Na última semana de junho, o Energy Institute (EI) divulgou a Revisão Estatística de Energia Mundial de 2025, indicando que todas as principais fontes globais de energia atingiram recordes em 2024, reflexo do aumento da demanda mundial. Atualmente, cerca de 80% da energia consumida no planeta ainda provém de fontes fósseis, agravando a poluição e as mudanças climáticas. A transição energética tem avançado, impulsionada principalmente pela queda dos custos da energia solar e eólica, que concentraram 86,5% dos investimentos em renováveis entre 2013 e 2022.
Todavia, apesar de essenciais, essas tecnologias dependem intensamente de minerais, devido à menor densidade energética e à vida útil reduzida dos equipamentos. Uma turbina eólica pode demandar até nove vezes mais minerais que uma usina a gás de capacidade semelhante, e veículos elétricos exigem grandes volumes de materiais devido às baterias de maior porte. Como a reciclagem ainda é limitada, há uma crescente pressão por novas extrações. Estima-se que, até 2050, a demanda por minerais aumente mais de 200% no setor elétrico e até 350% no setor de transportes.
A mineração, entretanto, gera bilhões de toneladas de resíduos por ano e consome grandes volumes de água e energia, o que evidencia que as tecnologias verdes também acarretam custos ambientais significativos. Além disso, grande parte dos chamados “minerais críticos” — essenciais para tecnologias de baixo carbono — é extraída de países do Sul Global, ou seja, nações da África, América Latina e Ásia que compartilham características como menor renda, maior desigualdade e histórico de colonização.
Nesses países, a exploração mineral frequentemente favorece multinacionais, que se beneficiam de legislações brandas, governos dependentes da mineração e sociedades civis fragilizadas — fatores que reduzem custos e ampliam lucros. Como consequência, as populações locais sofrem os maiores impactos socioambientais, enquanto os benefícios da transição energética se concentram nos países do Norte Global.
Cobalto
O cobalto é fundamental para a produção de baterias, especialmente as utilizadas em veículos elétricos, que responderam por cerca de 40% da demanda global em 2023. Essa demanda deve dobrar até 2030. Aproximadamente 74% da produção mundial está concentrada na República Democrática do Congo (RDC) (ver Tabela) — país da África Central que foi colônia da Bélgica até os anos 1960 —, onde a extração ocorre, em grande parte, sem condições adequadas de segurança, expondo trabalhadores a metais tóxicos e elevando o risco de doenças graves.
Além das grandes mineradoras, milhares de congoleses atuam na mineração artesanal em condições precárias. Investigação recente identificou trabalho infantil, mortes por desabamentos e o manuseio inseguro do minério por mulheres e crianças.
O cobalto extraído é repassado a intermediários e, dessa forma, chega às grandes empresas, que evitam vínculos diretos com as violações. Organizações como RAID e Afrewatch também denunciam a contaminação da água nas proximidades das minas, com impactos na pesca, na agricultura e na saúde das comunidades, incluindo aumento de doenças ginecológicas, dermatológicas e reprodutivas.
Níquel
O níquel é essencial para a fabricação de baterias e sistemas de armazenamento de energia, com previsão de crescimento exponencial da demanda nas próximas décadas. A Indonésia, ex-colônia holandesa que se tornou independente em 1945, lidera a produção mundial, respondendo por cerca de metade da oferta global (ver Tabela), após multiplicar por seis sua produção entre 2010 e 2023.
Apesar de seu papel estratégico na transição energética, grande parte do níquel indonésio é extraída e processada com o uso de carvão — uma fonte altamente poluente. O consumo desse combustível aumentou substancialmente nos últimos anos, tornando o país o terceiro maior produtor, oitavo maior consumidor e sétimo maior emissor de CO₂ do mundo.
As atividades de mineração e fundição têm contaminado solos, águas e áreas costeiras do arquipélago indonésio, prejudicando ecossistemas e comunidades dependentes da pesca e da agricultura. Além disso, as condições de trabalho são precárias, com pelo menos 47 mortes registradas entre 2015 e 2022 em minas de níquel.
Cobre
O cobre, metal com maior condutividade elétrica entre os não preciosos, é essencial para turbinas eólicas, painéis solares, veículos elétricos e redes modernas. Sua crescente relevância na transição energética elevou a produção global de 16 milhões de toneladas métricas em 2010 para 22 milhões em 2023, com tendência de alta nas próximas décadas. O Chile lidera a produção mundial (24%), seguido por Peru e República Democrática do Congo (10% cada) (ver Tabela), embora o setor seja dominado por multinacionais do Norte Global.
