“É a economia, estúpido”. A frase clássica de James Carville, marqueteiro da campanha presidencial do democrata Bill Clinton à Casa Branca em 1992, cai como uma luva para descrever como as decisões eram tomadas durante a globalização por eleitores e políticos. De fato, Clinton derrotou o então presidente republicano George H. W. Bush, que buscava a reeleição em meio a uma recessão econômica e se demonstrava insensível às demandas do americano médio.
No entanto, desde a ascensão do populismo em 2016, com o Brexit e a primeira eleição de Donald Trump, questões não econômicas, como batalhas em torno de noções conflitantes de identidade nacional e social, têm moldado cada vez mais a formulação de políticas. Em vez de enterrar a chamada política identitária, as guerras culturais empreendidas por populistas de direita trazem em si uma defesa de um nacionalismo fundamentado na branquitude e na defesa da cristandade.
Parafraseando Carville, “é a identidade, estúpido” que impacta decisões que, em tese, estariam protegidas pelo manto da racionalidade econômica. Um exemplo recente é a imposição de uma tarifa comercial de 50% ao Brasil pelos EUA em resposta ao julgamento e à provável condenação do ex-presidente e aliado de Trump, Jair Bolsonaro (PL), pela tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023, após ter perdido sua reeleição para o político de centro-esquerda Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A medida deve aumentar o custo do café e do suco de laranja nos EUA.
Um movimento transnacional
Assim como o movimento Make America Great Again (MAGA), a coalizão de Bolsonaro conta com o apoio de evangélicos cristãos, católicos conservadores e brancos incomodados com o suposto favorecimento de minorias por meio de políticas públicas como ações afirmativas durante os anos dourados da globalização.
No caso do Brasil, esse período se sobrepõe aos anos iniciais do processo de redemocratização pós-Ditadura Militar, encerrada em 1985, e após a promulgação da Constituição de 1988. Detalho esses fatos no livro Shaping Nations and Markets: Identity Capital, Trade, and the Populist Rage (Routledge, 2024), em que comparo o trumpismo e o bolsonarismo com outros movimentos populistas ao redor do mundo.
A afinidade entre Trump e Bolsonaro e os movimentos que cada um lidera é o que em última instância permitiu que o supremacista branco Steve Bannon influenciasse a decisão de taxar o Brasil em 50%. Para seguir bem sucedido, o movimento MAGA depende de aliados internacionais. Do lado brasileiro, bolsonaristas veem o tarifaço como algo que não viola seus pendores nacionalistas. Nessa narrativa, Trump seria o líder de uma grande nação branca-cristã que ultrapassa fronteiras e, portanto, suas ações não violariam a soberania brasileira. Pelo contrário, seria o início do resgate de um “verdadeiro Brasil”, hoje nas mãos de supostos comunistas e globalistas que violariam a essência da nação.
Do lado americano, as teorias econômicas por si só não explicam totalmente o uso persistente de ferramentas tradicionais de política comercial e industrial, tal como também explico em Shaping Nations and Markets. A lógica MAGA reflete uma preferência por políticas que lembram a década de 1950, quando os EUA eram um dos principais fabricantes globais e a dinâmica demográfica era diferente, incluindo segregação oficial e privação de direitos eleitorais de não-brancos nos Estados do Sul.
Identitarismo branco-cristão
O aumento do apoio ao Partido Republicano em 2024 entre eleitores latinos e negros levou à especulação de que Trump poderia migrar para posições centristas. No entanto, as decisões de Trump continuaram alinhadas à sua base MAGA. De fato, o engajamento com as Big Techs e Wall Street não resultou em grandes mudanças em suas estratégias econômicas. Por exemplo, ainda que o tarifaço contra o Brasil também reflita o descontentamento da Casa Branca contra o ímpeto brasilleiro por regular e taxar serviços de redes sociais, o objetivo final é manter viva a revolução bolsonarista no Brasil e, portanto, a força internacional do movimento MAGA.
Nesse cenário, mesmo que Bolsonaro seja condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), os bolsonaristas tendem a manter influência significativa sobre setores expressivos da direita brasileira, que ganhou força desde o início do ano com a queda da aprovação de Lula. Este, por sua vez, deve ter dificuldades em manter em alta até 2026 o chamado efeito Rally ‘Round the Flag, em que o governo conquista apoio em decorrência de uma agressão estrangeira tal como o tarifaço.
Embora os eleitores demonstrem raciocínio econômico nas urnas — como visto na vitória de Trump sobre Harris —, a direção da política americana após as eleições reflete prioridades identitárias do movimento MAGA. A busca por uma ordem internacional populista, com traços de supremacia branca e cristã, fará com que a Casa Branca negligencie outras vezes o bem-estar econômico do eleitor americano. É a identidade, estúpido!