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Retroanálises de uma tragédia anunciada: o que ocorreu no deslizamento do Morro da Oficina, em Petrópolis

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Retroanálises de uma tragédia anunciada: o que ocorreu no deslizamento do Morro da Oficina, em Petrópolis

No dia 15 de fevereiro de 2022, no município de Petrópolis, localizado na Região Serrana do Rio de Janeiro, a Secretaria de Proteção e Defesa Civil emitiu Boletim Meteorológico fez alertas sobre a previsão de pancadas de chuva moderada a forte, devido a influência da passagem de uma frente fria pelo oceano.

O radar meteorológico do município indicava, por volta de 15h20, a possibilidade de a previsão se concretizar. Contudo, as imagens de satélite não indicavam, até então, instabilidades significativas no município.

A partir deste momento, começaram a ser registradas chuvas fortes a muito fortes, associadas a descargas elétricas. Segundo a prefeitura do município, a precipitação acumulada atingiu o valor máximo na estação pluviométrica São Sebastião Geo.

Os dados do Cemaden indicaram um acumulado total de 260 mm, sendo que 259,4 mm foram registrados em um período de 3h30, atingindo às 18h10 a intensidade máxima de 151,2 mm/h.

Frente à evolução do cenário e o risco de deslizamentos, a Secretaria de Proteção e Defesa Civil acionou o protocolo de mobilização. Este protocolo orienta os moradores das áreas de risco a se deslocarem para os pontos de apoio.

Os dados do IBGE apontam que o município de Petrópolis conta com cerca de pouco mais de 72 mil pessoas expostas em áreas de risco a inundações, enxurradas e deslizamentos.

Cerca de 600 movimentos de terra

Apesar dos esforços de monitoramento e comunicação do município, a chuva ocasionou mais de 600 movimentos de massa, tendo como consequências a morte de 234 pessoas. Além do desaparecimento de duas pessoas e mais de 2 mil desabrigados.

O bairro Alto da Serra foi a região mais atingida. Na localidade foi registrado o maior número de fatalidades.

No Morro da Oficina ocorreu um deslizamento de grandes dimensões, além das cicatrizes de movimentos menores ao redor de praticamente todo a encosta.

O talude rompido apresentava cerca de 35º de inclinação e a superfície de ruptura formada tinha comprimento de 100 m, largura de 60 m e abrangeu uma área aproximada de 6 mil m2.

O fluxo de detritos que se desenvolveu após a ruptura percorreu uma distância aproximada de 200 m e formou um depósito com largura de cerca de 70 m e área de 14.500 m2 .

Dada às grandes dimensões do deslizamento, o desastre ocorrido no Morro da Oficina causou ainda a destruição de aproximadamente 80 casas.

Deslizamentos frequentes

No dia 20 de março de 2022, mais uma vez, o município de Petrópolis sofreu as consequências de um evento climático extremo. A chuva atingiu a cidade em dois eventos meteorológicos intensos, cerca de 105 mm/h, à tarde e à noite, e, em menos de 24 horas, acumulou um total precipitado de 416 mm na estação São Sebastião Geo .

Como efeitos deste segundo evento, foram registrados cerca de 250 deslizamentos em 19 localidades da cidade e a perda de mais sete vidas.

Um estudo de Eduardo Soares de Macedo e Lucas Henrique Sandre traça um histórico de mortes por deslizamentos no Brasil, entre 1988 e 2022. Os autores apontam que a região Sudeste registrou 3.178 mortes por deslizamento. Este número representa 76% do total de vítimas em todo o país. E o município de Petrópolis registrou o maior número de óbitos por deslizamentos (640) no período analisado.

Considerando as inestimáveis vidas perdidas por deslizamentos no país, especialmente na Região Serrana do Rio de Janeiro, e o elevado prejuízo financeiro, nós do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da PUC-Rio acreditamos na importância de aprofundar o conhecimento a respeito da resistência ao cisalhamento, bem como dos mecanismos deflagradores de deslizamentos induzidos por precipitações, de solos residuais não saturados no sentido de se evitar futuras tragédias.

Retroanálises

Neste sentido, o uso de retroanálises, desde que se reproduza o mais próximo possível as condições existentes antes da ruptura, demonstra-se como o único instrumento capaz de fornecer uma avaliação confiável dos parâmetros de resistência dos materiais envolvidos na ruptura e dos mecanismos responsáveis pela falha.

Baseados nesse preceito, fizemos um estudo para estimar os parâmetros médios de resistência ao cisalhamento do talude no instante da ruptura do Morro da Oficina.

O intuito foi definir os parâmetros médios de resistência ao cisalhamento que melhor representaram as condições de campo no momento da ruptura. Além disso, avaliamos o potencial mecanismo de falha deflagrador do deslizamento na área.

Em nosso estudo, fizemos quatro séries de retroanálises para representar as condições de campo no momento que ocorreu o deslizamento.

A ideia foi fornecer informações úteis para o monitoramento e prevenção de deslizamentos em futuros eventos extremos de precipitação.

Nossos resultados demonstraram que a ruptura não ocorreu em um único estágio, ou seja, o deslizamento pode ser caracterizado como do tipo translacional retrogressivo.

Acreditamos que tenha se iniciado na porção inferior e, posteriormente, desestabilizado a porção superior do talude. O que contrasta com os relatos obtidos em estudos anteriores de Ingrid Lima, Ana Carolina Duarte Dutra e Marcela Strongylis.

Para nós, o mecanismo que possivelmente explica o deslizamento do Morro da Oficina é o de geração de poropressões positivas sob o terreno, associado a causas naturais.

A poropressão é a pressão que o fluido dentro dos poros (vazios) exerce sobre o esqueleto sólido do material geológico. Imagine uma esponja encharcada: ao apertá-la, a água tenta escapar, exercendo uma força interna. O mesmo ocorre no subsolo — só que em escalas gigantescas. Quando essa água não consegue escapar, gera poropressão. Essa força influencia diretamente a estabilidade de encostas.

Consideramos que o desenvolvimento da ruptura possa ser explicado pela sequência dos fatos ocorridos conforme já descrito por André Avelar e colaboradores sobre deslizamentos ocorridos no ano de 2011, em solos saprolíticos.

São solos residuais jovens com formação inicial de uma zona saturada durante a estação chuvosa e expansão dessas zonas devido a continuidade do processo de infiltração. Esses processos ocasionam aumento gradual da poropressão no contato com o topo rochoso.

Ressaltamos que durante as intensas chuvas do dia em que ocorreu a ruptura, o nível d’água teria se elevado abruptamente. Isso gerou o aumento das poropressões e reduziu de forma significativa as tensões efetivas.

Prevenção de novos deslizamentos

Para prevenções de acidentes com deslizamentos futuros, recomendamos novos estudos e que incluam alguns aspectos importantes como refinar e ratificar, eventualmente até mesmo validar, os resultados obtidos neste estudo.

O desenvolvimento de novos trabalhos que ampliem e aprofundem aspectos geológicos e condições hidrogeológicas das áreas de estudos, das características geotécnicas do material mobilizado e dos mecanismos de falha responsáveis pelo deslizamento do Morro da Oficina também são recomendados.


Esta pesquisa foi financiada pela Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e pela Coordenação de Pessoal de Nível Superior (Capes).

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