Estamos entrando em uma nova era na exploração do Universo. O novo Observatório Vera C. Rubin no Chile vai transformar a astronomia com sua extraordinária capacidade de mapear o Universo com detalhes impressionantes. Ele está pronto para revelar segredos que antes estavam além do nosso alcance. Aqui, vamos nos aprofundar nas primeiras imagens captadas pelo telescópio Rubin e no que elas já estão nos mostrando.
Essas imagens mostram vividamente o poder sem precedentes que o Rubin usará para revolucionar a astronomia e nossa compreensão do Universo. O Rubin é verdadeiramente transformador graças à sua combinação única de sensibilidade, ampla cobertura de área do céu e qualidade excepcional de imagem.
Essas primeiras imagens são uma enorme demonstração desses atributos. Elas revelam não apenas objetos brilhantes com detalhes requintados, mas também estruturas tênues, tanto próximas e quanto distantes, em uma grande área do céu.
Berçários cósmicos: nebulosas em detalhes
As impressionantes nuvens rosa e azuis da imagem que abre este texto são as nebulosas Laguna (canto inferior esquerdo) e Trífida (canto superior direito). A palavra nebulosa vem do latim para “nuvem”, e essas nuvens gigantes são realmente enormes — tão vastas que a luz leva décadas para atravessá-las. Elas são berçários estelares, os locais de nascimento da próxima geração de estrelas e planetas em nossa galáxia, a Via Láctea.
A intensa radiação das estrelas jovens e quentes na nebulosa energiza as partículas de gás, fazendo com que elas brilhem em rosa. Mais distantes dessas estrelas nascentes, regiões mais frias consistem em grãos de poeira microscópicos. Eles refletem a luz das estrelas (um processo conhecido em astronomia como “dispersão”) de forma muito parecida com nossa atmosfera, criando belos tons de azul. Os filamentos mais escuros dentro delas são regiões muito mais densas de poeira, obscurecendo todas as estrelas, exceto as mais brilhantes do fundo.
Para detectar essas cores, os astrônomos usam filtros em seus instrumentos, permitindo que apenas certos comprimentos de onda de luz cheguem aos detectores. O Rubin tem seis desses filtros, abrangendo desde comprimentos de onda ultravioleta (UV) curtos, passando pelo espectro visível, até luz infravermelha próxima mais longa. A combinação de informações desses diferentes filtros permite medições detalhadas das propriedades das estrelas e do gás, como sua temperatura e tamanho.
A velocidade do Rubin — sua capacidade de tirar uma imagem com um filtro e depois passar rapidamente para o próximo — combinada com a enorme área do céu que ele pode ver de uma só vez são o que o torna tão único e empolgante. O nível de detalhes, revelando as estruturas mais finas e tênues, permitirá mapear a subestrutura e as galáxias satélites da Via Láctea como nunca antes.
Mapeando galáxias a bilhões de anos-luz
Já as imagens de galáxias demonstram de forma impressionante a escala em que o observatório Rubin mapeará o Universo além da nossa Via Láctea. As grandes galáxias visíveis aqui (como as duas galáxias brilhantes em forma de espiral no quarto inferior direito da imagem) pertencem ao Aglomerado Virgo, uma estrutura gigante que contém mais de 1.000 galáxias, cada uma com bilhões a trilhões de estrelas.
Esta imagem mostra de forma belíssima a enorme diversidade de formas, tamanhos e cores das galáxias em nosso Universo, reveladas pelo Rubin em toda a sua glória tecnicolor. Dentro dessas galáxias, pontos brilhantes são visíveis — essas são regiões de formação estelar, assim como as nebulosas Laguna e Trífida na Via Láctea, mas, desta vez, elas estão a milhões de anos-luz de distância de nós.
Esta imagem estática captura apenas 2% da área de uma imagem completa do Rubin, revelando um Universo repleto de corpos celestes. A imagem completa, com cerca de dez milhões de galáxias, precisaria de várias centenas de telas de TV de ultra alta definição para exibir todos os seus detalhes. Ao final de sua pesquisa de dez anos, o Rubin terá catalogado as propriedades de cerca de 20 bilhões de galáxias, suas cores e localizações no céu, com informações sobre componentes ainda mais misteriosos do nosso Universo, como a matéria escura e a energia escura. A matéria escura compõe a maior parte da matéria no Cosmos, mas não reflete nem emite luz. Já a energia escura parece ser responsável pela expansão acelerada do Universo.
O papel do Reino Unido
Esses números gigantescos exigem um processamento de dados em uma escala totalmente nova. Fazer novas descobertas a partir desses dados requer um enorme esforço colaborativo, no qual a astronomia do Reino Unido – e do Brasil – desempenha um papel importante. O Reino Unido processará cerca de 1,5 milhão de imagens do Rubin e hospeda um dos três centros internacionais de acesso a dados do projeto, fornecendo aos cientistas de todo o mundo acesso aos vastos dados do Rubin. Aqui na Universidade de Southampton estamos liderando duas contribuições críticas de desenvolvimento de software para o Rubin.
A primeira delas é a capacidade de combinar as imagens do Rubin com outras em comprimentos de onda infravermelhos mais longos. Isso amplia as cores que o Rubin vê, fornecendo informações importantes sobre as propriedades das estrelas e galáxias. A segunda é o software que conectará as observações do Rubin a outro novo instrumento, chamado 4MOST, que em breve será instalado no telescópio Vista, no Chile.
Parte do trabalho do 4MOST será capturar e classificar “fontes” ou objetos em rápida mudança no céu que forem descobertos pelo Rubin. Um desses tipos de fontes em rápida mudança é uma explosão estelar conhecida como supernova. Esperamos ter catalogado mais explosões de supernovas em apenas dois anos do que jamais feito até agora. Nossas contribuições para o projeto Rubin levarão, portanto, a uma compreensão totalmente nova de como as estrelas e galáxias em nosso Universo vivem e morrem, oferecendo uma visão sem precedentes do grande ciclo cósmico.
O observatório Rubin não é apenas um novo telescópio — é um novo par de olhos sobre o Universo, revelando o Cosmos com detalhes sem precedentes. Um tesouro de descobertas nos aguarda, mas os mais interessantes entre elas serão os segredos ocultos do Universo que ainda não contemplamos. As primeiras imagens do Rubin foram uma demonstração espetacular da vastidão do Universo. O que poderemos encontrar neste gigantesco conjunto de dados do Cosmos à medida que o filme em timelapse definitivo do nosso Universo se desenrola?