A campanha “Abril Laranja”, uma iniciativa internacional de conscientização sobre o maltrato aos animais, convidou diversos setores da sociedade a refletir sobre esse problema urgente. Embora abril tenha se encerrado, essa reflexão continua sendo relevante. Ao mesmo tempo, essa campanha nos levou a refletir sobre o cuidado com aqueles que diariamente se dedicam ao resgate de animais.
Um exemplo recente que ilustra essa importância é o trabalho da ONG Grupo Fauna de Proteção aos Animais, que teve uma atuação crucial no caso Tokinho, o cão que recebeu indenização por danos morais após ser brutalmente agredido por seu ex-tutor.
Resgatar um animal abandonado é um ato de enfrentamento à crueldade, e conviver diariamente com a dor do abandono pode ser emocionalmente devastador. As pessoas envolvidas nesses resgates, apesar de fazerem o possível com os recursos que têm, muitas vezes voltam para casa com a sensação de que, apesar dos esforços, há sempre muitos outros animais que ficaram sem cuidado. É um trabalho solitário, exaustivo e muitas vezes invisível.
Estudos recentes já apontam que profissionais e voluntários envolvidos no cuidado com animais abandonados ou mal tratados apresentam um risco aumentado de problemas de saúde mental. Mesmo assim, ainda são muito raras as iniciativas de suporte psicológico a essas pessoas. Fomentar o debate público sobre o tema e investir em ações concretas, como o desenvolvimento de políticas públicas que reconheçam e apoiem emocionalmente esses cuidadores, são passos essenciais para que esse trabalho não continue sendo feito às custas da saúde mental de quem o realiza.
A importância de cuidar de quem luta para reduzir os maltratos de animais
Pesquisas indicam que mais de 30 milhões de animais vivem em situação de abandono no Brasil. Muitas pessoas lutam para mudar essa realidade. Há 400 organizações de resgate animal registradas no país, mas esse número não reflete toda a rede envolvida nessa causa pois há uma imensa estrutura de voluntários, instituições informais e grupos não registrados que atuam diariamente para resgatar e cuidar desses animais. Infelizmente, esses indivíduos muitas vezes operam sem o devido reconhecimento ou suporte institucional.
O trabalho que essa rede de resgate realiza é essencial, não apenas para os próprios animais, mas para a sociedade como um todo pois ela pode ter um impacto positivo para a saúde pública. Por exemplo, animais em situação de rua estão mais expostos a doenças, fome, maus-tratos e acidentes, o que pode gerar impactos tanto para o bem-estar dos próprios animais quanto para a comunidade. Ao resgatar esses animais, é possível oferecer cuidados veterinários e promover adoções responsáveis. Como resultado, as pessoas envolvidas nos resgates e cuidados aos animais abandonados ajudam a reduzir diversas vulnerabilidades em relação à saúde. Ao mesmo tempo, elas contribuem para uma convivência mais segura e saudável entre as pessoas e os animais.
O peso do resgate
Embora poucas pesquisas abordem as necessidades psicológicas específicas de pessoas envolvidas nos regates de animais no Brasil, estudos com ativistas e profissionais que atuam no cuidado de animais mostram maior risco de “fadiga por compaixão”, uma síndrome caracterizada por esgotamento emocional decorrente do trabalho de cuidado.
A exposição contínua ao sofrimento animal, aliada à falta de recursos e apoio, muitas vezes leva as pessoas envolvidas no resgate de animais a um desgaste emocional significativo, resultando em maior incidência de depressão e estresse.
Alguns fatores que podem agravar essa situação são a falta de reconhecimento institucional e social, expectativas irreais, pressão para salvar todos os animais que precisam de cuidado, e a falta de suporte para lidar com os desafios emocionais envolvidos nesse trabalho. Por outro lado, estudos indicam que cuidar da saúde mental de ativistas e pessoas envolvidas no resgate de animais pode evitar burnout e fadiga da compaixão.
Para enfrentar essa realidade, é importante ampliar a atenção a essa população. Isso pode envolver:
1) Pesquisas especificas: Mais pesquisas são necessárias para ampliar nosso conhecimento sobre as demandas especificas dessa população. Poucos estudos oferecem dados concretos sobre como oferecer apoio efetivo, e ampliar o investimento em estudos nessa área pode oferecer informações essenciais para o desenvolvimento de políticas públicas.
2) Espaços de escuta e apoio: Pesquisas indicam que grupos de apoio e escuta podem ser úteis pois eles oferecem suporte psicológico às pessoas envolvidas em cuidados aos animais. Esse tipo de iniciativa pode mitigar os impactos da exposição constante ao estresse associado a esse tipo de trabalho.
3) Maior reconhecimento institucional: Alguns estudos indicam que fatores como falta de reconhecimento institucional e acesso a recursos adequados torna a realidade dos resgates ainda mais difícil, o que aumenta o risco de problemas psicológicos. Portanto, é necessário oferecer apoio institucional por meio de políticas públicas que ofereçam suporte psicológico e recursos adequados.
Cuidando da sociedade de forma integrada
O abandono de animais não é apenas um problema ético, mas também uma questão de saúde pública e bem-estar coletivo.
De acordo com a abordagem One Health (Saúde Única), há uma interconexão profunda entre a saúde humana, animal e o ambiente. As pessoas que atuam no resgate e cuidado de animais abandonados contribuem para restaurar esse equilíbrio, pois elas ajudam a mitigar o sofrimento dos animais e reduzir riscos relacionados ao abandono e à superpopulação.
É preciso mais do que sensibilidade social diante do sofrimento de pessoas envolvidas nessa rede de cuidado. Fomentar discussões sobre esse tema pode incentivar a criação de políticas efetivas de suporte às pessoas envolvidas nos regates de animais em situação de abandono e maus-tratos.
Tais iniciativas são essenciais não apenas para garantir a continuidade dos resgates, mas sobretudo porque essas pessoas merecem cuidado e reconhecimento pelo valioso trabalho que realizam, o qual gera impactos concretos na saúde pública e no bem-estar coletivo.