O artigo abaixo é o terceiro da parceria do The Conversation Brasil com o Pulitzer Center, que desde 2006 apoia jornalistas e produz reportagens e relatórios aprofundados sobre questões de relevância global. Nesta parceria, publicamos artigos sobre os efeitos das mudanças climáticas na América Latina, e o que ainda pode ser feito para minimizá-las. No texto abaixo, a equipe do Departamento de Ecologia e Evolução da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) alerta para a gravidade do impacto das mudanças climáticas também nos ecossistemas marinhos brasileiros. E explica por que o tema precisa ganhar o centro das discussões na COP 30 em Belém.
Falta menos de um mês para o início da esperada COP 30 – a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima – no coração da Amazônia brasileira, em Belém. São esperadas delegações de mais de 190 países, representantes da ONU e visitantes que devem somar cerca de 40 mil pessoas.
Um dos objetivos principais da cúpula é encontrar soluções, reafirmar compromissos globais e estabelecer metas ambiciosas para mitigar o aquecimento do planeta, limitando o aumento da temperatura a 1,5 graus. A conferência destacará os impactos cada vez maiores das mudanças climáticas, que ameaçam a biodiversidade e transformam o modo de vida das populações que habitam as florestas tropicais – particularmente na Amazônia – ao mesmo tempo que dialoga com a agenda global de transição energética, segurança alimentar, justiça climática e proteção dos oceanos.
Porém, historicamente os impactos das mudanças do clima são mais associados aos ecossistemas terrestres, sobretudo às florestas, deixando em segundo plano a conexão com o oceano. Essa negligência começou a ser superada a partir do Relatório Especial do IPCC sobre o Oceano e a Criosfera, que evidenciou a gravidade e a rapidez dos impactos sobre os ambientes costeiros e marinhos. Entretanto, a conexão terra-oceano – e como o impacto em um ecossistema retroalimenta os efeitos em outro – ainda permanece periférica nas discussões.
Por exemplo, a perda de ecossistemas costeiros, como os manguezais que são capazes de fixar três vezes mais carbono em comparação às florestas tropicais, soma-se de forma relevante aos impactos do desmatamento das florestas terrestres, agravando ainda mais as mudanças climáticas.
Os oceanos cobrem a maior parte da superfície terrestre e têm propriedades químicas e físicas que os colocam em um papel central na regulação do clima global. Os oceanos absorvem cerca de 90% do excesso de calor gerado pelo efeito estufa, funcionando como um grande tampão climático, mas esse papel vem acompanhado de sérias consequências.
O aquecimento das águas superficiais altera processos fundamentais dos oceanos – reduz o oxigênio dissolvido, intensifica a estratificação da coluna d’água e afeta o metabolismo de inúmeros organismos marinhos.
Esses desequilíbrios ameaçam ecossistemas altamente sensíveis, como os recifes de coral, que sofrem com episódios de branqueamento e mortalidade em massa. Assim, embora fundamentais na regulação climática, os oceanos estão sofrendo impactos severos da crise climática, com riscos crescentes para sua biodiversidade e as populações humanas que deles dependem.
As ameaças aos recifes brasileiros
A costa brasileira se estende por mais de 8 mil quilômetros, e possui uma Zona Econômica Exclusiva cuja área é similar àquela ocupada pela Floresta Amazônica – por isso o uso do termo “Amazônia Azul”. Neste vasto azul, a biodiversidade permanece longe do alcance dos nossos olhos, o que acaba por limitar a nossa percepção dos verdadeiros impactos que estes ecossistemas estão enfrentando.
Uma coleção de ameaças, a maioria de origem antrópica, atinge os oceanos. Por exemplo, o aumento da sedimentação e da poluição em decorrência do mau uso do solo e descartes inadequados ao longo dos rios que deságuam nos oceanos; perda de hábitat por conta de redes de pesca que arrastam toneladas de organismos formadores do fundo do oceano; pesca predatória e turismo não-sustentável.
