A valsa, com seus ritmos graciosos e elegância, é uma dança atemporal marcada por três batidas distintas — uma forte e duas suaves (UM, dois, três). Os giros e passos entrelaçados em cada batida são uma metáfora impressionante para os desafios e oportunidades multifacetados da restauração de florestas tropicais. Nessa dança intrincada, duas forças frequentemente se movem em tempos divergentes: o mundo acelerado das corporações e os processos lentos e espontâneos da natureza.
Esses ritmos diferentes podem parecer antagônicos, cada um impulsionado por objetivos e cronogramas distintos. Como a segunda batida de uma valsa, a ciência faz a ponte entre esses tempos conflitantes, harmonizando seus movimentos. Ao comparar essas três batidas com as iniciativas de restauração florestal, obtemos insights mais profundos sobre a restauração de florestas tropicais de forma eficaz, reflexiva e sustentável.
A batida forte das corporações
Empresas e corporações e, às vezes, governos locais desempenham um papel cada vez mais significativo na restauração de florestas tropicais, impulsionados pelo reconhecimento do valor dos serviços ecossistêmicos fornecidos por essas florestas reabilitadas, especialmente em contextos climáticos adversos. A função principal é dar início a esses projetos, fornecendo o financiamento e o apoio político necessários para que saiam do campo das ideias.
Este primeiro passo é o primeiro tempo, o “UM” da valsa, forte, intenso e rápido, já que muitas instituições são motivadas pela necessidade urgente de cumprir metas ambientais ambiciosas, como atingir emissões líquidas zero até 2030. Essa urgência as leva a buscar resultados rápidos, incluindo sequestro de carbono em grande escala para realizar seus compromissos climáticos, o que cria um ritmo que geralmente está fora de sincronia com os tempos mais lentos da natureza.
Embora projetos de restauração exijam ações ponderadas, como construir parcerias com comunidades locais, obter licenças e planejar operações de campo, as empresas são movidas pela pressão para demonstrar um impacto rápido e mensurável. A corrida para cumprir promessas de “carbono zero” e mostrar progresso na redução das pegadas de carbono as leva a se mover mais rápido. As corporações buscam resultados rápidos, geralmente mais focados na captura de carbono, o que demanda um ritmo significativamente mais acelerado do que os processos graduais e mais complexos da natureza.
Essa abordagem acelerada, no entanto, não é isenta de desafios. As empresas devem garantir que suas iniciativas de restauração estejam alinhadas com as realidades ecológicas e apoiem a saúde do ecossistema a longo prazo. A chave é encontrar um equilíbrio entre velocidade e a necessidade de garantir um impacto significativo e duradouro. Como o ritmo da nossa valsa, os esforços corporativos fornecem o impulso inicial, mas esse ímpeto deve ser cuidadosamente guiado pelas batidas subsequentes para evitar interromper toda a dança.
A batida fluida da ciência
As pesquisas sobre restauração de florestas tropicais fornecem o passo de ligação entre as duas outras batidas — a corporativa e a natural — cujos ritmos geralmente estão em conflito. A ciência desempenha um papel crucial na harmonização desses diferentes tempos, garantindo que os esforços de restauração sejam eficazes e compatíveis com as necessidades de cada parte.
Os avanços na genômica ambiental, por exemplo, têm imenso potencial para identificar espécies de árvores mais adequadas às condições específicas de um local de restauração. No entanto, essas descobertas exigem investimento para sustentar coleta e análise de dados de campo, bem como paciência para observar seu impacto de longo prazo nos ecossistemas. Atualmente, o objetivo não é mais voltar a ecossistemas exatamente como eram antes da degradação da terra, mas sim antecipar mudanças, particularmente climáticas, e determinar o equilíbrio certo de espécies para criar um ecossistema resiliente e diverso para o século 22.
A aplicação prática do conhecimento científico, no entanto, só pode ser realizada quando pesquisadores e profissionais de campo colaboram estreitamente, compartilhando insights para garantir uma restauração eficaz. Em nossa metáfora da valsa, se o ritmo corporativo impulsiona a ação inicial, o ritmo da pesquisa a refina e direciona, orientando como acelerar ou esperar.
Dados de campo devem ser coletados e analisados em laboratório para informar projetos de restauração de forma eficaz. Espécies invasoras, por exemplo, são um dos maiores desafios que impedem o crescimento de plantas nativas. Controlar essas espécies apresenta dificuldades ecológicas e econômicas.
A Brachiaria, uma grama invasora usada para pastagem, é um exemplo vívido desse enigma. Ela despertou o interesse de muitos cientistas, que estão trabalhando para integrar resultados de laboratório e de campo a fim de alcançar um controle sustentável, garantindo ao mesmo tempo uma restauração bem-sucedida.
