Milhões de pessoas no mundo convivem com dores, dormências e dificuldades de movimento causadas por problemas no sistema nervoso periférico, uma vasta rede de nervos que conecta o cérebro e a medula espinhal ao resto do corpo. Essas condições podem surgir após traumas e compressões nervosas, em doenças como diabetes e hanseníase, ou em síndromes como Túnel do Carpo e Guillain-Barré.
O principal desafio é que os tratamentos atuais nem sempre conseguem regenerar os nervos danificados. Muitas vezes, os pacientes ficam limitados a aliviar sintomas, sem recuperar de fato as funções perdidas. Foi diante dessa lacuna que nós, pesquisadores da UFRJ e da USP, decidimos investigar uma proteína encontrada no cérebro e pouco explorada, mas cheia de potencial: Fator Neurotrófico Dopamina Cerebral, conhecida pela sigla CDNF.
Descrita em 2007 por grupo de pesquisa da Finlândia, o CDNF pertence a uma nova família de fatores neurotróficos que tem sido estudada em vários contextos de sobrevivência, desenvolvimento e função dos neurônios do sistema nervos central e, em especial na doença de Parkinson.
Essa proteína CDNF pode ser secretada em situações de estresse pelos neurônios atuando efetivamente sobre a sobrevivência de neurônios da circunvizinhança de forma geral mas, em especial, sobre os neurônios produtores de dopamina – um neurotransmissor conhecido por sua função no prazer e motivação e no controle dos movimentos. Esses neurônios são muito afetados na doença de Parkinson, daí se pensar no uso do CDNF na proteção dos neurônios dopaminérgicos como tratamento do Parkinson.
Embora o CDNF seja um fator neurotrófico, hoje sabemos que ele é produzido por outras células do corpo, como o coração, onde também atua como como agente cardioprotetor. Nosso grupo também mostrou de forma pioneira que o CDNF funciona como uma cardimiocina, isto é, uma proteína capaz de proteger o coração contra o infarto.
Porém, restava uma questão: será que a proteína CDNF também poderia exercer efeitos tróficos, promovendo a sobrevivência, regeneração e proteção dos neurônios dos nervos periféricos, que estão fora do cérebro? Essa pergunta nos guiou até o estudo que acaba de ser publicado no Journal of Neurochemistry.
Em nossos experimentos demonstramos, pela primeira vez, que o CDNF ajuda tanto a proteger quanto a regenerar células dos nervos periféricos, utilizando como modelo gânglios da raiz dorsal.
Até então, o papel mais conhecido nesse tipo de regeneração de nervos era desempenhado por outra proteína, chamada Fator de Crescimento Nervoso (NGF). O NGF foi descoberto na década de 1950 e seus efeitos sobre a sobrevivência dos neurônios periféricos já são muito bem estabelecidos.
Seus descobridores, Rita Levi-Montalcini e Stanley Cohen, receberam o prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina, em 1986, pela descoberta do NGF e do EGF (Fator de Crescimento Epidermal). Porém, além de ter um efeito limitado, ele torna os neurônios mais sensíveis à dor, o que, na prática, pode acabar agravando esse sintoma.
No entanto, vimos que a proteína CDNF exerce efeitos benéficos para esses neurônios ativando um receptor diferente do NGF, o que abre novas possibilidades de estudos para a regeneração dos neurônios do sistema nervoso periférico.
Além disso, quando combinamos as duas proteínas, observamos um efeito ainda mais potente, indicando que elas podem trabalhar em conjunto para promover a recuperação dos nervos.
Potencial na restauração de conexões
Proteger e regenerar essas células pode fazer enorme diferença para pacientes que sofrem lesão dos nervos periféricos, como cortes ou compressões; doenças neurodegenerativas, como Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) e Parkinson; e em situações onde os tratamentos tradicionais com o NGF não funcionam bem ou causam efeitos colaterais, como de dor crônica.
Assim, acreditamos que a proteína CDNF é promissora para o desenvolvimento de novas terapias no campo da medicina regenerativa.
Ainda há um longo percurso até que esses achados se transformem em tratamentos disponíveis para pacientes, mas a identificação desse novo mecanismo já é um avanço importante. Esperamos que, no futuro, nosso trabalho possa ampliar as possibilidades de tratar não apenas sintomas, mas também as causas de muitas condições debilitantes que afetam milhões de pessoas em todo o mundo.
Este estudo foi desenvolvido no âmbito do Instituto Nacional Biologia Estrutural e Bioimagem (INCT-INBEB) e recebeu financiamento do CNPq, Capes, Faperj e Fapesp.