Semanas atrás, enquanto a atenção da mídia global se voltava para encontros de cúpula no Alasca, entre Trump e Putin, e em Washington, entre o presidente americano e o líder da Ucrânia Volodymyr Zelensky, os Estados Unidos lançaram discretamente uma demonstração de força na costa da Venezuela. Três destroyers, ou contratorpedeiros, equipados com mísseis Aegis — o USS Gravely, o USS Jason Dunham e o USS Sampson — supostamente apoiados por 4.000 fuzileiros navais, foram enviados às águas do Caribe venezuelano.
A medida parece fazer parte de uma campanha mais dura dos EUA contra os cartéis de drogas e sindicatos do crime latino-americanos, agora declarados por Washington como “ameaças terroristas”.
Neste contexto, a Casa Branca prometeu empregar “todos os elementos do poder americano” para conter o tráfico de drogas originário do território venezuelano. Relatos sugerem que a frota também pode incluir um submarino nuclear, aeronaves de reconhecimento P-8 Poseidon, mísseis Tomahawk e helicópteros MH-60R Seahawk, tornando a mobilização uma das maiores atividades militares ocorridas na região em anos.
Washington aumenta a aposta
Nesta última quinta-feira, dia 21 de agosto, a ameaça da chegada do furacão Erin à região afastou a frota americana, momentaneamente, das proximidades da costa venezuelana. Um outro furacão, porém, já sopra nas relações rompidas entre os dois países desde o último dia 7 de agosto, quando os EUA anunciaram que dobraram a ‘recompensa’ que oferecem por informações que levem à prisão do presidente venezuelano Nicolás Maduro, que agora é de US$ 25 milhões para US$ 50 milhões.
A ‘recompensa’ faz parte do conjunto de esforços crescentes da Casa Branca em derrubar Maduro, que ela não reconhece como presidente da Venezuela e agora o chama de “líder narcoterrorista”. O atual governo americano afirma que Maduro teria envolvimento com as organizações criminosas venezuelanas Cartel de los Soles e Tren de Aragua, além do cartel mexicano de Sinaloa. Desde o início de 2025, os EUA designam estes grupos de narcotraficantes como ‘organizações terroristas estrangeiras’ e ‘terroristas globais especialmente designados’.
A resposta da Venezuela foi rápida e teatral. O presidente Maduro anunciou a mobilização de mais de quatro milhões de homens, entre soldados, reservistas e milicianos, para defender o país. Ele prometeu armar os cidadãos rurais com rifles e retratou a mobilização e a recompensa proposta pelos EUA como uma agressão imperialista. Caracas rapidamente denunciou as medidas de Washington como propaganda política, e pediu ao seu alto comando militar que avaliasse a gravidade da suposta ameaça à soberania nacional.
Pressionando por mudanças sem derrubada de regime
Essa postura dos EUA reflete uma estratégia dupla. Ela combina sinais militares por meio da ameaça de força para deter operações de narcotráfico, ao mesmo tempo em que aplica pressões políticas e jurídicas com o objetivo de enfraquecer o regime de Maduro.
Embora focada publicamente na repressão ao narcotráfico, a mobilização americana serve como teste para uma possível pressão real sobre a Venezuela, sem uma mudança de regime aberta.
De acordo com analistas, é improvável que a mobilização americana se transforme em uma invasão militar real, uma vez que a abordagem é calculada com foco na dissuasão e na pressão direcionada.
Já para Caracas, a estratégia pode ser aproveitada como um momento de união em torno da bandeira do país, reforçando a legitimidade do regime de Maduro ao apresentá-lo como defensor da soberania nacional frente à agressão estrangeira.
No último dia 20 de agosto, num discurso transmitido em rede nacional, Maduro afirmou que “nenhum império tocará o solo sagrado da Venezuela”, afirmando que as ameaças dos EUA são atitudes bizarras de “um império em declínio”.
Já em Washington, a percepção é de que a manobra combina a ideia bem aceita pela opinião pública americana de guerra contra as drogas com uma estratégia de dissuasão sem necessidade de declarações formais sobre uma mudança no governo da Venezuela. Porém, há poucos dias o senador americano do Partido Republicano Bernie Moreno (que nasceu na Colômbia), foi mais direto: ele previu que Maduro não permaneceria no cargo após o final do ano.
