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Por que notícias sobre descoberta de evidências de vida em outros planetas devem ser encaradas com ceticismo

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Por que notícias sobre descoberta de evidências de vida em outros planetas devem ser encaradas com ceticismo

Uma equipe de cientistas afirmou recentemente ter descoberto um gás chamado sulfeto de dimetila (DMS) na atmosfera do K2-18b, um planeta que orbita uma estrela distante.

As alegações da equipe da Universidade de Cambridge são potencialmente muito empolgantes porque, pelo menos na Terra, o composto é produzido por bactérias marinhas. A presença desse gás também pode ser um sinal de vida em K2-18b, mas não podemos nos apressar em tirar este tipo de conclusões.

K2-18b tem um raio 2,6 vezes maior que o da Terra, uma massa quase nove vezes maior e orbita uma estrela que está a 124 anos-luz de distância. Não podemos dizer que características em grande escala ele tem, embora haja possibilidade de que seja um mundo com um oceano global de água em estado líquido sob uma atmosfera rica em hidrogênio.

Esse mundo poderia muito bem ser hospitaleiro para a vida, mas existem diferentes ideias sobre as propriedades desse planeta – e o que isso pode significar para uma assinatura DMS.

Décadas de alegações

Alegações sobre a detecção de vida em outros planetas remontam a décadas.

Na década de 1970, um dos cientistas que trabalhavam na missão Viking a Marte afirmou que seu experimento havia indicado que poderia haver microorganismos no solo marciano. Essas conclusões, porém, foram amplamente refutadas por outros pesquisadores.

Em 1996, uma equipe de cientistas afirmou que características microscópicas semelhantes a bactérias haviam sido encontradas no meteorito marciano ALH84001. Mas estudos posteriores lançaram dúvidas significativas sobre a descoberta.

Desde o início dos anos 2000, também houve várias alegações sobre a detecção do gás metano na atmosfera de Marte, tanto por meio de sensoriamento remoto por satélites quanto por observações in situ por veículos-robô (rovers).

O metano pode ser produzido por vários mecanismos. Uma dessas fontes potenciais envolve a produção por microorganismos. Tais fontes são descritas pelos cientistas como sendo “bióticas”. Outras fontes de metano, como vulcões e fontes hidrotermais, não requerem vida e são consideradas “abióticas”.

A alegada detecção do gás fosfina na atmosfera de Vênus foi proposta como uma bioassinatura. Nasa

Nem todas as alegações anteriores de evidências de vida extraterrestre envolvem o planeta vermelho. Em 2020, observações da atmosfera de Vênus a partir da Terra indicaram a presença de baixos níveis do gás fosfina.

Como o gás fosfina pode ser produzido por micróbios, houve especulações de que poderia haver vida nas nuvens de Vênus. Entretanto, a detecção de fosfina foi posteriormente contestada por outros cientistas.

Os sinais propostos de vida em outros mundos são conhecidos como “bioassinaturas”. Isso é definido como “um objeto, substância e/ou padrão cuja origem requer especificamente um agente biológico”. Em outras palavras, qualquer detecção exige que todas as possíveis vias de produção abiótica sejam consideradas.

Além disso, os cientistas enfrentam muitos desafios na coleta, interpretação e contexto ambiental planetário de possíveis gases de bioassinatura. Compreender a composição de uma atmosfera planetária a partir de dados limitados, coletados a anos-luz de distância, é muito difícil.

Também precisamos entender que esses ambientes costumam ser exóticos, com condições que não encontramos na Terra. Dessa forma, processos químicos exóticos também podem ocorrer aqui.

Para caracterizar as atmosferas dos exoplanetas, obtemos o que chamamos de espectros. Essas são as “impressões digitais” das moléculas na atmosfera, que absorvem a luz em comprimentos de onda específicos.

Depois que os dados são coletados, eles precisam ser interpretados. Os astrônomos avaliam quais substâncias químicas, ou combinações delas, melhor se encaixam nas observações. Esse é um processo complexo e que exige muito trabalho com ajuda de computadores. O processo é especialmente desafiador quando se trata de exoplanetas, em que os dados disponíveis são escassos.

Uma vez que essas etapas tenham sido realizadas, os astrônomos podem atribuir uma confiança à probabilidade de uma determinada assinatura química ser “real”. No caso da recente descoberta do K2-18b, os autores afirmam que a detecção de uma característica no espectro da atmosfera que só pode ser explicada pelo DMS tem uma probabilidade de mais de 99,9%. Em outras palavras, há cerca de 1 chance em 1.500 de que o DMS não esteja realmente lá.

Embora a equipe por trás do resultado recente seja favorável a um modelo de K2-18b como um mundo oceânico, outra equipe sugere que ele poderia ter um oceano de magma (rocha derretida). Também poderia ser um planeta “anão gasoso” semelhante a Netuno, com um pequeno núcleo envolto em uma espessa camada de gás e gelo. Ambas as opções seriam muito menos favoráveis ao desenvolvimento da vida, o que levanta a questão de saber se existem formas abióticas de formação do DMS.

Uma barra mais alta?

Mas será que o nível de exigência é mais alto para alegações de vida extraterrestre do que para outras áreas da ciência? Em um estudo que alega a detecção de uma bioassinatura, o nível usual de rigor científico esperado para todas as pesquisas deve ser aplicado à coleta e ao processamento dos dados, juntamente com a interpretação dos resultados.

No entanto, mesmo quando esses padrões são atendidos, as alegações que indicam a presença de vida no passado ainda são recebidas com altos níveis de ceticismo. As razões para isso são provavelmente melhor resumidas pela frase “alegações extraordinárias exigem evidências extraordinárias”, atribuída ao cientista planetário, autor e divulgador científico americano Carl Sagan.

Embora na Terra não haja meios conhecidos de produzir DMS sem vida, o produto químico foi detectado em um cometa chamado 67/P, que foi estudado de perto pela espaçonave Rosetta, da Agência Espacial Europeia. O DMS também foi detectado até no meio interestelar, o espaço entre as estrelas, sugerindo que ele pode ser produzido por mecanismos não biológicos ou abióticos.

Dadas as incertezas sobre a natureza de K2-18b, não podemos ter certeza se a presença desse gás pode ser simplesmente um sinal de processos não biológicos que ainda não compreendemos.

A alegada descoberta de DMS em K2-18b é interessante, empolgante e reflete enormes avanços em astronomia, ciência planetária e astrobiologia. Entretanto, suas possíveis implicações significam que temos de considerar os resultados com muita cautela. Também devemos considerar explicações alternativas antes de apoiar uma conclusão tão profunda como a presença de vida extraterrestre.

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