Em dezembro de 2024, os Estados Unidos confirmaram o primeiro caso grave de infecção humana pelo vírus H5N1 — um homem de 65 anos da Louisiana, com comorbidades, hospitalizado após contato com um animal doméstico infectado. Desde então, o país contabilizou 61 infecções humanas ligadas ao surto em rebanhos bovinos, a maioria entre trabalhadores rurais. A Califórnia, estado mais afetado pela transmissão entre vacas leiteiras, declarou estado de emergência no fim do ano após registrar 34 desses casos humanos e mais de 600 rebanhos contaminados.
Além dos Estados Unidos, o Canadá notificou um adolescente internado com H5N1 sem exposição conhecida a animais — o que levantou preocupação entre especialistas sobre possíveis transmissões silenciosas. No Camboja, a Organização Mundial da Saúde confirmou múltiplos óbitos, inclusive em crianças, após contato com aves domésticas doentes. Esses episódios internacionais evidenciam o potencial do vírus de circular entre mamíferos e sua capacidade, ainda não concretizada, de adaptação à transmissão sustentada entre humanos.
Diante desse contexto internacional, a chegada da gripe aviária ao Brasil, com a confirmação de casos do vírus H5N1 em aves e mamíferos, exige mais do que atenção das autoridades sanitárias. Exige prontidão técnica, comunicação clara e mobilização coordenada entre setores. Não se trata de gerar alarme, mas de reconhecer a importância de agir antes que o risco se torne real para a saúde humana.
Respostas mais rápidas
O Brasil reúne características que demandam vigilância constante: uma das maiores biodiversidades do mundo, protagonismo na produção de proteína animal e uma população extensa, com grandes centros urbanos e áreas rurais próximas. Essa combinação é fértil não apenas para o desenvolvimento econômico, mas também para o surgimento e circulação de agentes infecciosos. Diante disso, a vigilância integrada — que conecta saúde animal, saúde humana e meio ambiente — precisa ser mais do que um ideal técnico – precisa ser uma política de Estado.
A ciência já conhece o H5N1 e monitora há anos sua evolução. O que preocupa na atual fase é o avanço do vírus em mamíferos, inclusive marinhos, o que pode facilitar adaptações genéticas com potencial pandêmico. Isso ainda não aconteceu — e esse é justamente o melhor momento para agir.
A experiência acumulada durante a pandemia de COVID-19 mostrou que o tempo entre a detecção de um risco e a resposta institucional é decisivo. Quando essa resposta é tardia, os custos humanitários, sociais e econômicos se multiplicam. Agora, temos a oportunidade de aplicar as lições aprendidas. Ou seja, investir de forma sustentada na vigilância genômica, reforçar redes laboratoriais, garantir transparência na comunicação de riscos e integrar os esforços de pesquisa e desenvolvimento a soluções práticas, como vacinas e diagnósticos acessíveis.
Preparar-se não significa prever com exatidão o que virá, mas construir capacidade real de resposta diante de ameaças sanitárias complexas. Isso envolve formação de equipes técnicas, planejamento de cenários, fortalecimento da infraestrutura laboratorial e confiança entre instituições. A gripe aviária não será a última ameaça. Mas pode ser o próximo teste da nossa capacidade de agir com previsibilidade, ciência e responsabilidade.
Sem dúvida, aprendemos muito com a pandemia. Certamente estamos melhor preparados, mas não estamos bem preparados para enfrentar outro desafio epidêmico. O mundo sabe o que precisa fazer para evitar outra calamidade, mas não está fazendo a lição, com raras exceções, na velocidade necessária.