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Sistema internacional que revolucionou as unidades de medida completa 150 anos de existência

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Sistema internacional que revolucionou as unidades de medida completa 150 anos de existência

No dia 20 de maio de 1875, em Paris, um marco histórico transformou os rumos da ciência e da tecnologia no mundo: a assinatura da Convenção do Metro. O acordo reuniu 17 países, entre eles o Brasil, com o objetivo de estabelecer um sistema internacional de unidades de medida baseado no metro como unidade fundamental de comprimento. Mais do que uma padronização técnica, a Convenção representou um passo ousado rumo à cooperação científica global, superando barreiras linguísticas, políticas e culturais. Hoje celebrando 150 anos, o tratado da Convenção do Metro reúne 67 países membros e outros 37 países associados.

Pode parecer trivial, mas à época foi uma iniciativa revolucionária. Antes disso, cada país ou região adotava unidades de medida próprias, muitas delas baseadas no corpo humano. O “cúbito”, por exemplo, media a distância do cotovelo à ponta do dedo médio — mas variava de pessoa para pessoa. Na Antiguidade, os egípcios criaram então o “cúbito real” de granito, um padrão primário da unidade de medida baseado na dimensão do cúbito do Faraó, que foi utilizado como referência para os demais padrões egípcios feitos em madeira.

O cúbito media a distância do cotovelo à ponta do dedo médio. Fonte: Wikimedia.

Vara cúbita egípcia no Museu Mundial de Liverpool. Fonte: Wikimedia., CC BY

A unidade “pé” também oscilava: na Grécia antiga, media cerca de 30 cm; no Império Romano, 29,6 cm; e só séculos depois se fixou em 30,48 cm no padrão inglês. Já a “polegada” fora, em alguns lugares, a largura de um polegar. No século XIV, o rei Eduardo II da Inglaterra tentou padronizá-la como o comprimento de três grãos de cevada secos colocados lado a lado, o que não ajudou muito, já que o tamanho desse grão também é variável.

Um sistema revolucionário

Até que, como parte da Revolução Francesa, foi criado o sistema métrico decimal (1 metro = 100 centímetros), pensado para facilitar cálculos, simbolizando racionalidade e rompimento com as tradições feudais. A ideia era criar um sistema de unidades adequado para uso internacional, baseado numa constante natural. Assim, cientistas da Academia Francesa de Ciências decidiram utilizar as dimensões do planeta Terra como referência. Usando métodos de triangulação, estimaram o comprimento total do quadrante do meridiano que passa por Paris — ou seja, a distância do Equador ao Polo Norte. Essa distância foi então dividida por 10 milhões, e o resultado passou a ser o comprimento oficial de 1 metro.

Como resultado das medições, em 1799 foram criados dois padrões de platina para definição do metro e do quilograma, guardados nos Arquivos da República, em Paris. Essa pode ser considerada como a primeira etapa que conduziu ao Sistema Internacional de Unidades atual (SI). Pela primeira vez, um conjunto de unidades buscava ser padronizado e baseado em princípios científicos.

O Brasil adotou o sistema métrico decimal em 1862, mas muitas nações resistiram à adoção por motivos políticos ou culturais, e só no século XIX a urgência da padronização se impôs. As descobertas científicas aceleravam, o comércio global prosperava e os projetos industriais cresciam em escala e complexidade. As unidades caóticas não eram apenas ineficientes, eram uma barreira ao progresso, uma pressão sobre as economias e uma fonte crescente de frustração para o mundo científico, que exige reprodutibilidade e comparabilidade de resultados.

Na busca pela uniformidade das medições em todo o planeta com o estabelecimento de um sistema prático de unidades de medida efetivamente internacional, foi criada uma Comissão do Metro, para a qual foram convidados representantes da comunidade científica de muitos países, dentre eles o Brasil. Em 1875, durante a Conferência Diplomática do Metro foi, então, assinada a Convenção do Metro, o tratado que agora completa 150 anos.

