De memes a séries de streaming, o interesse por elites — entendidas como os muito ricos e influentes — voltou a ocupar o debate público no Brasil e no mundo. Em produções culturais recentes, há uma abordagem muitas vezes irônica sobre como vivem “os de cima”: o que consomem, onde moram e que valores cultivam. Geralmente, elas reforçam uma sensação de distanciamento entre o cotidiano de quem vive com uma renda ao redor da média e o universo de consumo ostentador, e até um tanto excêntrico, dos super ricos.
Nas pesquisas acadêmicas, esse interesse também cresce. Nos últimos anos, livros como Coisa de rico, do antropólogo Michel Alcoforado, despertaram atenção ao descrever com humor e ironia os hábitos da elite econômica. Em um estilo etnográfico, Alcoforado observa os ricos em seu habitat natural. Essa linha de trabalho é importante por revelar como o consumo e o estilo de vida marcam fronteiras simbólicas entre classes sociais.
Mas o mundo da elite não é só riqueza, é essencialmente o mundo do poder. Esse é o foco do nosso novo livro Como pesquisar elites no Brasil, lançado recentemente pela Editora FGV, que reúne diferentes abordagens e experiências de campo sobre o tema.
Nosso objetivo é mostrar como estudar elites ajuda a explicar as engrenagens que movem a política e a economia brasileiras. Para além de mostrar privilégios luxuosos, queremos entender como as pessoas que ocupam posições de poder percebem seu papel e atuam para influenciar os rumos do país. Em particular, como as elites avaliam diferentes formas de desigualdade e as políticas públicas disponíveis para reduzi-las.
Pesquisas anteriores
Essa perspectiva dialoga com uma tradição de estudos sobre elites no Brasil. A socióloga política Elisa Reis, coordenadora do Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre Desigualdade (NIED) na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é pioneira nesse campo. Desde os anos 1990 a pesquisadora publica trabalhos sobre o tema usando sondagens (surveys) e entrevistas em profundidade. Além de usarmos alguns dados de seus projetos, um dos capítulos do livro conta também com uma entrevista com a pesquisadora.
Em outras pesquisas de nossa equipe, que inspiraram boa parte das reflexões do livro, investigamos ocupantes de altos cargos no Executivo, no Legislativo e em grandes empresas. Estudar essas figuras centrais tem se mostrado útil para entender os rumos da política brasileira. Afinal, quem está no poder tende a influenciar os caminhos que a sociedade segue — e conhecer suas motivações ajuda a explicar por que certas decisões são tomadas.
Isso não significa, no entanto, aderir a teorias conspiratórias que imaginam uma elite onipotente controlando tudo. Como disse Karl Marx, “os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem”. Frase que ele usou, aliás, ao analisar justamente a ação de um membro da elite: Luís Napoleão.
A questão é que elites também discordam entre si e cometem erros. Muitas vezes tomam decisões com base em interpretações equivocadas e agem de forma contrária aos seus próprios interesses. Para entender esses resultados — até os aparentemente contraditórios ou irracionais — é essencial investigar as percepções e estratégias desses atores no momento da decisão.
Desafios de amostragem
Porém, pesquisadores que se aventuram nesse campo enfrentam um obstáculo central: acessar seus interlocutores. Pessoas em posições de poder nem sempre estão dispostas a participar de pesquisas, seja por falta de tempo, por desconfiança, ou simplesmente por não verem vantagem em se deixar estudar. O desafio é ainda maior para quem deseja construir uma amostra probabilística — isto é, com um componente de sorteio para permitir generalizações estatísticas.
Uma das formas mais eficazes de enfrentar essa barreira é o uso de questionários padronizados, aplicados a grupos específicos da elite. No capítulo escrito por Matias López, pesquisador da Universidade Diego Portales (UDP), é discutido em detalhe como desenhar esse tipo de estudo. São combinadas duas etapas cruciais: a definição da amostragem (quem deve ser potencialmente incluído) e a construção do instrumento (como formular perguntas que realmente capturem percepções e valores). O autor analisa metadados de diferentes projetos e apresenta simulações que testam a eficácia desses métodos.
Por muito tempo, acreditou-se que as técnicas tradicionais de amostragem — amplamente usadas para estudar a população em geral — não funcionariam bem com elites. No entanto, os resultados mostram que, com as adaptações adequadas, essas metodologias podem sim oferecer retratos confiáveis do pensamento e das práticas de quem exerce poder no Brasil.
Interações entre entrevistados e pesquisadores
Outro desafio é a própria relação entre pesquisador e pesquisado. No capítulo das pesquisadoras Mariane Silva Reghim e Gabriela de Brito Caruso, é discutido como o gênero afeta o acesso a esses interlocutores e como as relações de poder entre pesquisador(a) e entrevistado(a) são moldadas por essas dinâmicas em um espaço tão masculinizado.
Já Débora Thomé, pós-doutoranda da FGV, e Livio Silva-Müller, pós-doutorando de Harvard, exploram como a criatividade e a persistência se tornam ferramentas essenciais para realizar surveys com elites — sem perder o rigor necessário. Um exemplo que os autores dão é a caça a deputados enquanto mudam de uma comissão à outra.
Entrevistar elites significa, muitas vezes, lidar com resistências. Alguns entrevistados reformulam perguntas ou evitam se posicionar dentro de categorias pré-definidas. O paradoxo é interessante: muitos desses agentes usam pesquisas de opinião para embasar suas próprias decisões, mas se mostram desconfortáveis quando são eles os pesquisados.
Essa reação revela como parte da elite busca manter controle sobre o discurso a seu respeito, resistindo a ser descrita ou classificada. Débora Thomé também discute sobre suas experiências com essas questões, junto com Graziella Moraes Silva, professora do Graduate Institute, em Genebra. As pesquisadoras mostram exemplos reais vividos com alguns executivos (CEOs) de grandes empresas.
Elites políticas – um caso à parte
O livro explora diferentes segmentos da elite política, que nem sempre se percebem como tal. O capítulo de Talita São Thiago Tanscheit, professora da PUC-Rio, por exemplo, discute o caso do Partido dos Trabalhadores (PT), cujos dirigentes muitas vezes rejeitam a etiqueta de “elite”, mesmo ocupando cargos de grande influência e poder decisório.
Já Caroline Caldas, Thais Ferreira Rodrigues e Maíne Souza mostram um fenômeno inverso: quanto mais distante alguém está do topo da hierarquia governamental, maior a chance de se identificar como parte da elite.
Uma ferramenta para estudar o poder
Nossa proposta é oferecer ferramentas úteis para cientistas sociais que queiram entrevistar, etnografar ou até mesmo conduzir experimentos com elites, como mostram Marcela Machado e Eduardo Barbabelaem seu capítulo. Esses tipos de estudos vêm crescendo nas ciências sociais brasileiras, mas ainda enfrentam muitas dificuldades práticas e teóricas.
O livro não pretende ser exatamente um manual, mas oferece um panorama abrangente e direto sobre os desafios de se desenhar e executar uma pesquisa com esse grupo de tão difícil acesso — e, ao mesmo tempo, tão central para entender as dinâmicas do poder no Brasil.



			
                               
                             

		
		
		
		