Nos últimos anos, o Brasil testemunhou o trágico colapso de diversas pontes em estados como Pará, Amazonas e Tocantins. Os desabamentos causaram mortes, isolaram populações e escancararam a vulnerabilidade da infraestrutura rodoviária nacional. Esses episódios evidenciam a urgência de soluções mais eficientes para a gestão e manutenção desses ativos.
O transporte rodoviário é a espinha dorsal da logística no Brasil. Segundo a Confederação Nacional do Transporte, mais de 60% de toda a carga transportada no país circula por rodovias. Essa dependência exige que a malha viária esteja em boas condições, já que a sua falha impacta diretamente o escoamento da produção, o abastecimento das cidades e a mobilidade urbana e regional.
Nesse contexto, pontes e viadutos são peças-chave na garantia da mobilidade. Elas conectam regiões, vencem obstáculos naturais e integram áreas urbanas. No entanto, cerca de 70% dessas estruturas foram construídas há mais de 40 anos, como revela um estudo realizado de pesquisadores da Universidade Estadual de Maringá, com base nos dados do Sistema de Gerenciamento de Obras de Arte Especiais do DNIT.
Considerando que a vida útil projetada de uma ponte, conforme a norma brasileira ABNT NBR 6118, é de 50 anos, muitas dessas infraestruturas estão próximas ou já ultrapassaram esse limite. Portanto, inspeções periódicas são necessárias, mas nem sempre precisas o suficiente. O desafio é garantir a segurança sem comprometer os orçamentos públicos.
Um novo modelo de monitoramento
Nossa pesquisa, desenvolvida no Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da PUC-Rio, propõe uma nova abordagem para enfrentar esse desafio. Utilizamos modelos numéricos, Inteligência Artificial (IA) e ferramentas de Modelagem da Informação da Construção (BIM) para criar um fluxo de trabalho capaz de diagnosticar precocemente danos estruturais.
Ao invés de depender apenas de inspeções visuais, o método recorre a testes de vibração e simulações para prever com precisão o comportamento da estrutura danificada e embasar decisões de manutenção.
O processo começa com a realização de testes de vibração em campo. A partir de dados como frequências naturais e formas de vibração, é construído um modelo numérico da ponte, ajustado para representar seu comportamento real. Em seguida, esse modelo é usado para simular diferentes cenários de dano, gerando uma robusta base de dados, usada para treinar redes neurais artificiais.
Tecnologias complementares garantem maior precisão
O diferencial do nosso método está na integração entre tecnologias. As redes neurais treinadas com os dados simulados conseguem identificar a localização e a severidade dos danos com mais de 90% de acurácia.
Esses dados são integrados a um modelo digital tridimensional da estrutura criado em ambiente BIM. O resultado é um modelo inteligente, pois reflete a condição atualizada da ponte, incorporando dados históricos, laudos de inspeção, intervenções anteriores e os resultados das análises com IA.
O papel da IA é central no processo. As redes neurais foram treinadas para reconhecer padrões de dano. Isso reduz o peso da exclusividade das inspeções convencionais e permite uma análise baseada em dados, pois acrescenta uma camada adicional de informação.
Esse modelo digital funciona como um repositório dinâmico de informações sobre o ativo. Nele são armazenados dados de projeto, inspeções, intervenções anteriores e diagnósticos automatizados. Isso facilita a tomada de decisão pelos gestores, que passam a contar com uma plataforma integrada e interativa para planejar manutenções de forma preditiva em vez de reativa.
Resultados em campo e próximos desafios
Testamos esse método no Viaduto Rio Claro, na rodovia SP-340. A análise combinada de dados coletados em 2014 e 2024 indicou que a estrutura se manteve íntegra ao longo da última década – como de fato ocorreu.
Acreditamos que esse trabalho contribuiu com avanços importantes ao demonstrar que métodos baseados em dados podem complementar as inspeções visuais de pontes e viadutos. Essa abordagem permite uma avaliação mais objetiva e confiável da condição estrutural, ajudando a estender a vida útil dessas infraestruturas.
Apesar dos avanços, ainda restam desafios consideráveis a serem transpostos. O primeiro diz respeito à capacitação técnica: é necessário formar profissionais capazes de operar esses sistemas de monitoramento, interpretar resultados e integrar os dados de diferentes fontes.
O estudo demonstra que métodos baseados em dados podem complementar as inspeções visuais, permitindo avaliações mais objetivas e confiáveis da condição estrutural e ajudando a estender a vida útil dessas infraestruturas. Além disso, é preciso avaliar a viabilidade dos custos e do planejamento para implantação desses sistemas no contexto das políticas públicas.
Por fim, acreditamos que a digitalização da infraestrutura não deve ser vista como um luxo tecnológico, mas como um investimento estratégico. O uso de gêmeos digitais e IA tem potencial para transformar a forma como cuidamos de pontes e viadutos no Brasil. Com ferramentas inteligentes e uma base sólida de dados, podemos garantir estruturas mais seguras, eficientes e operacionais por mais tempo, prevenindo tragédias antes que elas aconteçam.