Alegações sobre a atuação de supostos terroristas na Tríplice Fronteira entre o Brasil, o Paraguai e a Argentina não são novas. Por isso, não é de se surpreender que o presidente Donald Trump tenha oferecido uma recompensa de até US$ 10 milhões por informações que “levem ao rompimento dos mecanismos financeiros da organização terrorista Hezbollah” na região.
Com o anúncio, a administração estadunidense espera encontrar o que durante todos esses anos não apareceu: evidências críveis da atuação de operativos nas redondezas de Foz do Iguaçu (PR).
A história é antiga e sempre reaparece sem grandes novidades. As acusações teriam origem após os dois atentados ocorridos contra alvos judaicos na capital Argentina, Buenos Aires, em 1992 e 1994. Dois anos após o último evento, o ministro do Interior, Carlos Corach, aventou a possibilidade de que os explosivos teriam vindo do lado brasileiro e paraguaio da mais movimentada fronteira da América do Sul.
De acordo com Celso Lafer, ministro das Relações Exteriores do Brasil entre 2001 e 2002, em telegrama às embaixadas brasileiras do Cone Sul, a declaração do ministro argentino teria sido uma “tentativa, ao que tudo indica, de desviar a atenção da opinião pública e da mídia dos parcos resultados das investigações” dos atentados que resultaram na morte de mais de 100 pessoas e ferimentos em centenas de outras.
As declarações de Corach reapareceram em documentos sobre as atividades terroristas no mundo publicadas pelo governo dos EUA. A partir da edição de 1997, a possibilidade da existência de atividades de grupos ativistas provenientes do Oriente Médio foram inseridas no então principal relatório sobre o assunto editado anualmente pelo Departamento de Estado dos EUA, o Patterns of Global Terrorism.
A região, que possui uma grande comunidade de estrangeiros, em especial do Oriente Médio, passou a ser incriminada mesmo que faltassem evidências que corroborassem as acusações feitas pela administração de Carlos Menem (1989-1999) contra os vizinhos brasileiros e paraguaios de que atuavam em conluio com o Hezbollah.
Suspeitas cresceram a partir do 11 de setembro
Logo após os atentados de 11 de setembro de 2001, a Tríplice Fronteira recebeu atenção mundial graças a uma nova leva de suspeições por parte do Departamento de Estado. Desta vez, a localidade ressurgiu como um hub para o treinamento e financiamento de atividades terroristas por parte de outro grupo, a Al Qaeda. Segundo documentos revelados pelo site Wikileaks, a administração de George W. Bush teria cogitado bombardear a Tríplice Fronteira como forma de responder aos ataques perpetrados pelo grupo de Ossama bin Laden.
Em 2004, a Comissão Nacional sobre os ataques Terroristas contra os EUA, promovida pelo Congresso do país para a investigar as falhas de segurança que permitiram os ataques, isentou a comunidade local de qualquer ligação com o grupo.
É importante destacar a firmeza dos presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luís Ignacio Lula da Silva em apontar a inconsistência das alegações. Logo após os atentados nos EUA, Cardoso lembrou em telefonema para o presidente Bush que a comunidade árabe no Brasil era extensa e que “seus membros estão integrados à sociedade brasileira e até agora não temos comprovação da presença de terroristas no país”.
Detalhes sobre esses movimentos estão no capítulo de minha autoria “Contestando a Guerra ao Terror: as respostas brasileiras às suspeitas de terrorismo”, no livro “Além dos Limites: a Tríplice Fronteira nas Relações Internacionais Contemporâneas” (Editora Alameda, 2021).
Mesmo assim, o relatório estadunidense continuou a apontar a Tríplice Fronteira como um “paraíso” para grupos de ativismo islâmico entre as edições de 2006 a 2012, dos relatórios do Departamento de Estado sobre o tema, que em 2005 passaram a se chamar Country Reports on Terrorism. A lista de “refúgios seguros” para terroristas incluía países como a Somália e o Afeganistão, onde milícias armadas atuavam com liberdade, e excluía a Colômbia, onde as FARC atuaram até o acordo de 2015.
Na edição de 2013, a fronteira do Brasil com os dois vizinhos deixou a famigerada lista, sem nenhuma justificativa. Ou seja, a região estava na lista sem que sequer tenha sofrido um atentado ou que algum terrorista tenha sido encontrado ali.
A falta de evidências que ligasse a região ao treinamento de terroristas provocou uma guinada nos Country Reports on Terrorism. Os documentos passaram a colocar maior ênfase numa suposta operação de lavagem de dinheiro na região para o envio de fundos para o Hezbollah atuar no Líbano. Um comerciante libanês considerado o operador do Hezbollah na região foi preso no Brasil onde era residente em 2018 e extraditado para o Paraguai a pedido da Justiça local.
Ele foi julgado no país vizinho por falsidade ideológica por solicitar um passaporte com documentos adulterados. Foi condenado por esse crime e cumpriu pena, mas não foi acusado por outras atividades ilícitas, nem teve sua extradição solicitada pelo governo estadunidense. Ou seja, nem Washington acreditava nessa história.
Espera-se que agora, com o oferecimento de uma recompensa considerável pelo governo de Trump, uma prova irrefutável da atuação de grupos terroristas na região seja encontrada. Ou, caso contrário, que os habitantes do belíssimo destino turístico de Brasil, Paraguai e Argentina sejam finalmente deixados em paz.