Ainda, os oceanos estão aquecendo, ficando mais ácidos e com menos oxigênio. As ondas de calor que afetam os centros urbanos e impactam milhares de pessoas também ocorrem no mar, onde têm se tornado cada vez mais frequentes, duradouras e intensas, com temperaturas anormalmente elevadas.
Estudos recentes têm mostrado que o aumento da temperatura é responsável por alterar a ocorrência das espécies, suas interações ecológicas e sua sobrevivência, transformando a paisagem marinha e ecossistemas inteiros. Em 2024, por exemplo, o nordeste do Brasil foi atingido por uma onda de calor marinha que provocou uma mortalidade de até 100% em algumas localidades de Alagoas e Pernambuco.
À elevação da temperatura soma-se a acidificação dos oceanos. À medida que os padrões de produção e consumo nos quais nossa sociedade está fundada, elevam a quantidade de gás carbônico (CO₂) na atmosfera, o oceano absorve cerca de ¼ desse gás, tornando a água mais ácida. Essa maior acidez dos oceanos prejudica diretamente a produção de esqueletos e conchas por animais fundamentais como os corais, moluscos, algumas algas e até mesmo peixes.
Por exemplo, corais e algas calcárias produzem estruturas duras de carbonato de cálcio e por isso são conhecidos como construtores de recifes. Porém, em cenários de acidificação esses organismos, não só terão dificuldade para crescer como poderão se tornar mais vulneráveis à erosão.
Modelos recentes mostram que caso o aquecimento global ultrapasse os 2ºC, 99% dos recifes do Atlântico poderão sofrer erosão até 2100.
Apenas recentemente temos avaliado os efeitos da acidificação sobre a biodiversidade marinha, bem como o efeito associado quando combinamos temperaturas mais elevadas e oceanos mais ácidos.
Os resultados preliminares não são nada animadores: a sinergia entre impactos dificulta o crescimento de corais e compromete suas taxas de fotossíntese, impedindo sua nutrição e sobrevivência num ambiente aquecido. Estes impactos combinados têm provocado mudanças rápidas na distribuição de espécies marinhas, modificando o funcionamento das cadeias alimentares e os benefícios que oferecem aos seres humanos.
Como os ecossistemas recifais contribuem para o ambiente
Na costa brasileira, os recifes oferecem múltiplas contribuições– ou serviços ecossistêmicos – para a população humana. Do pescado que garante o sustento e a segurança alimentar de pescadores e suas famílias, aos turistas que buscam praias e recifes (saudáveis) para mergulhar ou simplesmente admirar a paisagem litorânea.
No Brasil, são quase 1 milhão de pescadores artesanais que dependem diretamente de recursos marinhos para seu sustento, e esse número ainda é subestimado.
O turismo associado aos ecossistemas marinho-costeiros não apenas atrai milhares de visitantes às praias brasileiras, mas também exerce forte impacto econômico, movimentando cerca de R$ 148,3 bilhões na última temporada de verão.
Além de abrigarem uma imensa diversidade de organismos, os oceanos sustentam processos essenciais para a vida no planeta, como a ciclagem de matéria e energia, a produção de oxigênio e a absorção de CO2 da atmosfera. Este último, um serviço comparável ao das florestas em pé, reconhecidas como importantes estoques de carbono que ajudam a reduzir emissões e regular o clima.
Estima-se que os oceanos sejam responsáveis pela remoção de cerca de 25-30% das emissões de CO2 oriundas da ação humana. Na costa brasileira, organismos conhecidos como rodolitos podem ter um papel-chave neste processo. Rodolitos são algas calcárias, ou seja, que depositam carbonato de cálcio em seu talo, e que se distribuem ao longo de toda plataforma continental brasileira. Por serem organismos fotossintetizantes, absorvem gás carbônico para obtenção do seu alimento, e uma parte no processo de calcificação.
