A maioria de nós gosta de acreditar que teria se oposto à ascensão do nazismo na Alemanha dos anos 1930. Talvez até gostemos de imaginar que teríamos lutado bravamente na resistência ao nazismo na década de 1940. Mas será que teríamos? Nossa capacidade de tomar uma posição pode ser posta à prova à medida que o autoritarismo aumenta em todo o mundo.
Todas as democracias eleitorais podem se transformar em autocracias. Esses são governos que restringem direitos políticos e civis, centralizam o Poder Executivo, manipulam eleições e minimizam a diversidade de opiniões políticas.
Nas democracias ocidentais, o movimento em direção à autocracia é geralmente liderado por aspirantes a homens fortes cujo foco é “restabelecer os valores tradicionais” e o nacionalismo. Eles geralmente têm como alvo a imprensa livre, opositores e grupos sociais estigmatizados, sem nenhum remorso moral.
No entanto, os movimentos para aprofundar a autocracia são sempre combatidos. Dependendo do grau de autocracia de um país, essa resistência será diferente. No início do processo de “autocratização”, a resistência é comum nas instituições formais do Estado. Ela pode ser expressa por meio de ações abertas, incluindo declarações públicas que condenam as ações do governo.
Em autocracias fechadas, no entanto, a resistência é exercida mais por movimentos sociais secretos. Um motivo para isso é o risco pessoal ligado à resistência. Na Rússia autocrática de Vladimir Putin, por exemplo, os dissidentes políticos sabem que correm o risco de serem assassinados ou presos se forem pegos.
Nos Estados Unidos, por outro lado, onde o novo governo tomou medidas que aumentam o nível de autocracia, opiniões dissonantes podem ser efetivamente silenciadas por causa do medo de represálias. Muitas pessoas têm medo de perder seus empregos ou ter suas empresas prejudicadas.
Perfil psicológico
A ciência sobre as escolhas feitas por aqueles que resistem a regimes autoritários e as estratégias que aplicam para resistir está evoluindo.
Entrevistas com resistentes em Mianmar sugerem que compromissos morais pessoais, compaixão e sentimento de obrigação de agir ao testemunhar violações de direitos são fatores que motivam a resistência.
Esses fatores também são evidentes nas pessoas que ajudaram os judeus a sobreviver durante o Holocausto. Por exemplo, estudos sugerem que socorristas eram mais empáticos e moralmente conscientes do que outros. Essencialmente, eles haviam sido socializados para serem éticos na infância e também eram mais inclusivos em relação a pessoas de outros grupos sociais.
As pessoas que se juntam a grupos de resistência também tendem a ser mais abertas a correr riscos. Isso faz sentido: quanto mais motivado você for pela necessidade de se sentir seguro, menor será a probabilidade de se envolver em qualquer coisa que possa colocar isso em risco – mesmo que sua bússola moral sugira que você deva fazê-lo.
Além de resistir a medidas autocráticas, os estudos sobre coragem moral em ambientes cotidianos mostram que acreditar que pode ser bem-sucedido, que tem o conhecimento e as habilidades necessárias são indicadores importantes de que você vai intervir quando testemunhar violações de normas, quer isso signifique enfrentar um agressor ou proteger uma vítima.
Características de liderança
Dito isso, nem tudo depende de seguidores individuais. Nenhum líder autocrático pode ganhar poder sem influenciar seus seguidores. O mesmo se aplica à resistência: a resistência não pode existir sem uma liderança eficaz.
Pesquisas sugerem que os seguidores são influenciados por líderes que criam um clima ético positivo, o que, por sua vez, influencia seu próprio comportamento ético.
Para combater uma autocracia, um aspecto importante é comunicar que valores morais inclusivos, como o universalismo (a ideia de que coisas como liberdade, justiça, fraternidade e igualdade devem se aplicar a todos) e benevolência (ajudar, perdoar, ser responsável) são uma parte importante da identidade do grupo.
Por exemplo, quando os judeus dinamarqueses foram perseguidos pelos nazistas em 1943, representantes de instituições moralmente fundamentadas, inclusive órgãos que representavam o clero protestante e médicos de hospitais, começaram a resistir ativamente ao regime. Eles se tornaram líderes eficazes, pois já ocupavam cargos considerados moralmente “comprometidos”, e as pessoas confiavam em seu julgamento.
As pesquisas sobre resistência não violenta também mostram que as organizações de resistência fortes e seus líderes tendem a aceitar a diversidade entre as pessoas. E quando são bem-sucedidas, geralmente incluem os pilares da sociedade que têm o poder de perturbar, como as forças militares ou as elites econômicas.
Pesquisas sobre a “ferrovia subterrânea”, a rede de ativistas que ajudava pessoas escravizadas a fugir para os estados do norte da América ou para o Canadá no século 19, mostraram que líderes influentes da igreja desempenharam um papel crucial. Eles se recusaram a seguir a legislação federal que os obrigava a ajudar os proprietários de escravos a capturar os escravizados que haviam fugido.
Saber que pessoas que são modelos de ética estão tomando uma posição é importante para os seguidores de um movimento de resistência. Stanley Milgram comprovou isso em seus muito debatidos estudos de obediência psicológica, mostrando que 90% dos participantes que foram solicitados a dar choques elétricos em outras pessoas pararam imediatamente se dois professores assistentes parassem primeiro.
Construindo a resistência
Em um mundo em que a autocracia está em ascensão, como podemos estimular características nas pessoas que promovam formas adequadas de resistência?
Ensinar aos outros sobre figuras moralmente corajosas pode funcionar, mas o heroísmo não é a chave para todos os alunos. A ciência sugere uma série de outros objetivos – talvez surpreendentes – que podem levar as pessoas comuns a defender a democracia. Em especial, iniciativas educacionais que aumentam o contato entre diferentes grupos podem ser úteis.
Para poder resistir a regimes autocráticos e ajudar as pessoas que são perseguidas por eles, precisamos, em última análise, ter empatia por pessoas que são diferentes de nós. Há muitas pesquisas mostrando que pessoas brancas que se mudam para áreas mais diversificadas dentro das cidades, por exemplo, se tornam menos racistas.
Portanto, talvez quanto mais tempo passamos com pessoas que são diferentes de nós, mais aumentamos nosso potencial como combatentes da resistência.
Talvez também queiramos aumentar nossa autoeficácia, ou autoconfiança. Uma técnica é nos expormos repetidamente a situações que evocam medo, mas que nos forçam a agir com coragem, como enfrentar valentões. Essa é uma parte crucial do treinamento policial ético, por exemplo.
Aprender sobre valores morais também pode ajudar a criar confiança. Educadores que têm o desafio de ensinar um bom comportamento moral podem fazer isso de forma eficaz, concentrando-se em princípios universais – em vez daqueles que se baseiam na cultura ou na classe social – como, por exemplo, tratar os outros como gostaríamos de ser tratados.
Esses são os tijolos de construção de uma identidade de grupo que favorece a empatia com todos e as expectativas de bom comportamento.