Com o tempo, cada vez mais países se uniram à Convenção, motivados pela necessidade de integrar cadeias produtivas e científicas. Gana, por exemplo, adotou o sistema métrico em 1967 para alinhar suas exportações aos padrões europeus. O Japão aderiu oficialmente em 1952, como parte de sua estratégia de competição tecnológica. A União Soviética ingressou em 1955, em plena Guerra Fria, buscando padronizar suas medições com o Ocidente, no contexto da corrida científica e industrial do pós-guerra. Em 2025, os signatários da Convenção abrangem 104 países, dentre membros e associados.

Quando a falta de padrão custa caro

Apesar do SI ser o mais adotado mundialmente, ainda existem impasses. Países como o Reino Unido e os EUA resistiram a adotá-lo. O sistema imperial britânico, formalizado em 1824, inclui unidades como: polegada (inch), pé (foot), jarda (yard), milha (mile) para comprimento; galão (gallon), quart, pint para volume e graus Fahrenheit (°F) para temperatura; onça (ounce), libra (pound) e tonelada (ton) para massa – sendo que 1 ton no sistema imperial é igual a 1016 quilogramas (1016 kg) no SI, ou 1,016 tonelada (1 t, designada como “tonelada métrica” nos países de língua inglesa).

Padrões imperiais de comprimento gravados em 1876 na Trafalgar Square, Londres. Fonte: Wikimedia.

Porém, as unidades do sistema imperial não têm uma relação decimal entre si, o que dificulta cálculos e conversões. Por exemplo, 12 polegadas = 1 pé; 3 pés = 1 jarda; 1 milha = 1760 jardas. Então, o Reino Unido iniciou uma adoção parcial ao sistema métrico nos anos 1960, mas mantém usos tradicionais, como milhas nas estradas e “pints” nos pubs. Já os EUA nunca adotaram oficialmente o SI, embora o utilizem amplamente em ciência, medicina e comércio internacional.

Essa dualidade já causou problemas sérios. Em 1983, um avião da Air Canada ficou sem combustível devido à conversão incorreta entre unidades de massa, libras e quilogramas. Em 1999, a NASA perdeu uma sonda de US$ 327 milhões por erro na conversão de unidades de empuxo. Em 2000, no Panamá, erros na conversão de doses de radioterapia entre grays (SI) e rads (não-SI) causaram a morte de pelo menos oito pacientes. Casos como esses reforçam a importância da metrologia como garantia da segurança, eficiência e comparabilidade dos resultados de medição.

A sonda Mars Climate Orbiter, da empresa Lockheed Martin, custou US$ 125 milhões e se desintegrou na atmosfera de Marte em 1999, depois que recebeu uma informação no Sistema Métrico Decimal para realizar uma tarefa que exigia valores em unidades britânicas. Reprodução/NASA

Uma padronização que evolui

A Convenção do Metro criou o Bureau Internacional de Pesos e Medidas (BIPM), uma organização internacional e imparcial para coordenar o sistema de unidades mundial. Sediada em Sèvres, na França, ela tem a missão de conservar os padrões de medição primários, garantindo sua constante evolução, e fornecer a rastreabilidade metrológica dos resultados de medição à definição das unidades no SI, possibilitando a comparabilidade dos resultados no âmbito global.

Inicialmente, as unidades de base do sistema métrico eram: metro (m) para comprimento; segundo (s) para tempo e quilograma (kg) para massa — Na verdade, de acordo com as normas internacionais de metrologia, a maneira correta de escrever seria kilograma, kilometro e centimetro, com “k” e sem acento, mas aqui precisamos seguir a grafia indicada no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP).

Mais tarde, foram acrescentadas ainda ampere (A) para corrente elétrica; kelvin (K) para temperatura termodinâmica; mol (mol) para quantidade de matéria e candela (cd) para intensidade luminosa, criando as sete unidades de base do Sistema Internacional de Unidades (SI).

Unidades de base do SI (anel externo) e constantes (anel interno). Fonte: Wikimedia.

