Um novo Policy Brief, produzido pelo Centro de Conhecimento em Biodiversidade, apresenta o diagnóstico mais atualizado das Unidades de Conservação (UCs) da Amazônia Legal.
O documento identifica vulnerabilidades institucionais, desigualdades entre as esferas federativas e lacunas operacionais que comprometem a capacidade do Brasil de conter o desmatamento e aponta formas de fortalecer a governança ambiental do território.
A análise parte de uma base de dados recente que mapeia a cobertura das UCs na Amazônia Legal. O estudo revela que, embora pouco mais de 673.000 km² da região estejam protegidos por alguma categoria de UC (cerca de 24,39% do território), há fortes assimetrias no número de UCs com planos de manejo, no efetivo de fiscalização e na integração entre as esferas federativas.
Por exemplo: apenas 67,6% das UCs federais têm plano de manejo em vigor, frente a 45,1% nas UCs estaduais. O documento também lembra que cerca de 95% do desmatamento está concentrado a até 5,5 km de estradas e de rios navegáveis, um padrão já bem documentado em trabalhos anteriores.
Por que isso importa agora?
Com a realização da COP 30 em Belém e o foco internacional na proteção da Amazônia, as peças de governança territorial ganham nova centralidade. A floresta amazônica desempenha um papel crítico na ciclagem de água, no sequestro de carbono e na regulação climática global. Neste cenário, as UCs são instrumentos-chave para mitigar as emissões associadas ao desmatamento, garantir os direitos dos povos tradicionais, assegurar o funcionamento dos serviços ecossistêmicos, estruturar políticas de financiamento climático e proteger a biodiversidade.
O que o diagnóstico revelou
1-Desigualdade entre estados
Em alguns estados da Amazônia Legal, a cobertura de UCs varia drasticamente, por exemplo, o estado do Amapá protege aproximadamente 64,3% de seu território, enquanto no Mato Grosso essa proporção é inferior a 6%. Essa disparidade também é observada quando olhamos cada esfera governamental separadamente: no nível federal o Amapá tem quase 42% de seu território protegido, enquanto apenas 2% do Mato Grosso é protegido.
Já no nível estadual, Amapá e Maranhão têm cerca de 22% de seus territórios protegidos por UCs, ao passo que em Mato Grosso esse percentual cai para aproximadamente 3%. Se considerarmos que Mato Grosso só perde para Rondônia em número absoluto de UCs, esses dados apontam um cenário com uma quantidade elevada de UCs pequenas, e indicam falhas na representatividade e na proteção dos ecossistemas.
2- UCs reduzem desmatamento, mas desafios permanecem
O policy brief também aponta que quanto maior a proporção de área protegida por UCs, menor o desmatamento acumulado naquele estado. Os resultados mostram claramente que a relação é válida para todas as categorias de UC, exceto para UCs estaduais de Proteção Integral. Embora áreas protegidas apresentem menor taxa de remoção de cobertura florestal tanto em seu interior quanto em áreas vizinhas, o avanço de atividades ilegais, como garimpo, grilagem e retirada seletiva de madeira, segue em crescimento.
Quanto maior a proporção de área protegida por UCs, menor o desmatamento acumulado em um estado. No gráfico abaixo podemos ver, em azul, a relação para todas as UCs estaduais e federais da Amazônia Legal (A). Em verde-escuro, a relação para UCs federais de Proteção Integral (B); em verde-claro, a relação para UCs federais de Uso Sustentável (C); em lilás, a relação para UCs estaduais de Proteção Integral (D); e em vermelho, a relação para UCs estaduais de Uso Sustentável (E). O tamanho dos círculos indica o número de UCs em cada categoria, por estado da Amazônia Legal.
3- Implicações para políticas públicas
O diagnóstico aponta que a efetividade das UCs depende de várias condições:
● Governança robusta: integração entre órgãos ambientais, fundiários e de segurança.
● Financiamento estável: mecanismos como o pagamento por serviços ambientais (PSA), créditos de carbono e fundos fiduciários precisam estar operacionais de forma permanente.
● Transparência e monitoramento: sistemas públicos devem registrar o desempenho, os recursos e os resultados das unidades.
● Conectividade ecológica: planos de manejo devem também abordar os ambientes aquáticos e a conectividade entre rios e florestas, tema que tem ganhado atenção em estudos recentes sobre a biodiversidade amazônica.
● Participação comunitária: O diálogo com povos tradicionais e comunidades locais é essencial para legitimar e tornar eficaz a gestão das UCs.
● Alinhamento internacional: O Brasil assumiu compromissos no âmbito do Protocolo de Kunming-Montreal, 30% de proteção até 2030, e a cobertura, gestão e efetividade das UCs são variáveis chave para seu cumprimento.
Recomendações estratégicas
O documento aponta sete eixos estratégicos prioritários. O primeiro deles diz respeito à gestão e planos de manejo. Eles devem ser revisados e atualizados a cada cinco anos, contemplando os ecossistemas aquáticos.
Outro eixo é o da fiscalização e controle territoriais, com investimento em infraestrutura, pessoal e monitoramento remoto, com especial atenção aos estados fronteiriços.
A necessidade de uma governança transparente, com um sistema público para o acompanhamento de recursos, metas e resultados também se mostra muito necessária, assim como a pesquisa e construção de um banco de dados público atualizado.
A economia da conservação – por meio da operacionalização dos Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA), dos créditos de carbono e de fontes de longo prazo – éoutro aspecto que deve ser priorizado.
E no âmbito social, o diálogo com as comunidades, o incentivo ao ecoturismo de base comunitária e a participação social e a integração entre as três esferas de governo no comando, controle e combate à criminalidade ambiental.
Conclusão
O diagnóstico mostra que as UCs são instrumentos essenciais para a conservação e a resposta climática no Brasil. No entanto, a presença, cobertura territorial e, sobretudo, a efetividade dessas unidades ainda estão condicionadas a capacidades institucionais, financiamento, governança e integração. À luz da COP30, esses desafios ganham urgência: sem avanços estruturais, a Amazônia pode perder terreno na agenda climática e de biodiversidade, comprometendo não apenas o Brasil, mas também metas internacionais de conservação e mitigação global.
Também são co-autores deste artigo os pesquisadores Clarissa Rosa (ecóloga e membro da coordenação do PPBio Amazônia Ocidental do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia); Marcelo Raseira (analista ambiental do ICMBio); Angelo Gilberto Manzatto (coordenador estadual do PPBio Amazônia Ocidental), e Marcos José Salgado Vital (biólogo e professor titular do Centro de Estudos da Biodiversidade da Universidade Federal de Roraima).










