Nos últimos anos, o mundo vem assistindo à intensificação de uma nova corrida por minerais. A necessidade crescente de materiais como lítio, cobre, níquel e elementos terras raras para produção de armas de precisão, dispositivos tecnológicos e equipamentos para geração de eletricidade tem levado ao acirramento de disputas entre os países do Norte Global e a China.
O Brasil é historicamente fornecedor global de muitos desses minerais, na maior parte dos casos com baixa agregação de valor. Algumas ações têm sido propostas para tentar reverter esse quadro, mas ao invés de enfrentar fragilidades estruturais do setor, o país repete velhas fórmulas ao priorizar iniciativas no estímulo à extração.
Nos anos 2000, quando houve o último boom das commodities, políticas neodesenvolvimentistas, supostamente voltadas para a industrialização, aprofundaram o caráter neoextrativista do país e a exportação de bens não industrializados.
Agora, a repetição de tais iniciativas deve transformar a neoindustrialização, prometida pelo Ministério da Fazenda, em uma neocommoditização, ou seja, a especialização no fornecimento de produtos intensivos em recursos naturais para indústrias de alta tecnologia.
O aumento da demanda por minerais tem sido acompanhado pela adoção de diferentes classificações, sendo eles chamados às vezes de “críticos”, outras de “estratégicos”. Como defendido pela pesquisadora da Universidade de Viena, Erika Machacek, mais do que um termo puramente técnico, essas denominações também são políticas, uma vez que são determinadas pelas relações entre os países consumidores e os detentores das reservas.
No Brasil, o termo “minerais estratégicos” tem tido um uso particular. Aqui, essa qualificação é usada principalmente para, sob uma vaga promessa de industrialização, legitimar o aumento da extração e criar condições de excepcionalidade na forma de maior flexibilização do licenciamento ambiental e de novos benefícios econômicos.
Fragilização do licenciamento ambiental
Se analisamos o Projeto de Lei que institui a “Política Nacional de Minerais Críticos e Estratégicos” (PL 2780/2024) e seus oito apensados, podemos verificar que seis instituem sistemas menos rigorosos para o licenciamento ambiental.
De forma semelhante, o Conselho Nacional de Política Mineral criou um grupo de trabalho para definir critérios que estabelecem quais projetos poderão ser beneficiados pelo Licenciamento Ambiental Especial (LAE). Esses critérios ainda não são claros, mas, se tomarmos como ponto de partida a Política Pró-Minerais Estratégicos, de 2021, eles devem considerar a intensidade dos impactos ambientais e, consequentemente, a dificuldade de obtenção das licenças pelos procedimentos usuais.
O licenciamento ambiental de projetos extrativos é um processo complexo. Muitas vezes, os órgãos ambientais, ao identificarem falhas nos Estudos de Impacto Ambiental (EIAs), precisam exigir esclarecimentos adicionais e aprofundamento. Entre idas e vindas, o licenciamento pode levar alguns anos. De acordo com a Lei Geral do Licenciamento, empresas que sejam beneficiadas pelo LAE somente precisam apresentar esclarecimentos uma única vez e a decisão final deve ser dada em, no máximo, 12 meses, diminuindo de forma significativa a acurácia da avaliação dos projetos.
Mais privilégios econômicos
Outra proposta repetidamente presente nos PLs para os “minerais estratégicos” diz respeito a benefícios econômicos. Dentre o total, quatro criam novas isenções fiscais ao setor mineral e seis propõem linhas de crédito adicionais, que se somam às benesses existentes.
Desde a aprovação da Lei “Kandir”, em 1996, produtos primários e industrializados semielaborados destinados ao exterior são isentos do pagamento de ICMS. Além disso, mineradoras que operam na área de atuação da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), uma das principais fronteiras minerais do país, têm direito a uma redução de até 82,5% do imposto de renda.
Esses benefícios aumentam de forma artificial a lucratividade das mineradoras e desestimulam a agregação de valor. Um estudo realizado pelo Ministério de Minas e Energia buscou identificar como se distribuía o valor agregado ao longo da cadeia siderúrgica.
Os resultados mostraram que a empresa Vale, que apenas extrai e exporta minério, retinha 54% desse valor na forma de lucro e transferia apenas 22% para os governos. Por outro lado, para a Companhia Siderúrgica Nacional, que transforma o minério em aço no Brasil, esses valores eram, respectivamente, 30% e 43%.
