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Tarifaço para o Brasil, que começa hoje, reforça o ‘Gangster Style’ da política externa de Trump

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Tarifaço para o Brasil, que começa hoje, reforça o ‘Gangster Style’ da política externa de Trump

A partir de hoje, dia 6 de agosto, a maior potência econômica e militar do planeta começa a oferecer também ao Brasil sua nova política comercial que mistura unilateralismo, protecionismo, um certo exibicionismo, aparente valentia e pitadas de improviso. Uma atitude que pode bem ser chamada de Gangster Style, isto é, um “estilo mafioso”, em que tarifas comerciais elevadas vêm sendo impostas de forma truculenta e pouco transparente pelos Estados Unidos aos seus parceiros comerciais no mundo todo. E que agora afeta quase a metade de todos os produtos exportados pelo Brasil para os EUA com uma alíquota de 50%, aplicada por razões que mais parecem ser de origem política e ideológica do que propriamente econômica.

Mas essa nova onda de protecionismo na política externa norte-americana, além de não ser exatamente uma novidade, parece ter alguns objetivos de fôlego curto: reduzir déficits comerciais; trazer de volta as indústrias para os Estados Unidos; aumentar o nível de emprego, principalmente dos trabalhadores do “baixo clero”, e gerar recursos para cumprir a promessa de campanha de redução de impostos.

Que o livre comércio na política externa dos EUA não passa de uma falácia, sempre soubemos. Mas são novidades o tarifaço generalizado sobre o mundo, as bravatas pouco críveis como a ameaça de anexação do Canadá e posse da Groenlândia, e a utilização totalmente fora de seus propósitos originais de leis pesadas como a Magnitsky, criada para reprimir atos de corrupção, atentados contra a democracia e liberdades fundamentais. Tanto pela abrangência e falta de critérios claros, como pelo protagonismo do Presidente da República em algo que, historicamente, é delegado a outras instâncias, e com a liderança do Congresso, não do poder Executivo.

Showcase brasileiro

Tal comportamento faz lembrar o papel dos Maras (gangues disseminadas pela América Central) ou mesmo das milícias brasileiras, que usam a ameaça da violência para garantir suas próprias leis e ordens em troca de extorsão de recursos.

No caso específico do Brasil, que se tornou uma espécie de showcase para o restante da América Latina, com tarifas que impedem qualquer lampejo de competitividade para alguns setores exportadores nacionais, a estratégia lembra a do valentão da escola fundamental que vive tomando o lanche dos mais frágeis e se gabando de suas atitudes viris. No entanto, utilizando uma metáfora já esgrimida pelo presidente brasileiro, em outra ocasião, isso pode levar à “revolta dos bagrinhos”.

Num primeiro momento, o Brasil acusou o golpe, fez contas e tentou negociar. No entanto, quando da emissão do decreto, polêmicas e sobressaltos vieram à tona. De cara, cerca de 700 produtos ficaram de fora, de modo a evitar problemas no próprio mercado norte-americano. A surpresa ficou por conta da manutenção do café, vez que o Brasil responde por 34% das compras dos Estados Unidos. Parece, ao menos por enquanto, que essa lista de exceções é algo em aberto, a depender de articulações entre setores empresariais e eventuais reclamações mais assertivas de setores atingidos, na economia norte-americana.

No entanto, algo chamou atenção na postura brasileira. Ao não contestar na mesma moeda, de imediato, simplesmente aplicando uma lista de retaliações, o país procurou e vem procurando instâncias de negociação, ao mesmo tempo em que indica, para o mundo, a busca por uma espécie de paciência estratégica. Valentões, em geral, precisam de público e do medo de suas potenciais vítimas.

O que o Brasil tem procurado demonstrar é que a simples vitimização não leva a lugar algum, bem como busca sensibilizar o público de que a valentia tem limites. Os grandes tratados de relações internacionais sempre enfatizaram o curtíssimo prazo das estratégias que se fiam basicamente no poder bruto (hard power). Além disso, a investida do governo dos EUA contra membros do Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro e o condicionamento do relaxamento das medidas “protetivas” a mudanças de postura da suprema corte do país atentam contra o próprio sistema de freios e contrapesos que caracteriza a democracia liberal e que por muito tempo foi a marca do sistema democrático norte-americano.

Bravatas não promovem desevolvimento. Em outros momentos, no governo anterior de Trump, eu me referi às suas estratégias para o mundo como o “caos diplomático”. Suas idas e vindas, bravatas e aura nefelibata às vezes passam a impressão de que ele dita a política externa do país como em um reality show. No entanto, não nos esqueçamos de que, historicamente, o Congresso e o Judiciário colocam freios nessas veleidades ultrapresidenciais americanas. O problema, no curto prazo, é que Trump tem maioria no Congresso e mesmo uma certa simpatia da Suprema Corte, mas, se Maquiavel estiver correto, o vulgo julga pelos resultados e é aí que creio estar o calcanhar de Aquiles da estratégia “Gangster Style.”

Rompimento da ordem liberal internacional

No curto prazo, é muito provável que apareçam alguns resultados interessantes para o Tesouro americano e para a própria economia, mas é também bastante possível que essas notícias alvissareiras desapareçam em médio e longo prazos. Se a demanda da população por certos produtos não for atendida, se os preços aumentarem e, por conseguinte, a inflação e se os empregos não forem gerados, não haverá a “América Grande de Novo”.

O rompimento da ordem liberal internacional protagonizado por Trump e companhia, muito bem exemplificado pelo ataque sem precedentes a países como o Brasil e muitos outros, dificilmente dará certo se não for acompanhado de uma estratégia de maior fôlego para uma nova ordem global. Isso não parece estar no radar do governo dos EUA, no momento.

Ao Brasil cabe a reação de um misto de indignação com serenidade e a demonstração, o tempo todo, do desejo de negociar sem necessariamente se dobrar. Sabemos que os ventos da globalização já sopram no sentido contrário, mas não nos cabe adotar a estratégia do “bloco do eu sozinho”.

Contra estratégias de valentia explícita e crua, sempre foram fundamentais a calma e a persistência em demonstrar que outras estratégias podem ser possíveis e bem sucedidas. O pensamento de curto prazo não gera indústrias, empregos nem bons resultados. O tempo sempre tende a dar razão a quem respeita seus ditames.

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