Na noite de segunda-feira, 7 de julho, o navio Eternity C, registrado na Libéria, sofreu um ataque no Mar Vermelho que matou quatro tripulantes e deixou outros dois gravemente feridos. Mesmo com a ordem de abandonar o navio, a trágica morte dos marinheiros foi agravada pela indisponibilidade de botes salva-vidas, destruídos durante o ataque.
No dia anterior, outro navio foi atacado na mesma região. O cargueiro MV Magic Seas, também da Libéria, foi alvejado por drones, mísseis, lançadores de granadas e outras armas portáteis disparadas de pequenos barcos e até mesmo embarcações não tripuladas. Apesar do susto, seus 22 tripulantes foram resgatados com vida. O navio, no entanto, afundou após ser rapidamente tomado pela água.
Mesmo com guardas armados a bordo, o Eternity C não conseguiu evitar o ataque, que foi similar ao do Magic Seas. Um funcionário da Comoship Management, empresa grega administradora do navio, relatou que os sistemas de comunicação da embarcação foram atingidos, o que impossibilitou os pedidos de socorro dos tripulantes. Com a destruição dos botes salva-vidas, a morte dos marinheiros deu um fim trágico ao ataque.
Mais de 100 ataques em um ano
A informação dos ataques foi confirmada pela Organização Marítima Internacional (IMO), órgão da ONU responsável pela segurança nos mares, e pela União Europeia, através da Força Naval da Operação Atalanta, que atua na região desde o aumento de casos de pirataria na costa da Somália em 2008.
O secretário-geral da IMO, Arsenio Dominguez, reafirmou o compromisso da organização na resolução do problema, e declarou que “marinheiros inocentes e populações locais são as principais vítimas desses ataques e da poluição que eles causam”. De acordo com dados da IMO e da mídia internacional, mais de 100 ataques a navios ocorreram na região entre novembro de 2023 e dezembro de 2024, sendo os casos do Magic Seas e do Eternity C os primeiros de 2025.
Conflito regional se espalha pelos mares
O aumento desses ataques pode ser explicado pelo agravamento do conflito entre Israel e o Hamas na faixa de Gaza desde 2023. Os Houthis, grupo rebelde apoiado pelo Irã, atuam em uma das principais rotas do comércio marítimo internacional, que liga a Europa à Ásia. Seus ataques, que incluem até danos a cabos submarinos, miram principalmente navios com alguma ligação com Israel ou aliados, sendo justificados pelo grupo como atos de apoio aos palestinos.
Até o momento, a autoria do ataque ao Eternity C não foi reivindicada, embora seja comum que os Houthis esperem dias para assumir seus ataques. Por outro lado, o grupo assumiu o ataque ao Magic Seas e confirmou seu naufrágio, mesmo com a informação ainda não ter sido verificada de forma independente pelos administradores do navio. De todo modo, a tripulação já havia relatado incêndios e inundações em partes cruciais da embarcação. Já o ministro da informação do Iêmen, Moammar al-Eryani, atribuiu os dois ataques aos Houthis, que controlam a metade norte do país, incluindo a capital Sanaa.
Relações comerciais tornam navios alvos
O Magic Seas viajava da China para a Turquia, rota considerada de baixo risco operacional pela empresa de segurança marítima Diaplous, por não ter relação direta com Israel. No entanto, é importante destacar que a Allseas Marine, outra administradora do Magic Seas, fez escalas em portos israelenses em 2024. A informação foi confirmada por uma funcionária da empresa britânica de gestão de riscos marítimos Vanguard Tech, que afirmou que “esses fatores colocaram o Magic Seas em risco extremo de ser alvo”.
Reações de Israel e nova escalada militar
Em resposta ao primeiro ataque no Magic Seas, Israel lançou uma ofensiva contra os Houthis, atingindo a usina de energia de Ras Qantib, e os portos de Hodeidah, Salif e Ras Isa – este último com o navio Galaxy Leader como alvo. Esse navio havia sido apreendido pelos Houthis no final de 2023 e seus radares estavam sendo usados para rastrear outras embarcações. O exército de Israel declarou que “esses portos são usados pelo regime terrorista dos Houthis para transferir armas vindas do regime iraniano, responsáveis pelas operações contra o Estado de Israel e seus aliados”.
Por outro lado, o porta-voz militar dos Houthis afirmou que houve uma resposta ao ataque israelense com “um grande número de mísseis de produção doméstica”. No entanto, os serviços de ambulância de Israel não registraram atendimentos relacionados a esse tipo de ataque. Segundo os Houthis, as operações continuarão a impedir a navegação israelense no Mar Vermelho e no Mar Arábico até que cessem as agressões de Israel em Gaza.
Os ataques aos Houthis no Iêmen vêm ocorrendo desde abril de 2024, quando os EUA atacaram a região, deixando 74 mortos. Em junho, Israel e EUA realizaram um ataque naval conjunto em áreas controladas pelos Houthis. Agora, o exército de Israel atua sozinho, com o ministro da defesa, Israel Katz, ameaçando intensificar as ações e declarando que “qualquer um que levantar as mãos contra Israel as terá cortadas”.
A escalada de tensões no Mar Vermelho acontece em um momento delicado do conflito em Gaza, agravado pelo ataque dos EUA ao Irã no final de junho. Ambas as situações dificultam cada vez mais um cessar-fogo.
Impacto no comércio global
O impacto desse conflito é refletido também na economia. A tendência é que, com o aumento das tensões, as taxas e encargos extras sejam repassados pelos armadores ou fretadores às seguradoras, caso haja navios usando a rota do Mar Vermelho. O aumento do seguro internacional marítimo afeta diretamente o comércio global, já que o fluxo na região movimenta em torno de 1 trilhão de dólares anualmente.
Para aqueles que preferirem evitar a região, a outra rota possível é ao redor da África pelo Cabo da Boa Esperança, o que acrescenta milhares de milhas, tempo de viagem, combustível queimado e custos de manutenção do navio e tripulação.
Como consequência, os produtos importados transportados por essa rota chegarão ao consumidor final com preços mais altos, afetando a economia global de forma ampla. A insegurança marítima no Mar Vermelho, portanto, vai muito além dos portos do Oriente Médio, alcançando prateleiras e mercados — sobretudo na Europa e na Ásia.