Donald Trump completou 100 dias do seu segundo mandato como presidente dos Estados Unidos no dia 29 de abril. Um período curto de tempo, mas grande em feitos, que compreendem desde temas tangentes às relações internacionais, como política externa e migração, até temas internos ao país, como educação e administração governamental. Veículos jornalísticos como a Time, The Guardian e The Washington Post fizeram um balanço desses 100 dias de mandato. No âmbito acadêmico, o Observatório Político dos Estados Unidos (OPEU) tem publicado informes no âmbito do “Dossiê ‘100 dias de Trump 2.0’”, que retratam mais a fundo temas específicos.
É nesse contexto que as Agências Reguladoras Independentes (abreviadas aqui como ARIs) se tornam um alvo do presidente, e passam a sofrer mudanças devido a uma série de Ordens Executivas (OEs) proclamadas por Trump. Os impactos dessas mudanças são vários, mas sentidos, principalmente, pela população americana. Como apresentado pelo The Washington Post, entre as mais de 140 OEs assinadas por Trump, a maioria foi direcionada à burocracia federal, principalmente à revisão e administração do governo.
As ARIs são agências federais, estabelecidas pelo Congresso, que regulam assuntos técnicos com algum grau de isolamento do controle presidencial, governadas por conselhos ou comissões com vários membros. Mais especificamente, são: as Agências Reguladoras Financeiras (Comissão de Valores Mobiliários, de Câmbio e Agências Relacionadas (SEC), Comissão de Negociação de Futuros de Commodities (CFTC) e a Agência de Proteção Financeira ao Consumidor (CFPB); a Comissão de Comunicações Federal (FCC); a Comissão Eleitoral Federal (FEC); e a Comissão de Comércio Federal (FTC).
As Ordens Executivas sobre as Agências Reguladoras Independentes
Desde que assumiu seu segundo mandato, Trump lançou cerca de 147 Ordens Executivas, 37 memorandos e 48 proclamações. No âmbito das ARIs, duas OEs foram lançadas: a primeira, denominada “Garantindo a responsabilidade de todas as agências”, de 18 de fevereiro de 2025; e a segunda, “Garantindo a governança legal e implementando a iniciativa de desregulamentação do ‘Departamento de Eficiência Governamental’ do presidente”, de 19 de fevereiro de 2025.
A Primeira OE visa a aumentar o controle presidencial sobre as ARIs. Seus principais pontos envolvem: maior supervisão presidencial nos assuntos concernentes às ARIs, com envio de ações regulatórias para revisão do Escritório de Informações e Assuntos Regulatórios (OIRA); o cumprimento de padrões de desempenho de um controle orçamentário sob supervisão e revisão do diretor do Escritório de Gestão e Orçamento (OMB) sempre em acordo com as políticas e prioridades do presidente; a coordenação dos presidentes das ARIs com a Casa Branca; e a proibição de membros das ARIs de “promover uma interpretação da lei” em regulamentos ou litígios “que contrariem a opinião do Presidente ou do Procurador-Geral”.
Já a segunda OE objetiva revisar e revogar regulamentos federais considerados inconstitucionais, ilegais ou prejudiciais ao interesse nacional. Ela instrui as agências a atuarem junto ao Departamento de Eficiência Governamental (DOGE) e ao OMB para revisar se os regulamentos sob sua jurisdição estão em concordância com a lei e a política da administração. Além disso, visa à identificação de “regulamentos problemáticos”, que se enquadrem em categorias como: regulamentos inconstitucionais ou que prejudiquem o interesse nacional, como inibir a inovação tecnológica, o desenvolvimento de infraestrutura, e outros. Por fim, as listas de regulamentos identificados devem ser enviadas à OIRA, com o intuito de desenvolver uma Agência Reguladora Unificada, de modo a rescindir ou modificar esses regulamentos, conforme apropriado.
Um projeto de centralização e “reconquista institucional”: alinhamento ao Projeto 2025
Em diversos momentos durante a campanha eleitoral de 2024, Trump negou envolvimento com o Projeto 2025. Apesar disso, desde aquela época já havia indícios de alinhamento entre suas propostas com as do Projeto, o que só se intensificou nos primeiros 100 dias de seu mandato. A princípio, com a nomeação de autores do Mandato para Liderança a cargos no governo. Em sequência, com a execução de propostas contidas no Projeto, como as duas Ordens Executivas supracitadas.
O intuito das propostas apresentadas no Mandato para Liderança se relaciona com a redução da independência dessas agências, atribuindo ao Poder Executivo uma centralidade nas decisões concernentes a elas. Denominada de “teoria executiva unitária”, o objetivo é aumentar o controle presidencial sobre o aparato estatal, assim como a lealdade política, e diminuir o “Deep State”, em português “Estado Profundo”, que corresponde a uma suposta rede de indivíduos e grupos operantes no governo americano, a partir de uma influência secreta e significativa sobre a política e mantenedora de uma agenda particular, muitas vezes em contradição com os objetivos da liderança eleita. Busca-se reconquistar as instituições e agências estatais para os valores conservadores e nacionalistas defendidos pela agenda da ultradireita.
É em decorrência dessa finalidade que a agenda propõe revisões das práticas ESG (Ambiental, Social e Governança) e de julgamentos administrativos, com o intuito de blindar setores aliados à regulação e responsabilização estatal, fortalecendo, assim, atores privados. Há, ainda, o objetivo de combater as Big Techs, visando a aumentar a transparência algorítmica e a restrição de imunidades, com o objetivo de aumentar a liberdade de expressão. Uma revisão do sistema financeiro, com o foco em aumentar a liberdade para pequenos investidores, cortes regulatórios e acesso amplo ao mercado de capitais, também é proposta. No âmbito da FEC, a proposta por manutenção do modelo bipartidário da agência indica preocupação em impedir reformas eleitorais que favoreçam políticos democratas.
Da autonomia ao controle: a nova realidade das Agências Reguladoras Independentes
As OEs lançadas em fevereiro de 2025 por Trump impactam diretamente a atuação das ARIs e representam uma tentativa sem precedentes de concentrar o poder no Executivo, desafiando a independência tradicional das ARIs. Além disso, fazem parte de uma iniciativa mais ampla do governo Trump de reduzir a burocracia federal e “restaurar o equilíbrio constitucional de poderes”, o que não agrada a população americana, como mostrado em pesquisa do New York Times, em que 54% dos entrevistaram alegaram desaprovação ao trabalho de Trump como presidente e 52% demonstram desaprovar o gerenciamento do governo federal.
O que as novas OEs sugerem é, justamente, um aumento na atuação do Poder Executivo, levando a um desequilíbrio constitucional. Antes delas, as ARIs operavam com maior grau de autonomia, tomando decisões regulatórias com base em critérios técnicos. Elas tinham liberdade para avaliar e revisar seus próprios regulamentos. Com a publicação das OEs, essa autonomia foi significativamente reduzida. A orientação de colaboração com a OIRA, o DOGE e o OMB, além da formulação de uma “Agenda Reguladora Unificada”, significa que mesmo instituições tradicionalmente distantes do controle político agora devem alinhar sua agenda regulatória às diretrizes do Poder Executivo. Isso gera questionamentos sobre a preservação da separação funcional dessas entidades. prejudica o consumidor, favorece empresas, entre outros.
As reformas nas ARIs representam uma mudança estrutural significativa, de incorporação das agências à lógica e aos objetivos políticos do presidente. O resultado prático é um cenário de maior incerteza, menor previsibilidade regulatória e riscos jurídicos ampliados — tanto para as próprias agências quanto para os atores regulados.