Quando a Comissão Europeia — órgão executivo da UE e responsável por negociar acordos comerciais em nome dos 27 países‑membros — recomendou a adoção do Acordo UE-Mercosul, em 2 de setembro de 2025, novas ondas de protestos agrícolas se espalharam pelo bloco europeu.
Desde então, tratores bloquearam rodovias, sindicatos e movimentos rurais denunciaram suposta concorrência desleal e lideranças políticas nacionais intensificaram a pressão sobre Bruxelas pelo endurecimento das salvaguardas (já pré-estabelecidas no acordo político final em 5 de dezembro de 2024).
A pressão social e política já provocou efeitos concretos nas decisões sobre o Acordo UE-Mercosul. Em 16 de dezembro de 2025, o Parlamento Europeu aprovou uma nova cláusula de salvaguarda para produtos agrícolas. As medidas só serão acionadas se importações em grande volume causarem ou ameaçarem prejuízo grave aos produtores europeus.
O problema é que o pacote de emendas aprovado pelos eurodeputados não atende às demandas dos agricultores da UE. Eles querem o bloqueio total do Acordo UE-Mercosul. O resultado é que “estão mais furiosos do que nunca”, realizando o maior protesto agrícola, em Bruxelas, desde os anos 1990 (com mais de 10 mil agricultores europeus).
Assim, os agricultores europeus buscam intensificar a pressão sobre os chefes de Estado e de governo reunidos no Conselho Europeu (18 e 19 de dezembro de 2025), com um objetivo claro: impedir avanços políticos imediatos no Acordo UE-Mercosul.
A estratégia inclui adiar a viagem da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, à cúpula do Mercosul (prevista para 20 de dezembro de 2025, no Brasil), e postergar a assinatura do acordo. O adiamento, para janeiro, já foi confirmado pela Comissão Europeia.
Enquanto Merz, chanceler alemão, e Sánchez, primeiro-ministro espanhol, defendem que os líderes da UE avancem na assinatura do acordo, o presidente francês, Macron, e a primeira-ministra italiana, Meloni, sustentam que ainda é prematuro prosseguir com sua ratificação.
O futuro do Acordo UE–Mercosul depende mais da união política dentro da UE do que da posição do Mercosul. Os países sul-americanos já consideram o acordo positivo no longo prazo e aceitam salvaguardas extras para viabilizá-lo. A própria UE também admite regras mais rígidas para atender às pressões políticas de países como França e Itália.
Ainda assim, as contradições internas europeias persistem e precisam ser enfrentadas. É preciso encarar o Acordo UE–Mercosul como uma estratégia econômica continental e, ao mesmo tempo, superar visões distorcidas sobre a agricultura sul-americana.
Em nível europeu, o Acordo UE-Mercosul é estratégico
Na prática, o Acordo UE-Mercosul dá à UE uma ferramenta estratégica contra vulnerabilidades com os EUA. Também ajuda a contrabalançar a crescente influência da China no comércio europeu. Por isso, Alemanha, Espanha e países nórdicos apoiam firmemente sua adoção.
Com a política externa dos EUA cada vez mais volátil e unilateral, a UE precisa diversificar suas alianças. Fortalecer os laços com o Mercosul aumenta a autonomia geoeconômica da Europa. Isto reduz a dependência e os constrangimentos de Washington (e, também, de Pequim), ampliando seu peso em negociações multilaterais.
Agricultores em protesto, mas baseados em “premissas equivocadas”
Agricultores da UE rejeitam o acordo com o Mercosul por temerem concorrência desleal. Apontam o risco de entrada de produtos sul-americanos mais baratos, como carne, frango, açúcar e soja. Alegam que esses itens seguem padrões ambientais e sanitários menos rigorosos, prejudicando a produção europeia.
No entanto, esses protestos se baseiam em premissas distorcidas sobre a relação entre a agricultura europeia e a sul-americana. O caso da carne bovina é emblemático e ilustra uma dinâmica que se repete em outros produtos.
O Acordo UE-Mercosul já prevê cotas restritas para produtos sensíveis, como a carne bovina sul-americana, afastando a ideia de abertura irrestrita. Em 2024, a bovinocultura representou cerca de 7% do total da produção agrícola da UE. Mesmo sem novas salvaguardas, o acordo já limita as importações a 99 mil toneladas, ou 1,5% da produção europeia.
O segundo equívoco é afirmar que os produtos sul-americanos não cumprem padrões sanitários e ambientais rigorosos. No caso da carne bovina, os principais exportadores do Mercosul atendem às exigências europeias de sanidade e rastreabilidade desde os anos 1990, após a crise da “vaca louca”.
Além disso, o novo regulamento europeu sobre desmatamento, previsto para 2026 (com possível adiamento para 2027), imporá controles mais rígidos aos exportadores. Essas exigências afetarão especialmente o setor bovino.
Por fim, a agricultura europeia e a sul-americana atuam em segmentos distintos do mercado agroalimentar. O Mercosul produz commodities em larga escala, como carne bovina congelada, enquanto a UE comercializa produtos agro industrializados de alto valor agregado, com denominação de origem, como vinhos e queijos.
Na prática, o consumidor que compra um vinho Bordeaux ou um Roquefort francês não demanda carne congelada da Argentina ou Brasil. São nichos agrícolas distintos e, muitas vezes, complementares dentro da cadeia agroalimentar global.
Entre os tratores em Bruxelas e a persistência de “mitos” comerciais, a UE precisa mostrar que rejeitar o acordo com o Mercosul enfraquece o próprio futuro da Europa.
