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Taxação sobre produtos brasileiros marca avanço perigoso no uso de instrumentos comerciais para desestabilizar soberanias

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Taxação sobre produtos brasileiros marca avanço perigoso no uso de instrumentos comerciais para desestabilizar soberanias

Donald Trump acaba de desencadear uma nova onda de pressão econômica global ao anunciar tarifas de 50% para produtos brasileiros, alegando “caça de bruxas” no julgamento de Jair Bolsonaro e supostas ameaças à liberdade de expressão em plataformas como o X e a Truth Social. Em uma carta enviada ao presidente Lula e a outros oito países, ele explicita sua ofensiva, marcando um avanço perigoso no uso de instrumentos comerciais para interferir em decisões judiciais e políticas internas de nações soberanas.

Trump invocou a Seção 301 da legislação americana para justificar possíveis sanções adicionais, sinalizando que o choque tarifário poderá ir além dos 50% anunciados. Logo após o anúncio, o real recuou cerca de 3%, refletindo o impacto imediato das ameaças.

A resposta do presidente Lula foi imediata: classificou o anúncio como “inigualável interferência” e reiterou que o Brasil aplicará a Lei de Reciprocidade Econômica, aprovada em abril, para responder a qualquer aumento tarifário unilateral. O ministro Haddad enfatizou que a suposta justificativa comercial é falsa, já que os EUA mantêm um superávit de cerca de US$ 410 bilhões com o Brasil nos últimos 15 anos.

Do ponto de vista jurídico, a medida colide frontalmente com os parâmetros do direito internacional. A Organização Mundial do Comercio (OMC) exige que tarifas sejam implementadas com base em fundamentos econômicos legítimos, não como retaliação a julgamentos de assuntos internos pelo Poder Judicial de um país soberano. Já a Carta da ONU, em seu artigo 2.4, veda intervenções (incluindo as de natureza econômica) que comprometam a soberania nacional.

O momento é agravado pela paralisia do Órgão de Apelação da OMC, bloqueado pelos EUA desde 2019, enfraquecendo a capacidade dos membros de resolver disputas legalmente. Essa situação cria um ambiente propício para ações unilaterais e tarifárias, corroendo a previsibilidade do sistema de comércio internacional.

No âmbito econômico, o setor de exportações — especialmente café, laranjas, calçados, aço e carne — já projeta efeitos negativos, incluindo inflação, perda de competitividade e desorganização das cadeias globais de abastecimento. Contudo, e isso sentirão os consumidores/votantes norteamericanos, estima-se que um terço do café e metade do suco de laranja brasileiros são exportados ao EUA.

No plano interno, a medida aprofunda divisões ideológicas. Eleitores bolsonaristas celebraram o apoio de Trump, enquanto analistas e empresários estrangeiros definem a tática como imperialismo econômico moderno, prejudicial à ordem comercial mundial.

Globalmente, Trump mirou também para os países dos BRICS, ameaçando tarifas adicionais de 10% a governos alinhados com a política do bloco, intensificando a tensão geopolítica. Essa escalada representa uma mudança estrutural na política tarifária dos EUA, onde sanções econômicas passam a ser instrumentos de coerção política, cujo propósito é muito diferente do reequilíbrio comercial.

O Brasil dispõe hoje de três caminhos principais: pode responder com retaliação via reciprocidade econômica; buscar solução na OMC, ainda que essa via seja limitada — talvez recorrendo ao Mecanismo de Arbitragem Multipartite (MPIA) criado como alternativa ao órgão de apelação tradicional —; ou ainda intensificar sua presença e “pressão” diplomática, tanto no âmbito do Mercosul e dos BRICS quanto aprofundando sua aliança com a União Europeia, como forma de reduzir a dependência estrutural em relação aos Estados Unidos.

A ameaça de Trump impõe um teste agressivo à soberania brasileira e ao sistema multilateral. A resposta do Brasil não deve limitar-se a uma defesa econômica, já que a reafirmação do respeito à igualdade, à boa-fé e à cooperação internacional — princípios fundamentais para preservar uma ordem global fundada em regras, é primordial. A dinâmica do velho-oeste norteamericano não deveria aplicar-se aqui.

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