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Piratas do século XXI: um desafio antigo que persiste nos mares

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Piratas do século XXI: um desafio antigo que persiste nos mares

Recentemente, um cruzeiro de luxo precisou emitir um alerta de segurança aos seus passageiros, ao atravessar uma área sob risco de ataque pirata. O episódio poderia parecer improvável para os dias atuais, mas não é um caso isolado. Apesar de ser associada a mapas do tesouro e navios a vela, a pirataria continua sendo uma realidade em diversas regiões do mundo, como um problema geopolítico, econômico e social urgente.

Desde a virada do século XX para o século XXI, houve um aumento significativo no número de casos de pirataria marítima, especialmente nos continentes africano e asiático. Segundo dados da Organização Marítima Internacional (IMO), em seu auge, foram registrados 544 ataques apenas no ano de 2011.

Apontada por estudiosos como sendo, provavelmente, uma das profissões mais antigas do mundo, a pirataria é considerada como o primeiro crime internacional sujeito à jurisdição universal. Isso significa que qualquer país pode julgá-la, independentemente da nacionalidade dos envolvidos ou do local do crime.

Mas, afinal, quem são esses piratas? Como eles operam e quais são seus objetivos?

Imaginário popular ancorado em contos antigos

Ao se falar em pirataria, a própria prática pode ser encontrada em relatos antigos, datados dos períodos dos grandes impérios europeus. Nesse sentido, muitos ainda evocam imagens fantasiosas de filmes, jogos e livros, baseados em histórias antigas e contos infantis: homens com tapa-olho, espadas e papagaios no ombro, criminosos do mar que saqueavam navios e buscavam tesouros enterrados em ilhas distantes.

Ao questionarmos se a prática evoluiu até hoje, muitos concluem que piratas são coisa do passado baseados nesse imaginário. Afinal, não vemos grandes navios à vela com canhões estampando as manchetes ao redor do mundo. Essa impressão enganosa acaba dificultando a compreensão das formas complexas da pirataria contemporânea. Ou seja, a pirataria, e os próprios piratas, conseguiram resistir às mudanças tecnológicas e às diferentes maneiras de serem combatidos. Mas, afinal, como essa visão impacta a percepção atual sobre a pirataria?

Pirataria somali, “Capitão Phillips” e a luta por sobrevivência

Na tentativa de desafiar esse imaginário, podemos relembrar um dos casos mais emblemáticos da pirataria recente, que ocorreu na costa da Somália, em meados de 2010. Os ataques na região ganharam grande visibilidade mundial com o sequestro do navio cargueiro Maersk Alabama, a ponto de ter sido retratado no filme Capitão Phillips (2013), estrelado por Tom Hanks.

O filme faz uma dramatização do ataque, mostrando piratas somalis violentos e fortemente armados com fuzis AK-47, que invadem o navio cargueiro em alto mar, a partir de pequenos – mas poderosos – botes de madeira.

O caso relatado pelo filme se passava em um dos principais focos dos ataques na época: o Golfo de Adem. Isso se dá pela sua posição geográfica estratégica, que liga a Europa à Ásia sem precisar contornar o continente africano. Por ser a única rota marítima que conecta o Mar Vermelho ao Mar Mediterrâneo, quase 20% de todo o comércio marítimo mundial transita por ela, o que representa cerca de 16 mil navios por ano. Essa concentração de tráfego transforma a região em um alvo altamente atrativo para os piratas.

Dentro do cenário proposto pelo filme, podemos observar algumas características presentes na pirataria marítima do século XXI. A história apresentada mostra que os piratas não são apenas criminosos isolados, mas integrantes de redes mais amplas, comandadas por chefes do crime organizado local. Além disso, também é revelado que muitos desses indivíduos estão desempregados e são levados a arriscarem suas vidas em alto mar por falta de alternativas, em meio à pobreza extrema.

Essa visão diverge fundamentalmente das histórias romantizadas de piratas em busca de riqueza e aventura, como mostrado na série de filmes da Disney, Os Piratas do Caribe. Apesar de não ser impossível que os piratas atuais tenham objetivos semelhantes, muitos deles recorrem à atividade como um meio desesperado de sobrevivência.

Operação Atalanta e o combate internacional

Dentro do espectro político internacional, esse delineamento imaginário sobre o tema mostra que a pirataria sempre foi construída como uma ameaça não só à economia global, mas também à humanidade. Desde o Império Romano, piratas são identificados como transgressores da ordem civilizada. Essa visão contribuiu para que impérios e Estados construíssem sua própria identidade a partir da oposição a esses “inimigos absolutos”, que atuam como forasteiros perigosos, fora da lei e da jurisdição de todos os países soberanos.

Essa narrativa foi herdada pelos Estados modernos, o que deslegitima qualquer ação, motivação ou perspectiva dessas pessoas. Isso fortalece a ideia de que a única solução possível é sua eliminação do mundo, reforçando a repressão sem espaço para compreender o problema em profundidade.

Essa visão pode ser encontrada em ações internacionais antipirataria, como a Operação Atalanta, promovida pela União Europeia, em novembro de 2008, no Golfo de Adem. A operação consiste em uma força naval patrulhando a região, legitimada por tentar garantir paz, estabilidade e segurança marítima para um ponto-chave do comércio internacional marítimo.

O que torna isso relevante ao compararmos a prática da pirataria ao longo dos séculos é que: desde o Império Romano, o mesmo argumento já era utilizado para justificar intervenções militares e ocupações territoriais na região.

Outras justificativas da Operação Atalanta foram a necessidade de proteger a população contra criminosos perigosos, além da preocupação, por parte dos países europeus, de garantir que a ajuda humanitária enviada pela ONU chegasse à Somália, que na época passava por uma violenta guerra civil. No entanto, essa justificativa humanitária pode ser desafiada, já que, historicamente, ações europeias na África podem ser constantemente atreladas a outros interesses comerciais e políticos, o que aumenta as suspeitas sobre atitudes neocoloniais.

Outras perspectivas

Sendo assim, a questão pendente sobre o tema se formula de forma controversa. Até que ponto os piratas teriam legitimidade em suas ações? Mesmo sofrendo por incontáveis desigualdades sociais, piratas continuam sendo construídos como uma “exceção internacional”, justificando, assim, a excepcional resposta da ordem e segurança marítima internacional.

Contudo, mesmo tendo essa relevância, é possível ainda questionar outro ponto: poderíamos dizer que as operações funcionam, mesmo sem conseguir erradicar a pirataria como um todo?

São questões como essa que nos fazem nos perguntar sobre a própria lógica de solução de problemas internacionais. Afinal, se por séculos o combate à prática se manteve similar, algo nessa estratégia parece não estar dando certo.

Talvez uma forma alternativa e mais crítica de repensar o problema seja questionar como as desigualdades globais e as forças sistêmicas, geopolíticas e socioeconômicas (re)formam relações imperiais contemporâneas. Seriam elas alguns dos fatores que fazem a pirataria continuar existindo?

No fim das contas, talvez a pergunta mais importante não seja “como acabar com os piratas?”, mas sim “o que leva as pessoas a continuar praticando a pirataria?”. Enfrentar esta questão histórica de forma crítica pode ser o primeiro passo para perspectivas mais justas e ações mais eficazes.

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