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Recuo dos EUA nas tarifas é vitória diplomática do Brasil, golpeia extrema-direita e fortalece Lula para 2026

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Recuo dos EUA nas tarifas é vitória diplomática do Brasil, golpeia extrema-direita e fortalece Lula para 2026

Os anúncios da Casa Branca nesta quarta-feira, dia 30 de julho, confirmam uma verdade maquiavélica que segue atual: fortuna e virtù andam de mãos dadas. Niccolò Machiavelli foi um diplomata e historiador italiano de Florença na virada dos séculos 15 e 16 que, após cair em desgraça junto ao poder, dedicou-se à reflexão política. Em sua obra-prima, O Príncipe, publicada em 1513, ele define fortuna como os eventos imprevisíveis — guerras, epidemias, oscilações na opinião pública — e virtù como a coragem, a astúcia e a capacidade de ação do governante para domar esses caprichos.

Mas vamos aos fatos. Donald Trump assinou decreto elevando de 10% para 50% a tarifa sobre importações brasileiras, mas após pressão diplomática liberou 694 itens estratégicos — como veículos de passageiros, peças de aeronaves, minério de ferro, suco de laranja, petróleo e fertilizantes — e manteve a sobretaxa apenas sobre os demais bens, em especial café e carne bovina. A medida passa a valer em 6 de agosto.

Na tentativa de recuperar terreno, o governo Trump recorreu, ainda nesta quarta-feira, à Lei Magnitsky para sancionar o ministro Alexandre de Moraes e esconder a repercussão de seu novo recuo tarifário. As sanções congelam todos os ativos de Alexandre de Moraes sob jurisdição dos EUA e proíbem cidadãos e empresas norte-americanas de manter qualquer transação com ele. Porém, já era tarde e o apelido TACO (Trump Always Chickens Out) voltou a ser lembrado. “Chicken out” é expressão idiomática em inglês que significa “desistir por medo”, “dar para trás” ou “fugir da responsabilidade”. Em português, isso equivale a “Trump sempre volta atrás”.

Por ora, parece que o governo e a diplomacia brasileiros venceram esse round da “crise do tarifaço”. Porque aliaram suas habilidades políticas e negociais com uma estratégia de não desperdiçar as condições vantajosas que se apresentaram. De quebra, saíram fortalecidos internamente, enquanto seus adversários políticos que tentam se aproveitar da situação se atrapalharam.

Erros estratégicos

O presidente Lula parece ter tido noção exata de onde estava se metendo. Velho líder sindical, forjado em décadas de negociações duras contra patrões, e com vasta experiência em fóruns internacionais nos quais a maioria dos colegas chefes de Estado eram econômica e militarmente mais poderosos que ele, Lula conseguiu suportar, por duas semanas, uma avalanche de palpites apressados: “deveria ter aberto canal com os Estados Unidos”, “está sendo orgulhoso”, “a verborragia atrapalha”, “precisa se afastar da China e sair dos BRICS”, foram alguns dos palpites pessimistas que reverberaram na mídia e nas redes sociais, entre outros.

Enquanto isso, o presidente Donald Trump, que parece ver-se como um mestre da negociação e da hipnose – e que acredita que o Salão Oval da Casa Branca lhe confere poderes extraterrestres, repetiu o roteiro habitual das ameaças públicas, insultos e arrogância. Práticas já vistas nas recentes humilhações públicas do presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, da presidente da Comissão Europeia Ursula Von der Leyen, do primeiro ministro do Reino Unido Keir Starmer e de Cyril Ramaphosa, presidente da África do Sul. Mas com o Brasil de Lula, do vice-presidente Alkmin, que liderou as negociações desde o anúncio do tarifaço, e do corpo diplomático do Itamaraty, parece que não funcionou.

O erro estratégico do presidente americano – muito possivelmente influenciado por informações falsas sobre o andamento do processo contra Jair Bolsonaro no STF e outras falácias propagadas pela extrema-direita brasileira, foi misturar tarifas econômicas com sanções políticas. Na verdade, isso acabou sendo um presente para Lula. O presidente ganhou duas semanas de palanque gratuito, num momento de recesso parlamentar e silêncio institucional. E soube aproveitar o sorriso do destino. Surfou, sem medo, a onda da soberania nacional.

Enquanto isso, Eduardo Bolsonaro, com suas declarações e ameaças diárias, funcionou como uma espécie de cabo eleitoral involuntário de Lula para 2026 – para desespero dos pré-candidatos da direita. Especialmente o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, que saiu visivelmente menor desse processo. Tentou-se montar um discurso, mas pareceram atordoados, erráticos, contraditórios e incoerentes.

A crise também empurrou para mais perto de Lula setores que até então tentavam manter distância do governo: Centrão, exportadores e parte do agronegócio. A “crise tarifária” virou um divisor de águas político.

Segundo tempo

O medo de inflação nos lares americanos, o impacto nos preços da Amazon, no custo da importação dos aviões da Embraer, hoje fundamentais na malha aeroviária interna dos EUA, entre outros problemas evidentes que seriam causados à economia americana, mostraram a Trump que a estratégia da ameaça tem limite. Quanto às sanções pessoais contra o ministro Alexandre de Moraes, se o tivesse feito sem mexer nas tarifas, poderia até ter ajudado a dividir a opinião pública brasileira e favorecer a oposição. Mas errou no timing, e acabou fortalecendo Lula politicamente também nesse ponto.

Do ponto de vista comercial, cabe ao governo brasileiro seguir pensando nas medidas de reciprocidade e proteção aos setores exportadores que não escaparam da tarifa dos 50% e estar preparado. O jogo não está terminado e eventuais novas sanções de Trump podem vir. Inclusive com direito a ameaças militares.

Mas por enquanto, o presidente brasileiro retoma popularidade reforçando o discurso da defesa da soberania, da importância da democracia e da independência dos Poderes. De quebra, obriga setores historicamente reticentes a se posicionarem: defenderão o ministro Moraes, a soberania e a legalidade? Ou preferirão o silêncio cúmplice dos que flertaram com o golpismo?

A pergunta não é retórica. Está dirigida a alguns ministros do STF, presidentes da Câmara e do Senado, governadores que miram o Planalto, líderes partidários, empresários, banqueiros, líderes do agronegócio e analistas influentes. É hora de sair de cima do muro.

Lula não piscou, Trump recuou e Bolsonaro e seus aliados, confusos, terminaram fazendo campanha para o adversário. Na política, como ensinava Maquiavel, não basta sorte. É preciso saber o que fazer com ela. Lula mostrou, mais uma vez, que sabe.

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