O acordo fechado em 27 de julho entre Estados Unidos e União Europeia reconfigura a dinâmica do comércio internacional.Washington impôs à Europa uma taxa de 15% sobre exportações para o mercado americano, ao mesmo tempo em que obrigou o bloco europeu a comprar energia e armamentos produzidos nos EUA.
O pacto foi imediatamente criticado por líderes políticos e empresariais europeus: o primeiro-ministro francês classificou o dia como “sombrio”. Empresários espanhóis e alemães chamaram o acordo de “desequilibrado”. Setores industriais alertaram para perdas de competitividade e ameaça ao emprego.
Essa decisão não resulta de consenso. Para muitos, trata-se de uma capitulação do bloco europeu diante de uma superpotência, um gesto pragmático para evitar uma guerra comercial aberta, mas com efeitos duradouros para a autonomia estratégica do continente. A Comissão Europeia reconhece as concessões, justificando-as com o temor de retaliações americanas mais duras. O próprio governo espanhol admite que respalda o acordo “sem entusiasmo”. Itália e Alemanha, ainda que oficialmente favoráveis, ponderam sobre os altos custos e incertezas do novo arranjo.
O saldo é simples: a taxa média subiu de cerca de 1,4% para 15%, golpeando fortemente setores agroalimentares, vinhos, azeite, químicos, autopeças e máquinas. Apenas alguns setores considerados estratégicos pelos EUA — certos componentes aeronáuticos, chips e matérias-primas críticas — escaparam de tarifas.
O impacto desse acordo não se restringe à Europa. O Brasil está prestes a enfrentar a implementação de uma tarifa de 50% sobre suas exportações aos EUA. Que embora tenha sido aliviada esta semana com o anúncio de um recuo americano, com a criação de uma lista com mais de 600 produtos brasileiros que ficarão livres das taxas, trata-se de uma retaliação política, impulsionada por Donald Trump, em resposta ao processo judicial contra Jair Bolsonaro. .
A coincidência dessas crises sugere uma janela estratégica para o Brasil — ainda que de médio prazo. A imposição de tarifas sobre os produtos europeus cria espaço para que exportadores brasileiros ocupem mercados deixados pela Europa em países terceiros, já que a perda de competitividade dos europeus leva importadores desses mercados a recorrer a alternativas como o Brasil para garantir abastecimento e preços competitivos.
Por outro lado, o acordo entre EUA e UE leva o bloco europeu a procurar novos fornecedores de energia e alimentos, a fim de evitar uma dependência prolongada das importações procedentes dos Estados Unidos. Essa busca por diversificação tende a beneficiar parceiros alternativos, como o Brasil e o Mercosul.
De fato, a União Europeia já começou a sinalizar o desejo de diversificar seus parceiros comerciais e acelerar a conclusão de tratados com outros blocos. Isso inclui a aceleração das etapas de ratificação do acordo firmado com o Mercosul em dezembro do ano passado e que havia perdido fôlego nos últimos meses. Produtos agrícolas brasileiros, como soja, carnes e frutas, passam a ter maior relevância na mesa de negociação europeia, tanto pelo preço quanto pela necessidade de diversificação do bloco europeu.
Há uma pressão adicional por parte dos europeus para recuperar competitividade e compensar as perdas impostas pelo novo pacto. Empresas e governos europeus observam atentamente o desempenho do Brasil e de seus vizinhos na exportação de alimentos, energia limpa e manufaturas, o que pode levar à reabertura de negociações, concessão de cotas especiais ou incentivos à importação de produtos brasileiros. O Brasil, tradicional exportador de commodities, encontra nesse cenário um estímulo para agregar valor à produção, investir em tecnologia e avançar na diplomacia comercial.
O ambiente internacional se mostra marcado por instabilidade e fragmentação. O protecionismo, antes visto como exceção, transforma-se em regra no confronto entre grandes blocos econômicos. O Brasil precisa reagir com estratégia e pragmatismo: aprofundar sua presença em mercados alternativos, fortalecer acordos regionais, investir em competitividade e estar pronto para ocupar espaços abertos por disputas alheias. O setor agroindustrial, historicamente dinâmico, exige coordenação entre Estado e iniciativa privada, investimentos em rastreabilidade, sustentabilidade e imagem internacional.
Enquanto a Europa amarga um acordo visto como humilhante, e o Brasil se depara com barreiras inéditas nos EUA, o realinhamento das cadeias produtivas globais oferece oportunidades para países capazes de reagir rápido, negociar com firmeza e inovar. O jogo comercial exige leitura geopolítica e adaptação. O Brasil, mesmo pressionado, tem chances reais de transformar crise em avanço econômico se reagir com rapidez, apostar na diplomacia ativa, no diálogo público-privado e em uma estratégia industrial afinada com as demandas contemporâneas de sustentabilidade, rastreabilidade e agregação de valor.