Pilar do desenvolvimento humano, a energia tem sido usada desde os primórdios da civilização como combustível essencial para a nossa evolução social, econômica e tecnológica. Tanto em suas diversas formas de manifestação – térmica, luminosa, mecânica, elétrica, nuclear -, quanto em seus diferentes elementos transportadores, como o carvão, o petróleo, o gás natural, o sol, o vento e a água. Essa diversidade imensa sustenta os sistemas energéticos globais que garantem o nosso desenvolvimento, mas também traz os desafios ambientais cada vez mais urgentes.
História: da força dos músculos à era do ciclo energético tóxico
No início era fácil, mas pouco eficiente. Os seres humanos obtinham energia diretamente da alimentação e do esforço físico. Com o domínio do fogo, a queima de biomassa vegetal e animal passou a gerar calor e luz. Após a revolução agrícola, surgiram outras fontes, como a tração animal e a força da água e do vento. A revolução industrial, no entanto, marca uma virada: o carvão mineral e, posteriormente, o petróleo passaram a dominar a matriz energética mundial.
Esse progresso gerou um ciclo de dependência. Mais produção energética levou ao surgimento de novas tecnologias, que por sua vez exigiram ainda mais energia. O resultado foi uma intensificação da emissão de gases do efeito estufa, sobretudo o dióxido de carbono, principal responsável pelo aquecimento global. A atual crise climática exige uma transição urgente para fontes sustentáveis e descarbonizadas de energia, embora essa transição enfrente incertezas tecnológicas, políticas e sociais.
A demanda energética global está em constante crescimento. Para suprir as necessidades humanas básicas, como alimentação, saúde, transporte, água potável, entre outras, é essencial expandir a oferta de energia. Estima-se que o consumo global aumente cerca de 56% até 2040 em relação a 2010, e os combustíveis fósseis ainda respondem pela maior parte dessa demanda. No entanto, essas fontes não renováveis e altamente poluentes geram desafios profundos ao meio ambiente e à saúde humana.
A busca por fontes de energia mais limpas tem evoluído ao longo da história. As primeiras fontes utilizadas como madeira, óleos vegetais e gordura animal deram lugar, com o avanço tecnológico, a combustíveis fósseis como carvão, petróleo e gás natural. Embora eficientes, são responsáveis por severos impactos ambientais, especialmente no clima. O uso prolongado dos combustíveis fósseis intensificou a emissão de CO₂ e agravou as mudanças climáticas, gerando desastres ambientais em escala global.
O hidrogênio como possível combustível do futuro
Para mitigar esses efeitos, é necessário substituir os combustíveis fósseis por fontes renováveis e limpas, capazes de atender às necessidades energéticas sem comprometer o meio ambiente. Entre essas alternativas, destacam-se a energia solar, eólica, geotérmica, maremotriz e a obtida por biomassa. Todas são abundantes e oferecem baixo impacto ambiental, mas uma fonte em especial tem atraído cada vez mais atenção como solução promissora: o hidrogênio.
Recentemente, nosso grupo do Instituto de Química Orgânica, da Universidade Federal Fluminense, publicou um artigo na revista científica sobre o hidrogênio (H₂) como alternativa aos combustíveis fósseis. Esse elemento químico é apontado como o combustível limpo do futuro. Por ser atóxico, versátil e com elevada densidade energética, se destaca frente a combustíveis como o metano e a gasolina.
Apesar de seu caráter inflamável, evidenciado historicamente no desastre do dirigível Hindenburg, em 1937, a densidade do hidrogênio inferior à do ar faz com que ele se dissipe rapidamente em caso de vazamentos, reduzindo o risco de explosões. Além disso, embora escasso na atmosfera, é abundante no subsolo, dissolvido em águas subterrâneas ou presente em rochas, muitas vezes misturado com outros gases, como o metano.
