Ad image

Por que a conta de luz pesa cada vez mais no bolso do povo e na popularidade do governo

7 Leitura mínima
Por que a conta de luz pesa cada vez mais no bolso do povo e na popularidade do governo

Entre os muitos desafios que qualquer governo democrático no mundo enfrenta para manter sua aprovação, poucos são tão concretos quanto o encarecimento das contas que chegam todo fim do mês na casa das pessoas. No Brasil, pesquisas recentes mostram que a redução dos índices de popularidade do atual governo está diretamente relacionada com a perda do poder de compra das famílias, que foi afetado sobretudo pela inflação dos alimentos e… pelas tarifas de energia elétrica.

Em fevereiro de 2025, a conta de luz no Brasil subiu em média 17% e foi um dos principais vetores da inflação no mês, que acabou sendo a maior dos últimos 22 anos.

Parte desse salto é consequência da redução momentânea das tarifas, proporcionada pela aplicação, no mês anterior, do chamado “bônus de Itaipu”. Trata-se de um mecanismo criado pelo governo que, uma vez por ano, o permite ratear – na forma de descontos nas contas de luz de dezenas de milhões de consumidores – o saldo positivo na conta de comercialização de energia elétrica da usina de Itaipu. Quando aplicado, esse mecanismo reduz momentaneamente, mas de forma significativa, o índice de inflação do país naquele mês, o que traz consequências macroeconômicas positivas.

O problema é que, quando as tarifas voltam ao normal no mês seguinte, geram um salto que chama a atenção, e expõe de forma ainda mais explícita a histórica trajetória de alta do custo da geração de energia no país, que há anos vem gerando impactos negativos sobre a qualidade de vida da população e no desempenho da economia.

Tal trajetória de alta das tarifas, associada a problemas estruturais e institucionais, aumenta a instabilidade no setor, cada vez mais afetado pelos impactos das transformações tecnológicas e das mudanças climáticas.

A falta de previsibilidade nos preços da eletricidade desorganiza cadeias produtivas, trava investimentos, retarda o avanço da eletrificação necessária à transição energética, e limita a capacidade do país de crescer de forma sustentável.

Crise também na distribuição

Paradoxalmente, o aumento das tarifas foi acompanhado pela degradação da qualidade do serviço prestado pelas distribuidoras. O setor de distribuição se transformou radicalmente com a expansão da micro e da minigeração distribuída, sobretudo a partir da fonte solar fotovoltaica.

Segundo o ONS, em 2024, 22% da geração de eletricidade do país estavam conectados ao setor de distribuição, que precisou administrar esse rápido avanço e lidar com problemas como o nomeado de fluxo reverso.

Os índices de qualidade revelam a gravidade do problema. Em 2024, de acordo com a ANEEL, os brasileiros ficaram, em média, 10 horas e 14 minutos sem energia elétrica. A complexidade da situação deve ser enfrentada por meio de novos e adequados investimentos e gastos em mão de obra e manutenção.

A expansão e a modernização do sistema elétrico tornam central a questão do trabalho, que precisa ser revista. Há crescimento do número de acidentes, inclusive fatais, entre os trabalhadores do setor. Aqui os dados revelam que o regime de trabalho importa. O número de mortes entre funcionários terceirizados costuma ser, ao menos, três vezes maior do que entre os trabalhadores do quadro próprio, apesar de sobrecarregados.

É nesse contexto que surge a proposta do vice-presidente Geraldo Alckmin de retirar a variação dos preços da energia e dos alimentos do cálculo da inflação utilizado pelo Banco Central. Como estes são os itens que mais pressionam a inflação, retirá-los do cálculo reduziria o índice de reajuste de taxa de juros.

A intenção, em parte, é válida: criticar a atual política monetária que mantém os juros excessivamente altos sob o argumento de que irá conter a inflação, mas que se mostra ineficaz. No entanto, o caminho sugerido não endereça o problema estrutural da pressão inflacionária provocada pelo aumento das tarifas de energia elétrica.

É preciso ir além e buscar uma estratégia que inverta essa tendência. O debate sobre os índices de inflação lembra que é hora de enfrentar os fatores que colocam a conta de luz entre os principais vetores da insatisfação social e da estagnação econômica.

O Brasil precisa definir uma política energética para garantir segurança de abastecimento, previsibilidade tarifária e acesso universal à eletricidade. Energia não pode ser item de luxo. É direito básico e pilar fundamental da atividade econômica e da retomada do crescimento.

Tal política energética precisa enfrentar as causas estruturais dos aumentos sucessivos nas tarifas: falta de planejamento, expansão desordenada, variações hidrológicas, judicializações, distorções na formação de preços, custos sistêmicos mal distribuídos e subsídios indevidos.

É igualmente fundamental fortalecer os mecanismos de fiscalização, ouvir os trabalhadores do setor e garantir as condições adequadas para sejam realizadas a manutenção preventiva e a ampliação e modernização da infraestrutura de forma eficiente.

O governo tem uma oportunidade. Se conduzida com responsabilidade e ampla consulta à sociedade e aos especialistas do setor, a necessária reforma do setor elétrico poderá corrigir distorções históricas e reconstruir a confiança em torno de um projeto nacional de transição energética. A definição do marco regulatório é condição necessária para a atração de novos investimentos. Dar previsibilidade às tarifas e garantir que a eletricidade chegue a todos de forma segura, acessível e sustentável são medidas de justiça social e uma estratégia sustentável de redução da inflação, aumento de competitividade industrial e de bem-estar da população, que fomenta o mercado interno. Essa agenda pode ajustar o rumo do país. E a popularidade do governo.

Compartilhe este artigo
Sair da versão mobile