios na detecção e impactos dos nanoplásticos

Um dos maiores desafios para avançar no entendimento sobre os nanoplásticos está na sua detecção, análise e classificação. Diferentemente dos microplásticos, que são relativamente mais fáceis de isolar e caracterizar, os nanoplásticos muitas vezes ficam abaixo dos limites de detecção das técnicas convencionais, exigindo equipamentos especializados.

Como consequência, o número de estudos focados exclusivamente neles ainda é limitado. Por isso, ao lado de outros oito pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal Fluminense (UFF) e Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), acabamos de publicar um artigo científico de revisão bibliográfica no periódico Microplastics, no qual analisamos cerca de 140 outros estudos sobre o tema.

Apesar das lacunas, as evidências sugerem fortemente que os nanopláticos coexistem com os microplásticos em matrizes ambientais e biológicas, podendo representar riscos ainda maiores devido ao seu tamanho reduzido, maior área de superfície, capacidade de penetração celular e potencial de distribuição sistêmica.

Devido ao seu tamanho microscópico, eles entram na cadeia alimentar dos seres humanos que vivem em habitats contaminados e afetam todas as pessoas que consomem peixes ou frutos do mar.

A ausência de metodologias robustas para isolar e distinguir nanoplásticos dificulta as avaliações toxicológicas e contribui para sua sub-representação na literatura científica. Superar essas limitações é essencial para esclarecer o seu real impacto na saúde humana e no meio ambiente.

Toxicidade em humanos

A toxicidade dos microplásticos para os seres humanos ainda não foi totalmente esclarecida. No entanto, eles são cada vez mais reconhecidos como um problema de saúde pública, atuando como um fator associado a várias condições fisiopatológicas e doenças, incluindo distúrbios no metabolismo de lipídios, respostas inflamatórias, desequilíbrio oxidativo, além de câncer e doenças cardíacas.

Os humanos podem ser expostos aos microplásticos de diferentes formas: inalação de partículas presentes no ar, ingestão de água e alimentos contaminados, absorção pela pele e, mais raramente, durante terapias de transfusão por tubulação.

A ingestão desses produtos é motivo de muita preocupação, pois partículas plásticas já foram encontradas em peixes e frutos do mar. Estudos mostram que os peixes tendem a ingerir partículas de determinadas cores, como branco, amarelo e azul. Além disso, o formato também influencia: fibras semelhantes a vermes ou ovos são particularmente ingeridas. Quando consumidos por outros animais, esses peixes contaminados transferem sua carga de compostos plásticos aos seus predadores — incluindo os seres humanos.

No Brasil, microplásticos foram encontrados no conteúdo estomacal de peixes da bacia do rio Paraná. A análise de 220 indivíduos, de 14 espécies, revelou partículas plásticas entre 1 mm e 3 mm. Microplásticos também foram detectados no trato gastrointestinal de peixes coletados no rio Uruguai médio e em espécies da Bacia Amazônica.

Depois de entrar no organismo, microplásticos e nanoplásticos alcançam a corrente sanguínea, são distribuídos e podem se acumular em tecidos e órgãos. Já foram detectados em cavidades orais, anais e uterinas, vaginais, regiões diretamente expostas ao ambiente externo.

Números assustadores

Dados quantitativos sobre microplásticos foram compilados a partir de 26 estudos, resultando em 402 pontos de dados que representam mais de 3.600 amostras processadas.

A contaminação por microplásticos via inalação foi avaliada com base em concentrações no ar e nas taxas de respiração fornecidas pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos.

No que diz respeito à exposição alimentar, microplásticos foram encontrados em frutos do mar, açúcar, sal, mel, álcool, água de torneira e engarrafada. Estima-se que os humanos consumam entre 39 mil e 52 mil microplásticos por ano. Quando a via de inalação é considerada, esse número aumenta para 74 mil a 121 mil micro e nano plásticos anuais.

Os autores acreditam que esses números estão subestimados, devido às limitações metodológicas. Indivíduos que consomem água engarrafada podem ingerir quase 90 mil microplásticos adicionais por ano, em comparação com apenas cerca de 4 mil microplásticos entre aqueles que consomem água encanada.

Além dos efeitos diretos, há também preocupação com os aditivos usados na fabricação de plásticos. São cerca de 2.712 compostos conhecidos, alguns deles classificados como carcinogênicos, capazes de provocar danos ao DNA, apoptose, comprometimento do sistema imunológico e até certos tipos de câncer. Muitos ainda não foram testados quanto à toxicidade.

A exposição humana a esses compostos representa, portanto, riscos tanto pelas partículas plásticas em si quanto pelos aditivos tóxicos que carregam, capazes de se espalhar por todo o organismo.

Os plásticos estão presentes no ambiente em uma taxa alarmante, e sua proliferação não é apenas um problema de poluição visual, mas também uma ameaça profunda à saúde dos ecossistemas e dos seres vivos, com consequências imprevisíveis para todo o equilíbrio ecológico da Terra. Pode-se dizer que esta fase do Antropoceno poderia ser chamada de era dos plásticos.

Redução, reutilização, reciclagem e recuperação

Mudar os comportamentos individuais, corporativos e governamentais pode ser a chave para enfrentar a crise global causada pelo plástico. Políticas internacionais são fundamentais, incluindo ampliar a coleta e a reciclagem, reduzir a produção e o consumo, aplicar impostos sobre descartáveis e incentivar plásticos biodegradáveis.

A minimização do uso deve seguir uma abordagem que comece com prevenção, redução, reutilização, reciclagem e recuperação, tendo a eliminação como última opção.

A educação e a conscientização pública são cruciais para mudar comportamentos, incentivar práticas sustentáveis e reduzir o uso de plásticos descartáveis. Empresas também têm papel essencial, inovando em embalagens sustentáveis e promovendo a economia circular.

Governos precisam implementar políticas rigorosas para reduzir o uso de plástico, promover a reciclagem e penalizar o desperdício. Medidas como a proibição de plásticos de uso único, taxação de produtos plásticos e subsídios a alternativas biodegradáveis podem acelerar a transição para uma sociedade menos dependente do plástico.

Por fim, a cooperação internacional é indispensável, já que a poluição plástica é um problema global que não reconhece fronteiras.


Esta pesquisa foi financiada pela Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). E a divulgação deste artigo foi financiada pelo Instituto de Biologia Estrutural e Bioimagem (INCT-INBEB).

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