Uma mudança emblemática é a do quilograma. Desde 1889, ele era representado por um cilindro metálico (IPK) guardado em Paris. Com o tempo, percebeu-se que ele sofria pequenas variações de massa, o que comprometia a confiabilidade da definição da unidade. Então, após um grande esforço científico que uniu o BIPM e Institutos de Nacionais de Metrologia de todo o planeta, o valor fixo da constante de Planck da física quântica foi estabelecido em 2018 e, em 20 de maio de 2019, o quilograma passou a ser definido com base nesta constante. Assim, pode ser obtido por meio de instrumentos como a balança de Kibble, tendo por base constantes fundamentais da natureza e não mais a massa de um artefato material, o IPK.

O Protótipo Internacional do quilograma (IPK), armazenado em um cofre em Paris, foi substituído em 2019 por uma definição baseada na constante de Planck. Fonte: Wikimedia.

Balança de Kibble, usada para realizar o padrão do quilograma a partir da constante de Planck. Fonte: Wikimedia, CC BY

A definição de outras unidades de base também evoluiu, passando a se basear em constantes fundamentais da natureza — como o kelvin (constante de Boltzmann), o ampere (carga elementar) e o mol (constante de Avogadro). Isso marcou a transição definitiva para um sistema baseado não em objetos, mas nas leis imutáveis da natureza, uma mudança não apenas simbólica, mas necessária. Essa precisão é essencial e causa impactos diretos em áreas como física quântica, nanotecnologia, farmacologia e engenharia de materiais.

Do metro à Metrologia no Brasil

A Convenção do Metro também foi um marco crucial para a consolidação de nossa área de pesquisa, a Metrologia. Muitas vezes confundida com previsão do tempo (meteorologia), a Metrologia é, na verdade, a ciência da medição e suas aplicações. Costumamos dizer que Metrologia é tudo — e tudo pode ser visto sob a ótica metrológica. Isso porque ela tem aplicações em praticamente todas as áreas do conhecimento, desde as engenharias à medicina, da nanotecnologia às ciências humanas.

Podemos, por exemplo, aplicar conceitos metrológicos na avaliação do impacto de uma reportagem ou de um artigo como este aqui. Metrologia não se limita a obter valores numéricos; busca compreender as fontes de incerteza e possíveis erros associados às medições, além de desenvolver instrumentos e métodos de medição, e referências materializadas que assegurem a exatidão dos resultados das medições e sua comparabilidade em qualquer campo do conhecimento, em qualquer local e em qualquer momento em que se meça algo.

No Brasil, o fortalecimento da metrologia foi impulsionado pela criação da Sociedade Brasileira de Metrologia (SBM), que em 2025 completa 30 anos. Foi nesse contexto que surgiu, em 1996, o Programa de Pós-Graduação em Metrologia (PósMQI) da PUC-Rio, onde atualmente atuamos. Ambas as iniciativas, SBM e PósMQI, foram implementadas por meio dos esforços de outro membro do corpo docente da PUC-Rio, o professor emérito Mauricio Nogueira Frota. Nosso trabalho envolve desde a análise e interpretação de sistemas de medição até o desenvolvimento de novas metodologias e instrumentação, com aplicações que vão das ciências básicas à avaliação de políticas públicas, serviços e tecnologias emergentes.

A celebração dos 150 anos da Convenção do Metro nos lembra que a ciência não avança apenas por meio de grandes descobertas, mas também por meio de acordos fundamentais — como decidir, em conjunto, o que significa um metro, e a partir deste expandir para um sistema que defina todas as unidades harmonicamente utilizadas por todos os países. Mesmo um século e meio depois, essa ideia continua sendo uma das maiores conquistas coletivas da Humanidade, que, conforme afirmação de Max Planck, em 1900, “com a ajuda de constantes fundamentais, temos a possibilidade de estabelecer unidades (…) que necessariamente mantêm sua validade para todas as épocas e culturas, mesmo extraterrestres e não humanas”.

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