Apenas recentemente pesquisadores brasileiros começaram a investigar o potencial desses organismos em sequestrar carbono da atmosfera e contribuir para a absorção global de carbono. As estimativas de sequestro por organismos formadores de recifes, conhecidos como carbono azul, podem viabilizar a inclusão dos oceanos nas discussões sobre créditos de carbono, fortalecendo programas de conservação e gestão dos recursos marinhos.
Apesar de sua relevância, e do fato de que as mudanças climáticas atingem os oceanos mais rapidamente, os ecossistemas marinhos não constituem o ponto central das discussões da COP 30. Acordos e ações de preservação da biodiversidade e mitigação de impactos associados às mudanças do clima envolvem principalmente as florestas tropicais.
Esse é o primeiro ano que o Brasil apresentará uma proposta de NDC (Contribuições Nacionais Determinantes) com o objetivo incluir o oceano, promovendo a ação climática e a resiliência por meio de soluções baseadas no oceano.
Iniciativa internacional pela proteção dos manguezais
A exemplo disso, alguns países, incluindo o Brasil assinaram, durante a abertura da Conferência das Nações Unidas sobre Oceanos (UNOC-3), em Nice, na França, o endosso oficial do governo brasileiro à iniciativa internacional Mangrove Breakthrough, voltada à proteção e restauração dos ecossistemas de manguezais até 2030.
Ao realizar a adesão, o governo federal destacou o papel dos manguezais como sumidouros e reservatórios de carbono, além contribuírem para a redução dos impactos da mudança do clima, entre outros pontos. Junto com a França, o Brasil também lançou em Nice o Desafio NDC Azul, iniciativa para acelerar a ação climática focada em oceano que faz um chamado para que os países coloquem o tema em suas NDCs. Oito países já aderiram à iniciativa, entre eles Austrália, Fiji, Quênia, México, Palau e Seychelles.
Vale ressaltar que a próxima Conferência Década do Oceano, da ONU, será sediada no Brasil, no Rio de Janeiro em 2027, onde muitos desses compromissos devem ser reforçados.
Ainda que existam avanços, é notável a necessidade de mais apoio à conservação dos oceanos e a integração de esforços com a conservação de florestas. Por exemplo, no âmbito nacional, o Brasil conta com o Plano Plurianual (PPA), principal instrumento de planejamento orçamentário de médio prazo do governo federal.
O Plano também define metas e indicadores-chave que monitoram o progresso social, econômico, ambiental, e institucional do país. Entre eles, estão as emissões dos gases de efeito estufa, o desmatamento anual na Amazônia, a qualidade da água em corpos hídricos e a cobertura de unidades de conservação na Amazônia.
Portanto, esses indicadores refletem lacunas importantes: apesar de abordarem florestas e rios, não há nenhuma métrica que capture a saúde dos oceanos ou as condições dos recifes de coral – ecossistemas altamente vulneráveis e fundamentais para a biodiversidade marinha.
Essa ausência evidencia que, embora o país possua instrumentos de planejamento e monitoramento, eles ainda não incorporam integralmente os desafios costeiros e marinhos que a COP 30 busca discutir. O contraste entre a agenda global da conferência e as limitações do PPA ilustram a necessidade urgente de ampliar as políticas públicas brasileiras para proteger todos os ecossistemas e alinhar indicadores que correspondem às metas climáticas internacionais.
Especialistas sugerem que a COP Belém será a conferência da implementação, onde metas de redução de emissões e preservação da biodiversidade e sociobiodiversidade serão estabelecidas, e acordos serão firmados entre nações.
Os oceanos cada vez mais quentes, ácidos e sem oxigênio, clamam por políticas públicas que assegurem sua conservação — não apenas em nome das futuras gerações, mas da manutenção da vida no planeta. Enquanto os holofotes estiverem voltados apenas para ecossistemas terrestres, ignorando a integração dos sistemas naturais do planeta, continuaremos a nos distanciar de uma solução para a crise climática.