No Chile, os impactos socioambientais da mineração de cobre são significativos: no norte do país, comunidades indígenas convivem com poeira tóxica que eleva o risco de doenças; já na costa central, a Fundição de Ventanas foi encerrada em 2023 após protestos contra décadas de poluição, que transformaram a região em uma “zona de sacrifício”, marcada por surtos de doenças relacionadas à contaminação do ar, da água e do solo.
No Peru, investigações revelaram contaminação da água e altos níveis de metais tóxicos — como arsênio, chumbo e mercúrio — entre moradores das áreas afetadas por projetos mineradores. Já na República Democrática do Congo, os desafios são similares aos observados na exploração de cobalto — já apresentados em tópico anterior —, incluindo precariedade laboral, contaminação ambiental e violações de direitos humanos.
Lítio
O consumo global de lítio aumentou 686% entre 2010 e 2023, impulsionado principalmente pelas baterias de íons de lítio para veículos elétricos, que responderam por 87% da demanda em 2023. Embora a Austrália lidere a produção mundial (46,6%), cerca de 60% das reservas conhecidas estão na América Latina, especialmente no chamado “Triângulo do Lítio” — formado por Chile, Argentina e Bolívia —, já responsável por cerca de 30% da produção global (ver Tabela).
A extração ocorre em desertos salinos, por meio do bombeamento de salmouras para a superfície e sua evaporação em grandes piscinas a céu aberto. Esse processo, intensivo em uso de água, vem afetando a disponibilidade hídrica em regiões áridas, prejudicando a agricultura, a pecuária e o modo de vida das comunidades locais. Além da contaminação de solos e ecossistemas, há críticas quanto à baixa geração de empregos, à arrecadação limitada de royalties e ao aumento de conflitos socioambientais.
Terras Raras
Os elementos de terras raras (REE), um grupo de 17 metais estratégicos para a fabricação de ímãs, baterias, ligas metálicas e dispositivos de alta tecnologia, são fundamentais para a transição energética. Entre 2010 e 2023, a produção global cresceu de 133 mil para 350 mil toneladas métricas, refletindo seu papel cada vez mais relevante nas tecnologias verdes.
A China, líder na produção global (68,3%), enfrenta impactos ambientais significativos, com poluição da água e do solo causada pelo uso intensivo de produtos químicos empregados na extração e no processamento de terras raras, impondo riscos sérios à saúde das populações locais.
Mianmar, ex-colônia britânica e terceiro maior produtor mundial (ver Tabela), dobrou sua produção entre 2018 e 2023. No entanto, essa expansão tem ocorrido sob sérias irregularidades, como mineração ilegal, controle por milícias armadas, ausência de regulamentação ambiental e graves violações de direitos humanos. Relatos incluem adoecimentos, mortes por acidentes e exposição química, além do aumento da violência, do tráfico de drogas e da prostituição nas áreas mineradas.
Pensar um futuro possível?
Diante dos desafios expostos, torna-se imperativo repensar os rumos da transição energética para que ela não reproduza — ou aprofunde — padrões históricos de exploração no Sul Global. Promover uma transição verdadeiramente justa exige incluir os territórios do Sul não apenas como fornecedores de recursos sob legislações frágeis, mas como protagonistas na construção de um novo modelo de desenvolvimento. Para isso, é necessário enfrentar as assimetrias estruturais que caracterizam as dinâmicas produtivas e geoeconômicas globais.
Como contribuição ao debate, destacamos a urgência de: (1) fortalecer os mecanismos de rastreabilidade dos minerais críticos; (2) estabelecer marcos regulatórios mais rigorosos, com fiscalização ambiental efetiva e responsabilização corporativa; (3) garantir a participação ativa das comunidades locais nos processos decisórios; (4) fomentar cadeias de valor locais, com agregação de valor à produção mineral; (5) converter compensações e royalties em investimentos em infraestrutura social e estratégias de diversificação econômica; (6) incentivar a inovação tecnológica voltada à reciclagem e ao reuso de minerais críticos; (7) repensar os atuais padrões globais de produção e consumo, reconhecendo os limites ecológicos do planeta. Somente com tais esforços será possível viabilizar uma transição energética que promova, de fato, justiça socioambiental em escala global.
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