Em 30 de julho de 2025, o presidente Donald Trump assinou uma ordem executivaimpondo tarifas de 50% sobre uma vasta gama de produtos brasileiros, enquanto setores-chave como aviação e energia foram parcialmente isentados.
A justificativa apresentada foi uma suposta “emergência nacional”, associada a alegações de ameaças à economia, à política e à segurança dos Estados Unidos. O pano de fundo da decisão, porém, revela motivação essencialmente política, conectada ao processo judicial contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e à atuação do Supremo Tribunal Federal brasileiro, em particular do ministro Alexandre de Moraes.
Tal cenário exige análise rigorosa sob o prisma do direito internacional do comércio e das obrigações dos EUA perante a Organização Mundial do Comércio (OMC).
O Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio de 1994 (GATT 1994) delimita expressamente as hipóteses em que um país pode adotar medidas restritivas fora das regras ordinárias. O artigo XXI, conhecido como “cláusula de segurança nacional”, prevê exceções em casos de guerra, emergência internacional ou proteção de interesses essenciais relativos à segurança e integridade do país.
Durante muito tempo, existiu controvérsia quanto à possibilidade de revisão judicial dessas exceções. Entretanto, decisões recentes da OMC — como o painel “Russia – Traffic in Transit” e o painel “Saudi Arabia – IP Rights” — afirmaram que o uso da cláusula não escapa ao controle objetivo, cabendo aos painéis avaliar a existência de nexo plausível entre a situação alegada e a medida adotada.
No caso da ordem executiva dirigida ao Brasil, esse nexo de causalidade inexiste. Não se verifica guerra, conflito armado ou risco iminente à integridade ou à soberania dos Estados Unidos, requisitos centrais para a aplicação legítima do artigo XXI. O contexto real da medida está ancorado em disputas políticas internas e em tentativa explícita de pressionar o Brasil. A retaliação caracteriza abuso da exceção de segurança nacional, instrumentalizando o comércio internacional para fins alheios ao espírito e à letra do GATT 1994.
Outro pilar central da OMC violado pela ordem executiva é o princípio da não discriminação, consagrado no artigo I do GATT (Nação Mais Favorecida). Todos os membros da OMC devem garantir igual tratamento a produtos de diferentes origens. A tarifa punitiva, aplicada seletivamente aos produtos brasileiros, constitui violação direta desse princípio, pois estabelece tratamento diferenciado sem qualquer base legítima, técnica ou econômica. Situações análogas, historicamente, têm conduzido a julgamentos favoráveis às partes prejudicadas, reforçando o compromisso com os acordos multilaterais.
Os danos econômicos para o Brasil são imediatos. Estima-se que setores do agronegócio, mineração, siderurgia e manufaturas sofrerão perdas bilionárias, com impactos sobre a competitividade, emprego e arrecadação. A incerteza provocada pela decisão dos EUA repercute entre investidores internacionais, fragilizando a imagem do Brasil como fornecedor confiável. Neste cenário, respostas jurídicas e diplomáticas tornam-se urgentes.
O direito internacional do comércio oferece instrumentos robustos de contestação. O Brasil pode — e deve — acionar o Órgão de Solução de Controvérsias da OMC (ou, alternativamente, ao acordo multipartite de apelação (Multi-Party Interim Appeal Arbitration Arrangement), via arbitragem prevista no artigo 25 do Dispute Settlement Undestanding -DSU- da OMC) pleiteando a formação de painel que avalie a compatibilidade da tarifa com o artigo XXI do GATT.
Precedentes recentes sinalizam que a simples alegação de “segurança nacional” não basta para legitimar medidas unilaterais, exigindo-se demonstração objetiva do risco alegado. Caso seja reconhecida a ilegitimidade da tarifa, abre-se caminho para compensações comerciais ou medidas de retaliação autorizadas pelo sistema multilateral.
A atuação brasileira precisa ir além docontencioso estritamente formal. É fundamental construir alianças dentro da OMC e em outros fóruns internacionais,promovendo mobilização conjunta contra práticas protecionistas e iniciativas unilaterais que atentam contra a lógica multilateral.
A ordem executiva de Trump coloca em risco a previsibilidade, a confiança e o equilíbrio do sistema de comércio multilateral, além de estabelecer um precedente perigoso que pode ser invocado por outros governos para legitimar restrições comerciais incompatíveis com a normativa internacional. Tal dinâmica, se normalizada, ameaça desestruturar os avanços institucionais das últimas décadas e enfraquecer as bases da cooperação econômica global.
Diante desse cenário, a responsabilidade dos Estados Unidos se intensifica devido à sua centralidade no comércio internacional e à influência que exerce na formulação das normas multilaterais. O descumprimento de obrigações por parte de Washington afeta diretamente o Brasil e compromete a credibilidade do próprio sistema criado para prevenir conflitos e garantir condições equitativas de concorrência.
Ao adotar uma postura firme, fundamentada juridicamente e orientada pela defesa da ordem internacional, o Brasil fortalece a proteção de seus interesses e contribui para a preservação de um ambiente comercial mais estável, previsível e guiado pelo primado do direito, mesmo diante do crescimento das tensões e da tentativa de instrumentalização política das regras da OMC.