Entre os eventos paralelos que antecedem a Cúpula do BRICS, que será realizada na cidade do Rio de Janeiro, nos próximos dias 6 e 7 de julho, está a realização do Fórum da Sociedade Civil do BRICS, nos dias 4 e 5 do mesmo mês. Também conhecido como Fórum Popular, a iniciativa reúne debates e demandas de movimentos e organizações sociais de países membros do bloco em temáticas diversas, entre as quais se destaca a da governança da inteligência artificial e do papel das tecnologias digitais na construção de políticas para uma sociedade mais justa, inclusiva e sustentável.
A presidência brasileira tem defendido o protagonismo do bloco em matéria de novas tecnologias e inovações, especialmente no que diz respeito à cooperação tecnológica e à governança da inteligência artificial. O objetivo é endereçar tanto os benefícios econômicos e sociais, quanto os desafios dos avanços tecnológicos, garantindo que essas tecnologias possam beneficiar os países em desenvolvimento de forma equitativa.
A temática da tecnologia não é bem nova na história do BRICS. Desde sua formação enquanto grupo, a cooperação tecnológica faz parte da agenda de seus países membros e da busca por alternativas de desenvolvimento, governança e regulamentação digital. O tema recebeu destaque na Declaração de Brasília de 2009 e, em 2012, foi estabelecido um grupo de trabalho dedicado à cooperação no âmbito das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs).
Marcos jurídicos de cooperação
Já em 2015, o Plano de Ação Estratégico do grupo incluiu a criação de um Centro de Pesquisa dedicado em TICs. No mesmo ano, também houve a assinatura de um Memorando de Entendimento sobre Cooperação em Ciência, Tecnologia e Inovação, no âmbito dos ministérios de ciência, tecnologia e inovação dos respectivos países membros do bloco, que promoveu iniciativas como a Parceria Digital do BRICS, da Parceria dos BRICS sobre a Nova Revolução Industrial e da Rede de Inovação do BRICS.
Em 2021, a Declaração de Nova Déli explicitamente apelou para o estabelecimento de marcos jurídicos de cooperação em matéria de desenvolvimento e segurança tecnológicos. Entre os temas que integram esse histórico de cooperação, pode-se citar a proteção de dados, os crimes cibernéticos, a regulamentação de conteúdo e o comércio eletrônico.
A novidade, desta vez, está na atenção que o desenvolvimento, o uso e os impactos de tecnologias baseadas em inteligência têm recebido no âmbito da presidência brasileira da Cúpula, estando a governança dessas tecnologias no centro da agenda de negociações do país.
Desafios trazidos pela IA
No âmbito do Fórum Civil do BRICS, o debate se desdobra em um grupo de trabalho sobre a temática Tecnologias Digitais/Soberania Digital, composto por movimentos populares e organizações sociais dos países que integram o bloco. Assim como a presidência brasileira do bloco, a sociedade civil vem debatendo intensamente as possibilidades e desafios trazidos pela IA. A criação de um observatório para monitorar boas práticas e adoção de cadeias de valor éticas e sustentáveis para a inteligência artificial estão entre as demandas apresentadas.
O grupo de trabalho amplia os debates do Fórum Civil do BRICS realizado durante a Cúpula de Kazan, em 2024, especialmente ao fortalecer a ênfase na soberania digital participativa e multissetorial. Diferentemente da perspectiva centrada no Estado que domina o debate acadêmico e político, as organizações da sociedade civil dos países BRICS sustentam uma visão positiva de soberania digital, centrada na participação de diferentes setores da sociedade na formulação de políticas e no respeito às especificidades culturais e históricas de cada país.
Além disso, em consonância com os objetivos da presidência brasileira dos BRICS, busca-se a redução de desigualdades globais, com foco no acesso equitativo a recursos. No âmbito da cadeia de produção global de tecnologia, a preocupação é com a concentração de conhecimento e recursos vitais a essa indústria em países ricos, enquanto parte considerável do mundo acaba por ocupar a posição de consumidores dessas tecnologias ou de exportadores de matérias-primas utilizadas na indústria.
Para enfrentar esse desafio, o incentivo ao compartilhamento de recursos digitais e ao financiamento a projetos baseados em software livre e de código aberto é fundamental. Isso inclui também o desenvolvimento de nuvens públicas soberanas e de sistemas de inteligência artificial adaptados às necessidades dos países, a fim de se reduzir vieses e fortalecer a diversidade cultural. A adoção de um marco ético comum para auditar riscos tecnológicos, por sua vez, possibilitaria aos países membros do bloco criar mecanismos coletivos de avaliação de seus impactos negativos e propor medidas preventivas.
De modo geral, parece haver um alinhamento entre as prioridades elencadas pela presidência brasileira para a cooperação tecnológica e as demandas da sociedade civil por modelos capazes de garantir que os benefícios da tecnologia alcancem todas as camadas da população. O conjunto de prioridades que o Brasil elegeu para a Cúpula do próximo fim de semana veio acompanhado da aposta no fortalecimento do pilar social do bloco, com a abertura de espaço para a sociedade civil apresentar propostas em uma reunião oficial dos negociadores-chefe (sherpas).
Este processo, juntamente com a criação do Conselho Civil do BRICS durante a Cúpula de Kazan de 2024, sinalizam avanços importantes na direção de uma maior participação social no debate sobre políticas nos BRICS. Ao mesmo tempo, o caminho para assegurar uma maior participação social nos processos do bloco ainda requer fortalecer seus mecanismos de participação institucional e consolidar canais de diálogo institucionais diretos entre sociedade civil e negociadores, a fim de garantir que as propostas das diferentes sociedades que compõem os BRICS sejam ouvidas e consideradas.