Do ponto de vista de crédito, o BNDES tem repetido o papel de financiador do setor extrativo que ocupou durante o último boom das commodities. No início de 2025, foi lançada uma chamada pública que distribuiu R$ 5 bilhões entre 56 projetos de transformação mineral – uma média de R$ 89 milhões por projeto.
Por outro lado, dentro da Plataforma Brasil de Investimentos Climáticos e para a Transformação Ecológica, o banco concedeu US$ 1,2 bilhão (mais de R$ 6 bilhões) a apenas três projetos de extração mineral. Assim, apesar do discurso de promoção da industrialização, esta parece ser colocada em segundo plano nas prioridades de financiamento.
Políticas de industrialização erráticas e inefetivas
Em relatório recente, a empresa de consultoria PWC sugeriu, entre possíveis ações, a constituição de uma política industrial específica para o setor mineral. De forma semelhante, sete PLs fazem alguma alusão genérica a incentivos à inovação e à industrialização.
Nesse quesito, existe um contexto bastante desafiador, e a experiência nacional tem se mostrado, no mínimo, decepcionante. No caso do setor mineral, as iniciativas dos últimos anos foram incapazes de promover o desenvolvimento de novas capacitações tecnológicas. Além disso, tais políticas adotam perspectivas genéricas de industrialização, que não garantem a agregação de valor.
A título de ilustração, um decreto de 1997 estabeleceu a obrigatoriedade das empresas que atuavam na cadeia do lítio investirem em desenvolvimento tecnológico. O Decreto foi revogado em 2022 por Jair Bolsonaro como parte de sua política de incentivo ao setor mineral.
Mesmo assim, depois de 25 anos de vigência, quase não houve verticalização da produção e, segundo o Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio, nos últimos três anos, mais de 95% do lítio exportado foi vendido na forma de concentrado de minério, produto resultante da etapa mais básica de beneficiamento.
Uma importante barreira à industrialização de minerais é a baixa capacidade de inovação do setor metalúrgico brasileiro. De acordo com a última edição da Pesquisa de Inovação Semestral do IBGE, enquanto 49% das empresas do setor de transformação inovaram do ponto de vista de novos produtos, esse percentual foi de apenas 18% para o setor metalúrgico. Se considerarmos novos produtos para o mercado nacional, o número cai para 6%.
Essa limitada capacidade inovativa deve ser interpretada em um contexto onde a tecnologia e o mercado já são dominados pela China. Por exemplo, em julho, a Serra Verde, a única mineradora no Brasil que extrai terras raras, teve que parar suas operações de concentração de minério porque seu preço era mais do que o dobro daquele praticado no mercado internacional.
Um cenário internacional complexo
Diante das limitações domésticas, existem propostas que apostam em uma eventual política de transferência de tecnologia de países consumidores. Todavia, devido ao uso crescente desses minerais para fins militares, tais caminhos se mostram improváveis.
Tecnologias de beneficiamento mineral têm sido consideradas cada vez mais elemento de segurança nacional. Um exemplo disso foi a criação de um novo regime de exportação de terras raras da China para os EUA, que impede seu uso para fins militares. Por outro lado, o governo dos EUA tem feito importantes investimentos no desenvolvimento de tecnologias próprias de industrialização mineral. Essa dinâmica sugere que dificilmente esses países compartilharão suas tecnologias com o Brasil.
Mais do que isso, ambos parecem olhar o Brasil como mero exportador de matéria prima. Desde 2024, a China comprou minas de cobre, estanho e níquel no país. Ao mesmo tempo, os EUA, por meio do U.S International Development Finance Corporation, uma agência do governo federal, investiram em projetos de extração de níquel e terras raras.
O risco da neocommoditização
A industrialização mineral pelo Brasil ainda enfrenta vários aspectos complexos. Dificuldades tecnológicas e a baixa capacidade inovativa do setor já seriam desafios difíceis de serem superados. Ainda, incentivos institucionais e econômicos crescentes à atividade extrativa desestimulam que as empresas busquem a verticalização da produção e drenam recursos que poderiam ser destinados a iniciativas de transformação mineral.
Diante desse contexto, parecem pequenas as chances de o Brasil conseguir desenvolver atividades de maior valor agregado nas cadeias globais minerais. Ao contrário, o mais provável é que o país continue limitado à exportação de produtos com baixo grau de beneficiamento. Dessa forma, eles devem se juntar a outros produtos e serviços intensivos em recursos naturais como o processamento de dados, o hidrogênio e o combustível “sustentável” de aviação.





