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Quem será o próximo papa — e por que sua escolha importa tanto para o Brasil?

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Quem será o próximo papa — e por que sua escolha importa tanto para o Brasil?

A morte do Papa Francisco abre um novo capítulo para a Igreja Católica e para a geopolítica da fé. Em um conclave marcado por tensões internas e polarizações, os cardeais se reúnem para escolher o novo líder espiritual de mais de um bilhão de católicos no mundo. No Brasil, país com a maior população católica do planeta, e sob um governo que se apresenta como defensor da justiça social, da diplomacia climática e da multipolaridade, a escolha do novo Papa será acompanhada com atenção política. O futuro pontífice poderá se tornar um aliado estratégico ou representar um desafio às pautas sociais e ambientais do governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

No panorama atual, alguns dos cardeais mais cotados para assumir o trono de São Pedro têm trajetórias profundamente alinhadas com temas centrais da diplomacia e da governança brasileira. É o caso de Peter Turkson, de Gana, figura emblemática da encíclica Laudato Si’, conselheiro próximo de Francisco em questões de justiça climática, dignidade do trabalho e combate à desigualdade. Turkson tem longa experiência em fóruns internacionais e seria um aliado natural de Lula na agenda ambiental, especialmente diante da COP30 que será sediada no Brasil. Ele representaria a voz do Sul Global com autoridade e equilíbrio.

Com trajetória semelhante, o congolês Fridolin Ambongo Besungu desponta como liderança africana engajada com a proteção da Amazônia, dos direitos humanos e da economia solidária. Sua atuação é coerente com os valores de Francisco e também com o esforço brasileiro de reposicionar-se como potência ética e ambiental. Se eleito, traria para o centro da Igreja uma perspectiva próxima da realidade dos povos periféricos, com forte potencial de diálogo com Brasília.

Outro nome compatível com a política internacional do Brasil atual é o do cardeal filipino Luis Antonio Tagle. Carismático, com sólida atuação pastoral e perfil comunicativo, Tagle tem se destacado por sua defesa firme das minorias, sua sensibilidade às novas gerações e sua postura crítica frente a regimes autoritários — como evidenciado por seu claro antagonismo ao governo sangrento do ex-presidente Rodrigo Duterte, hoje sob investigação no Tribunal Penal Internacional. Sua liderança apontaria para uma Igreja mais presente na Ásia e reforçaria o papel da Santa Sé em questões ligadas aos direitos humanos e à cooperação internacional. Embora sua proximidade com Francisco gere resistências em setores conservadores, sua eleição fortaleceria as pontes entre o Vaticano e democracias comprometidas com valores inclusivos.

O Brasil também observa com expectativa dois de seus próprios cardeais. Jaime Spengler, arcebispo de Porto Alegre, tem ganhado influência na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e se destaca por sua sensibilidade pastoral, proximidade com movimentos sociais e atuação em temas como justiça, migração e direitos dos povos indígenas. Já Odilo Pedro Scherer, arcebispo de São Paulo, apresenta um perfil marcadamente institucional e teologicamente moderado. É reconhecido por sua capacidade de articulação entre diferentes setores da Igreja e por um estilo de liderança conciliador, voltado à estabilidade interna. Embora respeitado no meio eclesiástico, não tem projeção internacional significativa, nem se destaca por um discurso profético (capaz de mobilizar consciências ou inspirar reformas, dentro de uma visão renovadora inspirada no Evangelho). Sua atuação é mais discreta do que visionária, com pouca presença midiática, o que limita sua visibilidade global e, consequentemente, sua força em um conclave que exige carisma e impacto simbólico. Ainda assim, seu nome não representa riscos de confronto com o governo de Lula, embora tampouco desperte entusiasmo explícito pelas grandes causas sociais que mobilizam a diplomacia brasileira atual.

Entre os favoritos para o conclave está o italiano Matteo Zuppi, atual presidente da Conferência Episcopal Italiana. Conhecido por seu engajamento em processos de paz e mediação de conflitos, tem perfil progressista, mas é visto como capaz de construir consenso. Sua eleição significaria a continuidade da linha pastoral de Francisco e, ao mesmo tempo, garantiria interlocução com diferentes blocos dentro da Igreja. Zuppi é talvez o nome mais forte entre os que conseguem unir visão pastoral, experiência institucional e aceitação geográfica. Sua chegada ao trono pontifício seria bem-vinda por governos que, como o de Lula, desejam reafirmar valores como a justiça global, a solidariedade inter-religiosa e a diplomacia climática.

Outros nomes, embora mais distantes do cenário brasileiro, também oferecem algum grau de compatibilidade. Jean-Claude Hollerich, de Luxemburgo, defende uma Igreja aberta ao mundo contemporâneo, com especial atenção à juventude e ao papel dos leigos. Embora sua influência seja sobretudo europeia, seu discurso pró-reforma e sua adesão ao espírito sinodal o aproximam das pautas democráticas e participativas. O mesmo pode ser dito de Pierbattista Pizzaballa, Patriarca Latino de Jerusalém, que tem histórico sólido de diálogo inter-religioso e convivência pacífica no Oriente Médio — um perfil útil num mundo fragmentado, embora sua conexão com a América Latina seja limitada.

Pietro Parolin, Secretário de Estado do Vaticano, é um nome de peso, com experiência diplomática consolidada e perfil de moderação. Embora distante das reformas mais ousadas de Francisco, tem capacidade de gestão e respeito entre os cardeais. Seria uma escolha segura, tecnicamente competente, mas pouco transformadora.

Já nomes como Mykola Bychok, ucraniano-australiano, simbolizam mais o desejo de paz do que uma candidatura real. Jovem e com pouca experiência curial, sua eleição representaria um gesto extraordinário de renovação, mas sem correspondência direta com os desafios da Igreja latino-americana ou com as prioridades diplomáticas do Brasil.

Fora do bloco dos compatíveis, há figuras cuja eleição seria interpretada como uma ruptura com o legado de Francisco e uma sinalização de retorno a uma Igreja mais doutrinária e hierárquica. Péter Erdő, da Hungria, é um canonista respeitado, mas com visão teológica conservadora e relações estreitas com o governo do nacionalista Viktor Orbán (Erdő, ademais de sua frouxa atuação em casos de abuso sexual clerical, não criticou publicamente políticas governamentais consideradas incompatíveis com a compaixão católica, como campanhas anti-imigrantes, discriminação contra pessoas LGBTQ+ e criminalização da população em situação de rua). Embora não antagonize diretamente com o governo brasileiro, pouco dialoga com suas prioridades.

Raymond Burke, dos Estados Unidos, é o rosto mais visível da oposição a Francisco, com fortes vínculos com a direita religiosa e conservadora americana, incluindo a ala trumpista. Sua eleição representaria um embate frontal com agendas de inclusão e diversidade. Ainda mais inflexível seria Robert Sarah, da Guiné, figura venerada por setores tradicionalistas, que rejeita reformas e sustenta uma visão estritamente litúrgica e moral da fé católica.

Diante da composição do Colégio de Cardeais — com 80% de eleitores nomeados por Francisco — a escolha mais provável recairá sobre um perfil de continuidade moderada. Nesse cenário, Matteo Zuppi surge como o nome mais viável. Capaz de manter o rumo iniciado pelo pontífice argentino, mas com flexibilidade suficiente para evitar rupturas, o italiano poderia ser o elo entre a Igreja que Francisco sonhou e o mundo que Lula quer ajudar a construir.

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