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Quando o mundo quântico toca a biologia: o Nobel de Física 2025 e as fronteiras entre matéria e vida

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Quando o mundo quântico toca a biologia: o Nobel de Física 2025 e as fronteiras entre matéria e vida

O Nobel de Física de 2025 reconheceu John Clarke, Michel Devoret e John Martinis — cientistas que provaram que os fenômenos quânticos, antes restritos ao mundo subatômico, também podem se manifestar em sistemas macroscópicos. Eles demonstraram que circuitos supercondutores são capazes de “pular” entre estados energéticos, atravessando barreiras invisíveis como fazem os elétrons em um átomo.

Esse é o princípio do transmon, o “átomo artificial” que serve de base para os computadores quânticos atuais.

A mecânica quântica, muitas vezes vista como algo distante, já faz parte do nosso cotidiano: nos semicondutores dos celulares, nas câmeras digitais que captam fótons, nos lasers que alimentam a internet por fibra óptica e até nos ímãs supercondutores usados em aparelhos de ressonância magnética.

No Brasil, já há sinais animadores desse movimento sair do papel da pesquisa e rumar ao mercado. Em Recife, por exemplo, a startup QWeb Tecnologias Quânticas desenvolve hardware para comunicação e computação quântica usando fótons emaranhados e armadilhas atômicas, ajudando a construir pontes entre ideias de laboratório e produtos de uso real.

O que o Nobel deste ano ressalta é que até mesmo sistemas grandes (macroscópicos ou visíveis a olho nu) podem manter coerência quântica, um comportamento antes considerado exclusivo de partículas subatômicas.

O elo com a biologia quântica

Se conseguimos preservar e manipular estados quânticos em circuitos elétricos visíveis a olho nu, talvez sistemas biológicos complexos também possam operar sob as mesmas regras fundamentais. A biologia quântica busca justamente explorar esse limite entre escalas.

A questão central é: até que ponto processos vitais como fotossíntese, respiração celular, percepção sensorial ou mesmo o funcionamento do cérebro dependem de fenômenos quânticos, como o tunelamento e a coerência?

Pesquisas recentes sugerem que enzimas podem explorar o tunelamento quântico para permitir que partículas atravessem barreiras de energia. Na fotossíntese, a transferência de energia ocorre com eficiência quase perfeita, algo que só se explica se houver coerência quântica entre moléculas. O olfato, a magnetorrecepção das aves migratórias e até certas hipóteses sobre o processamento neural também envolvem superposições quânticas.

O Nobel de 2025 oferece um respaldo conceitual a essas hipóteses, ao demonstrar que efeitos quânticos podem ser mantidos em sistemas macroscópicos e controláveis. Se é possível criar coerência quântica em dispositivos fabricados em laboratório, talvez o sistema físico mais sofisticado que conhecemos — os seres vivos — também seja capaz de explorá-la.

Computação e medicina na fronteira quântica

A computação quântica, que se apoia diretamente nos desenvolvimentos premiados, abre uma nova fronteira para a medicina e a biotecnologia. Com simulações quânticas, será possível compreender em detalhe como proteínas se dobram, como medicamentos interagem com seus receptores e de que modo mutações alteram as dinâmicas moleculares.

Em paralelo, sensores quânticos começam a mostrar seu potencial para revolucionar o diagnóstico médico. Dispositivos baseados em spins, átomos ultrafrios ou supercondutores miniaturizados já conseguem detectar variações mínimas de campo magnético — sensibilidade suficiente para gerar imagens moleculares de altíssima resolução e até para examinar o cérebro de forma totalmente não invasiva.

A contribuição brasileira

No Brasil, a Ciência Pioneira, iniciativa do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR), atua justamente nesse território de fronteira entre física, biologia e tecnologia.

A iniciativa investe em pesquisas disruptivas — entre elas, na área de biologia quântica — que buscam traduzir princípios fundamentais da física em aplicações biomédicas. A meta é integrar teoria, simulação e experimentação em um mesmo ecossistema interdisciplinar, no qual físicos e biólogos compartilham ferramentas, hipóteses e descobertas.

Matéria e vida sob as mesmas leis

O Nobel de 2025 é, em essência, um lembrete de que as leis que regem átomos e fótons também moldam o comportamento da matéria viva. Clarke, Devoret e Martinis mostraram que é possível fazer o universo quântico obedecer a comandos humanos, e esse é um passo decisivo não apenas para a computação, mas para a biologia do futuro.

Se os computadores quânticos prometem resolver problemas impossíveis para as máquinas clássicas, talvez a biologia quântica nos ajude a desvendar uma infinidade de mistérios nas ciências da vida. O estranho mundo quântico, afinal, pode estar muito mais próximo do que imaginamos — pulsando nas células, na mente e na própria essência do que chamamos de vida.

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