A maioria de nós passa o dia sem pensar muito sobre nossos corpos – até que algo dá errado. Mas por trás dessa aparente simplicidade existe uma conquista notável: o cérebro precisa constantemente unir imagens, toques e sinais dos músculos e articulações para formar uma sensação coerente de que “este corpo é meu”.
Psicólogos e neurocientistas chamam isso de “propriedade corporal”. É uma parte fundamental da autoconsciência: a sensação de ser um “eu” localizado em um corpo específico, separado do mundo ao meu redor. É em parte isso que nos diferencia de uma inteligência artificial (IA).
Durante décadas, teorias propuseram que grande parte desse processamento corporal ocorre fora do pensamento consciente. É um tipo de processo inconsciente que guia silenciosamente nossos movimentos enquanto a consciência se concentra em outras coisas. Agora, nosso novo estudo desafia essa ideia – oferecendo insights interessantes sobre as teorias da consciência.
A maioria dos experimentos sobre consciência usou flashes de luz ou sons, perguntando quando e como esses estímulos externos alcançam a consciência. Surpreendentemente, poucos trabalhos testaram diretamente como a consciência se relaciona com o “eu” corporal.
Experimentos com mãos de borracha
Para investigar isso, usamos uma versão moderna da famosa ilusão da mão de borracha. Nessa ilusão, a mão real do participante é escondida da vista, enquanto uma mão de borracha realista é colocada na frente dele. Se ambas as mãos forem acariciadas em sincronia, a maioria das pessoas começa a sentir que a mão de borracha é, estranhamente, parte do seu próprio corpo.
Criamos uma configuração robótica que nos permitiu controlar essa ilusão com precisão de milissegundos. Em nosso experimento principal, 32 participantes viram duas mãos de borracha lado a lado, enquanto um robô tocava sua mão real, escondida.
Em cada tentativa, uma mão de borracha era tocada em perfeita sincronia com a mão real e a outra era tocada com um ligeiro atraso – de 18 a 150 milissegundos. Após uma curta sequência de toques, as pessoas tinham que escolher qual mão de borracha parecia mais com a sua própria. Em seguida, elas avaliavam o quão clara era essa sensação.
Isso nos deu duas coisas para comparar. Uma era o desempenho objetivo – com que precisão a sensação de propriedade da mão permitia às pessoas identificar qual mão correspondia ao tempo de toque na mão real. A segunda era a consciência subjetiva – com que clareza elas relatavam sentir essa sensação de propriedade.
Se grande parte do processamento da propriedade corporal ocorre inconscientemente, poderíamos esperar que as pessoas fossem mais propensas a escolher a mão de borracha correta, mesmo quando relatavam apenas uma sensação vaga ou pouco clara de propriedade.
Não foi isso que descobrimos. À medida que aumentávamos a falta de sincronia entre as mãos reais e falsas, as pessoas ficavam melhores em escolher a mão “correta”. Crucialmente, suas classificações de consciência melhoraram em sincronia.
Tanto o desempenho objetivo quanto a clareza da sensação de propriedade relatada começaram a aumentar em torno de 30 milissegundos de incompatibilidade. Abaixo disso, as pessoas estavam essencialmente adivinhando; acima disso, elas escolhiam com mais precisão e relatavam sentimentos mais claros de propriedade.
Em outras palavras, assim que o cérebro começou a distinguir com segurança entre “minha mão” e “não minha mão”, a experiência consciente das pessoas refletiu essa diferença. Não observamos o padrão comum relatado em estudos visuais, em que o processamento inconsciente pode ocorrer antes que os estímulos alcancem a consciência.
Propriedade corporal vs. sincronização
Para testar se isso realmente se tratava de propriedade corporal – em vez de simplesmente perceber a sincronização –, realizamos dois experimentos de controle. Quando giramos as mãos de borracha para uma posição anatomicamente impossível, a ilusão desapareceu e a maioria das pessoas relatou não ter uma sensação clara de propriedade, independentemente da sincronização.
E quando substituímos as mãos por blocos de madeira e pedimos às pessoas que julgassem a simultaneidade em vez da propriedade, sua consciência não acompanhou mais seu desempenho tão de perto. Isso sugere que o forte acesso consciente é específico à propriedade corporal, não apenas a qualquer tipo de integração multissensorial.
Em experimentos adicionais, perguntamos se a mesma relação estreita se mantém quando a propriedade corporal se desenvolve gradualmente. Em um estudo, variamos o número de toques que as pessoas receberam antes de fazer sua escolha. Mais toques significavam mais evidências sensoriais. Como esperado, sua capacidade de discriminar a propriedade melhorou com mais toques. Mas, novamente, suas avaliações de consciência melhoraram proporcionalmente.
Em conjunto, nossas descobertas apontam para uma conclusão simples, mas poderosa: para a propriedade corporal, a consciência parece ter acesso contínuo e privilegiado às informações relevantes.
Isso contrasta com muitos estudos sobre visão e audição, nos quais os estímulos podem ser processados e influenciar o comportamento sem nunca entrar na consciência. Isso sugere que o “eu” corporal pode ocupar um lugar especial em nossas vidas conscientes.
Uma razão pode ser que a propriedade corporal é intrinsecamente relacionada ao “eu”: ela ancora uma perspectiva em primeira pessoa no espaço e sustenta quase tudo o mais que experimentamos. Outra razão é que depende da integração complexa de muitos sentidos, o que pode exigir o tipo de ativação cerebral generalizada associada à experiência consciente.
Implicações para a saúde mental
Compreender como a propriedade corporal e a consciência estão ligadas não é apenas um exercício filosófico. Distorções da autopercepção corporal são comuns em condições como esquizofrenia, distúrbios alimentares, transtorno de personalidade borderline e transtornos do espectro autista, nos quais as pessoas podem se sentir alienadas de seus corpos ou ter uma percepção errada de seu tamanho, forma ou limites. Nosso trabalho oferece novas ferramentas para estudar o quão bem ajustado é este sistema.
As descobertas também ressoam com as tecnologias em rápido desenvolvimento na realidade virtual e nas próteses. Muitas aplicações visam “incorporar” um usuário em um corpo digital ou artificial. Saber que a propriedade do corpo está intimamente ligada à consciência sugere que a incorporação bem-sucedida dependerá de manter os sinais multissensoriais alinhados de forma a sustentar uma sensação clara e consciente de “este sou eu”.
Por fim, nossos resultados se relacionam com teorias gerais da consciência. Se as informações sobre nosso próprio corpo são quase sempre admitidas na consciência, isso reforça a ideia de que manter um “eu” incorporado e estável pode ser uma das funções centrais da experiência consciente. Essa perspectiva destaca, em última análise, uma lacuna fundamental entre os seres humanos e os sistemas artificiais atuais, desafiando a ideia de que a IA — pelo menos em suas formas atuais — poderia se assemelhar à consciência humana.






