A ferrugem do cafeeiro, causada pelo fungo Hemileia vastatrix, é a principal doença que compromete a produtividade das lavouras de café. Em surtos severos, estima-se que seja capaz de reduzir a produção em mais de 50%, segundo dados da Universidade Federal do Espírito Santo. No Brasil, maior produtor e exportador de café do mundo, a ameaça não é apenas econômica, mas também cultural e social, já que a bebida faz parte do cotidiano e da identidade do país.
Porém, os fungicidas tradicionalmente usados contra essa praga têm desvantagens significativas. Os sistêmicos, como triazóis e estrobilurina, podem perder eficácia à medida que o fungo desenvolve resistência. Isso exige aplicações mais frequentes ou em doses maiores, aumentando os custos e os riscos ambientais.
Já os que são à base de cobre, embora eficientes, acumulam cobre no solo e na água, causando impactos ambientais significativos. A União Europeia, por exemplo, limita o uso do metal a 28 quilos por hectare em sete anos.
A pressão sobre os produtores é grande, tanto pela necessidade de manter alta produtividade, mas também pelas crescentes exigências de consumidores e mercados internacionais por práticas agrícolas menos agressivas ao meio ambiente. Neste cenário, torna-se urgente adotar métodos de controle mais eficazes e sustentáveis.
Novas formulações nanotecnológicas
A nanotecnologia – manipulação de materiais em escala nanométrica (um bilionésimo do metro) – tem ganhado espaço no desenvolvimento de insumos agrícolas mais eficientes. Nanopartículas podem funcionar como “carreadores” de ingredientes ativos, aumentando sua estabilidade e permitindo uma liberação gradual e controlada. Isso significa que pequenas doses podem ter efeitos prolongados, reduzindo perdas e evitando impactos em organismos não alvo.
Em nosso laboratório, na Universidade Estadual de Londrina, conduzimos um estudo que demonstrou um grande efeito antifúngico de nanopartículas poliméricas de quitosana – um polissacarídeo sintetizado a partir da quitina presente nas carapaças de crustáceos – carregados com íons de cobre.
No entanto, essa formulação apresenta algumas limitações, como a demanda de uma quantidade elevada, o que aumenta o custo e torna a tecnologia inviável para os produtores.
Como solução, estamos aplicando nanopartículas metálicas de óxido de cobre obtidas via “síntese verde”, que substituem reagentes químicos tóxicos por extratos vegetais, óleos essenciais ou microrganismos. Esses agentes atuam tanto na redução dos íons metálicos quanto na estabilização das nanopartículas, tornando o processo mais limpo e seguro.
No caso do nosso estudo, utilizamos o extrato de chá verde (Camellia sinensis), rico em compostos fenólicos e antioxidantes, como as catequinas. Além de favorecer a formação de nanopartículas de cobre estáveis, esses compostos têm efeito protetor contra danos causados por estresses bióticos e abióticos.
Pesquisas anteriores já mostraram que nanopartículas de cobre obtidas a partir de chá verde podem atuar como nanofertilizante, aumentando o crescimento e o teor de nutrientes em plantas como a alface. Decidimos investigar, então, se essa abordagem poderia ser aplicada ao café, com foco no feito fungicida desse nanossistema, especialmente na proteção contra a ferrugem, consolidando-o como uma promissora alternativa de nanofungicida para o cultivo de café.
Como foi feito o estudo
As nanopartículas metálicas de óxido de cobre foram sintetizadas pela equipe da professora Amedea Barozzi Seabra, na Universidade Federal do ABC, seguindo os princípios da síntese verde.
Os testes foram conduzidos em plantas de Coffea arabica, infectadas com esporos de H. vastatrix coletados em lavouras do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná. Avaliamos quatro concentrações das nanopartículas à base de chá verde, comparadas a doses equivalentes de um fungicida comercial à base de oxicloreto de cobre e a um controle apenas com água.
Durante 55 dias, monitoramos a incidência da ferrugem e parâmetros fisiológicos das plantas, como atividade fotossintética e teores de pigmentos (clorofilas e carotenoides).
Principais resultados
Os resultados são promissores. A concentração mais baixa de nanopartículas (28 mg/mL) reduziu em até 96% a incidência da ferrugem. Esse desempenho é comparável ao do produto comercial em doses muito mais altas (140 e 175 mg/mL). Isso sugere uma eficiência superior do cobre nanoparticulado obtido via chá verde.
Além disso, observamos que as plantas tratadas apresentaram melhora na fisiologia: aumento de 58% no teor de clorofila total e de 64% nos carotenoides, substâncias essenciais para a fotossíntese e para a defesa contra o estresse. Essa dupla ação representa um diferencial importante em relação a métodos tradicionais, que muitas vezes se restringem ao efeito fungicida, sem benefícios adicionais.
Esses dados apontam para uma alternativa sustentável com grande potencial para o manejo da ferrugem. A possibilidade de reduzir a quantidade de cobre aplicado no campo é especialmente relevante para sistemas de produção orgânica, nos quais há limites rigorosos para o uso desse metal.
Do ponto de vista ambiental, a síntese verde agrega ainda mais benefícios, já que elimina resíduos tóxicos durante a fabricação. Para os produtores, a maior eficiência das nanopartículas pode representar redução de custos e menor necessidade de aplicações frequentes.
Desafios pela frente
Vale destacar que, embora os resultados sejam promissores, ainda há etapas importantes a serem cumpridas antes de disponibilizar essa tecnologia em larga escala.
É preciso avaliar a eficácia em condições reais de cultivo, em diferentes regiões produtoras; investigar possíveis efeitos de longo prazo no ecossistema; estudar a viabilidade econômica para agricultores de diferentes portes; assim como definir a dose mínima eficaz, buscando equilibrar custo, desempenho e segurança. Esses passos são fundamentais para garantir que a inovação seja não apenas eficaz em laboratório, mas também prática e acessível no campo.
Ainda assim, os dados já indicam que caminhamos para um futuro em que produtores poderão contar com ferramentas mais sustentáveis e eficientes para lidar com a ferrugem. Isso reduzirá a dependência de fungicidas convencionais e ampliará a resiliência da cafeicultura frente às mudanças climáticas e às pressões do mercado.
O uso da nanotecnologia em sistemas agrícolas ainda é relativamente recente, mas tem demonstrado grande potencial. Esse estudo integra um conjunto mais amplo de pesquisas conduzidas no âmbito do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Nanotecnologia para Agricultura Sustentável (INCT NanoAgro), voltadas à aplicação da nanotecnologia em diferentes culturas agrícolas. A proposta do INCT é desenvolver soluções inovadoras que contribuam para uma agricultura mais sustentável, eficiente e alinhada às necessidades da sociedade contemporânea.
O uso de nanopartículas de síntese verde representa uma mudança importante no modo como pensamos a proteção das plantas. Em vez de simplesmente combater o patógeno, a tecnologia atua também no fortalecimento da cultura e os processos de produção tornam-se mais seguros e menos poluentes. Assim, buscamos abrir caminho para um manejo do café mais eficiente, econômico e ambientalmente responsável.