Projetando poder regional
Independentemente das interpretações internas e externas a respeito das intenções dos EUA, as movimentações no Caribe marcam uma escalada significativa da ameaça militar norte-americana contra a Venezuela. Embora os EUA já tenham aumentado a pressão sobre Maduro ao longo da última década, até agora evitaram o envio de tropas militares.
Em seu primeiro mandato, em 2019, o presidente Trump impôs sanções a Maduro. E no ano seguinte, em 2020, acusou-o publicamente de “narcoterrorismo”.
Após isso, o governo Biden também apoiou ativamente a oposição política na Venezuela, e retomou durante seu mandato as sanções ao petróleo do país.
Em governos anteriores, os EUA já haviam lançado mão de de sanções e isolamento diplomático da Venezuela, congelando ativos e impedindo acesso de empresas aos mercados financeiros dos EUA.
Mas agora, a agressão de Trump parece empregar todos os espectros possíveis de poder. Recentemente, Washington invocou a antiga Lei dos Inimigos Estrangeiros, de 1798, para deportar venezuelanos para El Salvador sem o devido processo legal. No exterior, o governo dos EUA impôs uma tarifa pesada de 25% sobre qualquer país que importe petróleo venezuelano.
Em resumo, a abordagem atual dos EUA sobre a Venezuela combina poder duro, coerção econômica e pressão legal.
Projeção de força em perspectiva histórica
As recentes manobras da Marinha americana em águas venezuelanas ecoa um hábito de longa data dos EUA de projeção de força no Hemisfério Ocidental. Operações passadas, como a invasão de Granada em 1983 ou a destituição de Manuel Noriega no Panamá em 1989, refletem uma disposição habitual de Washington em usar a força militar perto de suas fronteiras para obter objetivos estratégicos.
Tradicionalmente, os EUA já costumam usar o combate ao narcotráfico como justificativa para seus envolvimentos militares em outros países latino-americanos. Como já foi visto no Plano Colômbia e na Operação Martelo da Meia-noite na América Central. Mas tudo sempre ocorrendo por trás de uma aparência de cooperação. Já o envio de navios que ocorre neste momento no Caribe é diferente, e marca uma das demonstrações navais mais abertas e em grande escala já realizadas pelos EUA na região.
A escalada está sendo acompanhada de perto pelos governos regionais. Na Colômbia, o presidente Gustavo Petro resistiu publicamente à ideia de uma intervenção militar dos EUA na Venezuela, reiterando que qualquer ação sem o consentimento dos vizinhos sul-americanos seria inaceitável. Petro defende ainda a cooperação ao longo da fronteira comum no combate ao crime transfronteiriço. A Guiana, envolvida há décadas em uma longa disputa fronteiriça com a Venezuela, vê o aumento da presença dos EUA como uma faca de dois gumes: sinaliza tanto uma possível dissuasão contra as reivindicações venezuelanas na questão quanto um risco de inflamar tensões.
Enquanto isso, em Cuba, o parceiro internacional mais firme da Venezuela, o envio de tropas é entendido como uma medida hostil, reforçando o compromisso de Havana em defender Caracas contra o que Washington classifica como ameaças relacionadas às drogas. E a presidente mexicana Claudia Sheinbaum já traçou um discurso firme em relação à soberania do país, deixando claro que, embora seu governo esteja aberto a uma coordenação mais profunda em matéria de segurança com Washington, ele se opõe a ações militares unilaterais.
Rivais globais envolvidos
A escalada dos EUA também deve ser vista no contexto de suas rivalidades estratégicas com a China e a Rússia. A China investiu pesadamente no petróleo e na infraestrutura venezuelanos, e as medidas dos EUA podem ter como objetivo, em parte, combater a presença de Pequim em sua esfera de influência. Aliada de longa data, a Rússia também forneceu amplo apoio militar e financeiro a Caracas, e o reforço dos EUA certamente suscitará preocupações em Moscou.
Em conjunto, essas medidas ressaltam uma mudança na doutrina dos EUA em relação à região. O que começou como uma campanha antinarcóticos agora se assemelha a um modelo para a diplomacia coercitiva dos EUA no hemisfério: combinando dissuasão militar, alavancas econômicas e instrumentos jurídicos. Se isso vai quebrar o domínio de Maduro ou fortalecê-lo, continua sendo uma questão decisiva, não apenas para a Venezuela, mas para a credibilidade da projeção do poder americano em sua vizinhança.