Do ponto de vista químico, o hidrogênio é um gás incolor, inodoro e insípido. Quando queimado com oxigênio, seu único subproduto é a água, o que o torna ecologicamente seguro. Seu poder calorífico é extremamente alto: 1 kg de hidrogênio gera cerca de 141.600 kJ, o que equivale a quase três vezes a energia contida em 1 kg de gasolina. Contudo, seu armazenamento exige cuidado. Devido à baixa densidade, necessita tanques de alta pressão e infraestrutura especializada, o que representa um dos grandes desafios técnicos da sua adoção em larga escala.
O grande diferencial do hidrogênio é sua capacidade de redesenhar a economia energética global. Sua utilização pode reduzir significativamente os gases do efeito estufa e ajudar a conter os efeitos extremos das mudanças climáticas. Com emissão zero de carbono, o hidrogênio é promissor para setores difíceis de descarbonizar, como transporte pesado, indústrias químicas e produção de fertilizantes. Seu uso também pode contribuir para reduzir a disseminação de doenças relacionadas à poluição, o derretimento de geleiras e o descongelamento do permafrost.
A produção de hidrogênio pode ocorrer de diferentes formas, a partir de fontes renováveis ou não-renováveis. Atualmente, grande parte do hidrogênio produzido mundialmente é obtido a partir de hidrocarbonetos fósseis, principalmente gás natural (59%) e carvão (19%), em processos que geram ainda elevadas emissões de CO₂. Para diferenciar os métodos de produção, convencionou-se então um sistema de cores.
Hidrogênio em cores
Hidrogênio cinza é aquele obtido a partir de combustíveis fósseis, principalmente metano. Representa a maior parte da produção atual, com altíssimo impacto ambiental.
O hidrogênio azul é semelhante ao cinza, mas com tecnologia de captura e armazenamento do CO₂ emitido. É considerado uma solução intermediária de baixo carbono e pode ocupar de 10% a 18% da matriz energética mundial até 2050.
Já o hidrogênio turquesa é produzido pela pirólise do metano, gera como subproduto o carbono sólido (carbon black), que pode ser reutilizado. Apesar de não ser totalmente livre de carbono, oferece menor impacto ambiental.
O hidrogênio verde é outro tipo. Obtido por eletrólise da água, utilizando fontes limpas de energia (solar, eólica, nuclear, etc.), é o único que não emite CO₂ em seu processo de produção e, por isso, é apontado como a alternativa mais promissora para um futuro energético sustentável.
O hidrogênio branco (ou natural) é encontrado em depósitos subterrâneos, formado por processos naturais, como a decomposição de matéria orgânica, radiólise de rochas ou a reação de minerais com água (serpentinização). Por ser gerado naturalmente, é considerado renovável e sua exploração está em fase inicial.
Pilar para ONU
Apesar de seus inúmeros benefícios, a produção de hidrogênio verde ainda enfrenta entraves econômicos e tecnológicos. Os altos custos da eletrólise, a necessidade de grandes volumes de energia limpa e a falta de infraestrutura de transporte e armazenamento são os principais obstáculos. Ainda assim, o hidrogênio é leve, facilmente armazenável, versátil e eficiente na geração de eletricidade e calor, sem produzir emissões diretas de poluentes.
Estima-se que, até 2050, a população mundial alcance 9 bilhões de pessoas, com uma demanda energética de 30 terawatts (TW). A utilização de hidrogênio, principalmente o verde, será vital para atender essa demanda de forma sustentável. Todas as projeções de mercado indicam crescimento acelerado na produção de hidrogênio verde, que deve ganhar espaço nos próximos anos. Tecnologias como a fotólise da água, que simula o processo de produção de hidrogênio pela luz solar, também estão sendo estudadas como alternativas mais econômicas e eficientes.
O papel do hidrogênio, portanto, vai além da substituição de combustíveis fósseis e representa um pilar estratégico para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. Ao fornecer energia limpa, viabiliza avanços em saúde, educação, segurança alimentar e redução da pobreza, além de mitigar os impactos ambientais e climáticos globais.
Essa pesquisa faz parte do Instituto Nacional de Biologia Estrutural e Bioimagem (INCT-INBEB), que é financiado por meio de edital do CNPq e da FAPERJ.