A ciência também tem o desafio de desenvolver modelos de restauração resilientes aos efeitos das mudanças no clima, como os eventos climáticos extremos e o risco de incêndios que podem afetar áreas restauradas e o próprio processo de restauração florestal. Além disso, a ciência pode ser o elo que colabora com a integração de conhecimentos tradicionais e atores locais aos projetos de restauração, ampliando seus benefícios ecológicos e sociais e abrindo caminho para a melhor compreensão do ritmo natural.
A ciência, no papel de segundo tempo, fornece a clareza e a orientação necessárias para harmonizar a urgência corporativa com nosso terceiro tempo, o ritmo da natureza, garantindo que as intervenções sejam oportunas, eficazes e respeitosas aos processos ecológicos.
O clímax da natureza
A terceira batida da nossa valsa é a própria natureza — o processo lento, mas constante, de sucessão ecológica, que finaliza o passo com suavidade e beleza. Após perturbações como incêndios ou extração seletiva de madeira, as primeiras espécies a colonizar a área afetada são tipicamente pioneiras, como gramíneas e arbustos. Essas espécies preparam o solo para outro grupo de árvores, também pioneiras, que por sua vez facilitam o estabelecimento de espécies das árvores subsequentes, eventualmente formando um ecossistema maduro.
Essa transformação de uma área degradada para um ecossistema totalmente formado, no entanto, pode levar décadas ou até séculos. Alcançar o estágio de clímax da floresta pode levar entre 80 a 150 anos, dependendo das condições do local, com a floresta passando por pelo menos quatro estágios distintos: pioneira, secundária jovem, meio-sucessional e madura. Etapas presentes mesmo em sistemas de restauração assistidos.
Nossa terceira batida, portanto, requer paciência e precisão. Um restaurador habilidoso de ecossistemas florestais, como um dançarino experiente, sabe que o ritmo da natureza não pode ser apressado. O tempo da natureza é lento, deliberado, complexo e desafiador. Exige um nível de paciência que muitas vezes entra em conflito com os cronogramas corporativos e as metas governamentais, mas também é a base sobre a qual a verdadeira restauração é construída.
Paciência, porém, não deve ser confundida com inação. É amplamente reconhecido hoje que a regeneração natural é a estratégia mais eficaz, menos onerosa e relativamente mais simples para restauração. Em 2018, uma meta-análise conduzida por quatro pesquisadores da Universidade Federal do Paraná (UFPR) analisou a eficácia de várias técnicas de restauração assistida na biodiversidade local, selecionando 69 artigos de 25 países em cinco continentes. A conclusão foi clara: independentemente da área analisada, a regeneração natural foi a estratégia mais eficaz para fornecer serviços ecossistêmicos, particularmente para biodiversidade, armazenamento de carbono e saúde do solo.
A regeneração natural, no entanto, nem sempre é passiva: a forma ativa já é usada e conhecida como restauração assistida. Essa técnica envolve uma variedade de métodos, que vão desde uma intervenção mínima até ações mais severas. Estudo conduzido pela ETH Zurich envolvendo 166 profissionais florestais em 14 países da América Latina mostra que hoje um número cada vez maior de projetos está utilizando intervenções assistidas em vez das chamadas abordagens passivas. Para se ter ideia, 92,6% dos planos incorporam algum nível de plantio de árvores em seus programas de restauração.
O papel da natureza nesta valsa é fornecer a estabilidade e resiliência de longo prazo que somente o tempo e os processos naturais podem trazer. É a batida final, completando o compasso e preparando o retorno ao ritmo forte dos esforços corporativos. Só respeitando esse ritmo lento e natural podemos garantir que os esforços de restauração levem a ecossistemas prósperos e resistentes.
A importância da harmonia
UM, dois, três, ou FORTE-fraco-fraco. A restauração de florestas tropicais é muito mais do que apenas uma ação — é um movimento coordenado de três tempos. Hoje, os esforços de restauração em áreas tropicais entraram em uma nova era, guiados por essas três batidas.
A música que rege o compasso da restauração nunca deve ser tocada por um solista, pois ele reduziria a complexidade de sons que imprimem beleza e fluidez ao arranjo. Em uma valsa, cada instrumento desempenha um papel distinto. Juntos, eles criam um ritmo constante de três tempos e aprimoram a harmonia geral. O mesmo vale para a restauração florestal. O desafio agora é garantir que todos esses instrumentos toquem em harmonia, trabalhando juntos como um e fazendo com que os diferentes tempos se complementem, criando a música que norteia os movimentos da restauração florestal.