O recente voo espacial só com mulheres no veículo da empresa Blue Origin, de Jeff Bezos, reacendeu a discussão sobre quem pode ser chamado de astronauta. Sean Duffy, secretário de Transportes de Donald Trump, contestou o título de astronauta dado às participantes do voo, incluindo a cantora Katy Perry e a jornalista Gayle King.
O uso do termo “astronauta” foi pouco contestado até o primeiro voo suborbital de uma “celebridade” em 2021. Na década de 1960, os pilotos do jato experimental X-15, movido a foguete, recebiam o status de astronauta da Força Aérea dos EUA se voassem acima de 80 km (50 milhas) de altitude.
O voo de Sir Richard Branson em 2021 a bordo de seu veículo da Virgin Galactic alcançou 85 km (53 milhas), uma altitude reconhecida por alguns especialistas como já sendo o espaço sideral. Bezos o seguiu alguns dias depois, viajando em seu veículo New Shepard, da Blue Origin. Esse voo atingiu cerca de 68 milhas (106 km) de altitude.
Bezos tem se concentrado em atingir uma altitude de cerca de 100 km (62,1 milhas), uma fronteira proposta para o espaço conhecida como “Linha Kármán”, em homenagem ao polímata do início do século XX Theodore von Kármán.
Uma publicação de 2021 nas mídias sociais da Blue Origin de Bezos capitalizou o fato de que seu veículo New Shepard atingiu este limite superior. A publicação sugeria que aqueles que viajam para o limite inferior em voos suborbitais da rival Virgin Galactic poderiam ter seu status de “viajante espacial” questionado, enquanto aqueles que viajam com a Blue Origin não enfrentariam este questionamento.
Essa postagem em particular não mencionou a questão de quem é um “astronauta”. Entretanto, é assim que a Blue Origin atualmente descreve aqueles que viajam no New Shepard.
De fato, algumas definições de “astronauta” simplesmente afirmam que se trata de uma pessoa que já foi ao espaço. Portanto, outra implicação da postagem – intencional ou não – pode ser que aqueles que viajam com a empresa de Bezos são mais qualificados para essa designação do que aqueles que estiveram em altitudes mais baixas.
Embora a Blue Origin chame a Linha Kármán de “limite internacionalmente reconhecido” do espaço, ela está longe de ser universalmente aceita. Theodore von Kármán queria separar a aeronáutica (a ciência de pilotar aeronaves) da astronáutica (a ciência das viagens espaciais).
Como subproduto, ele calculou que a altitude máxima que uma aeronave poderia atingir sem alcançar a velocidade orbital (onde começaria a orbitar a Terra) seria cerca de 52 milhas (84 km).
Um pesquisador e associado de Von Kármán chamado Andrew Haley estava interessado na legislação do espaço. Ele estabeleceu o cálculo de Von Kármán como o limite do espaço. Posteriormente, esse valor foi aumentado para 62,1 milhas (100 km) pelo órgão governamental mundial para esportes aéreos, a Fédération Aéronautique Internationale.
No entanto, a Linha Kármán tem muito pouca fundamentação científica. Se você perguntar a um geólogo, a um cientista atmosférico e a um especialista em física espacial qual é a definição de espaço, obterá respostas muito diferentes.
Por exemplo, como alguém especializado em física magnetosférica e influência solar, eu diria que o espaço começa propriamente na plasmapausa. Esse é um limite ao redor da Terra que se baseia em diferenças nas partículas carregadas existentes em cada lado da divisão. A plasmapausa fica a uma altitude de cerca de 35.000 milhas (57.000 km).
Quem é um “astronauta”?
O recente voo da Blue Origin causou, compreensivelmente, uma forte impressão positiva nos passageiros. Gayle King comparou o voo com o lançamento histórico de 1961, que fez do astronauta da Nasa Alan Shepard o primeiro americano no espaço.
As reações efusivas das passageiras, juntamente com o uso do termo “astronauta” por King e pela Blue Origin para descrever as participantes do voo, provocaram reações online. King observou que homens em voos semelhantes não haviam sido submetidos a tais críticas, e Katy Perry disse que se sentiu “maltratada e machucada” pelas reações.
Entre os críticos estava o secretário de Transportes dos EUA, Sean Duffy, que declarou que as participantes não poderiam ser astronautas, pois não atendiam aos critérios de astronauta da Administração Federal de Aviação (FAA) dos EUA. Os requisitos da FAA para um astronauta são que seja integrante da tripulação, contribua para a segurança dos voos espaciais e realize atividades essenciais para a segurança pública. Sua altitude mínima para “espaço” é o limite de 50 milhas (80 km).
Como o New Shepard é totalmente automatizado, nenhum dos passageiros poderia ser considerado “integrante da tripulação”. Da mesma forma, se você comprar uma passagem em um avião, você não é tripulante, a menos que seja contratado pela companhia aérea para fazer um trabalho.
Seria diferente se os turistas espaciais pudessem realizar pesquisas científicas durante sua viagem? Isso poderia torná-los mais do que simples passageiros e potencialmente qualificá-los para a designação de “tripulação”. A Blue Origin e a Virgin Galactic não são, na verdade, adequadas para qualquer tipo de pesquisa sobre a ausência de peso. Os passageiros experimentam cerca de 3 a 4 minutos de ausência de peso.
Por outro lado, um voo no avião Airbus A310 zero-G proporciona 25 a 30 segundos de ausência de peso. Quando isso é repetido 25 a 30 vezes, você tem entre 10 e 15 minutos de ausência de peso no total. Esse método para realização de pesquisas em microgravidade também está aberto a qualquer pessoa com uma ideia científica sensata para testar, e não apenas aos integrantes de uma rica elite.
Por que é importante
É importante como os viajantes espaciais realmente se chamam? A designação da FAA de “astronauta” não é a única. Algumas definições de dicionário simplesmente definem um astronauta como uma pessoa treinada para ir ao espaço ou, como mencionado, uma pessoa que voou no espaço. Os passageiros dos voos da New Shepard da Blue Origin provavelmente se enquadrariam em ambas as definições.
Mas vamos considerar a dimensão legal. O ator de Star Trek William Shatner voou com a Blue Origin em um veículo New Shepard em 2021. Se Shatner tivesse sofrido um incidente relacionado à saúde durante o voo, de quem seria a culpa?
Se Shatner fosse um “astronauta”, seria possível argumentar que ele teria um nível maior de responsabilidade por quaisquer efeitos adversos do voo? Se ele fosse um simples passageiro, a empresa teria mais responsabilidade?
Felizmente, tal situação ainda não ocorreu, o que significa que quaisquer argumentos legais associados a isso permanecem hipotéticos. Mas à medida que mais passageiros pagantes viajam em voos para o espaço, as chances de incidentes adversos aumentam.
Em última análise, todos podem ter uma opinião sobre se o simples fato de ir ao espaço – seja qual for o limite – o torna um astronauta. Mas talvez haja mais a considerar do que um belo título.