Ad image

Transferência de ações da YPF para fundos credores coloca em xeque soberania argentina

6 Leitura mínima
Transferência de ações da YPF para fundos credores coloca em xeque soberania argentina

Em 15 de julho, a Câmara de Apelações do Segundo Distrito de Nova York suspendeu temporariamente a ordem da juíza federal Loretta Preska que exigia a transferência pela Argentina de 51% das ações da petrolífera estatal YPF para fundos credores, como forma de pagamento de uma indenização relacionada à nacionalização da empresa em 2012. A suspensão permitiu à Argentina solicitar prorrogação até 17 de julho, com resposta dos credores prevista para 22 do mesmo mês.

O litígio tem origem na nacionalização da YPF durante o governo de Cristina Kirchner, quando a Argentina adquiriu a participação majoritária da empresa espanhola Repsol, que detinha 57,5% das ações. O Estado argentino pagou cerca de US$ 5 bilhões por essa fatia, mas não ofereceu condições semelhantes a acionistas minoritários, como o Grupo Petersen e Eton Park. Estes acionistas alegaram prejuízo e buscaram reparação judicial nos tribunais norteamericanos. Em setembro de 2023, a juíza Preska fixou a indenização em US$ 16,1 bilhões, valor que supera o montante originalmente pago e o valor de mercado da YPF.

A ordem que determina a transferência das ações, para garantir o pagamento da dívida, coloca em xeque a soberania argentina. A suspensão pela Câmara de Apelações não encerra o processo, que poderá ser julgado pela Suprema Corte dos EUA.

O caso expõe princípios do direito internacional econômico, como expropriação, imunidade soberana e execução de sentenças estrangeiras. A expropriação é aceita desde que haja compensação justa e tratamento equitativo. O sistema jurídico dos EUA, por meio da Foreign Sovereign Immunities Act (FSIA), relativizou a imunidade da Argentina, afastando a aplicação da legislação interna para proteção dos ativos no exterior e estabelecendo precedentes controversos.

Para o Brasil, parceiro regional estratégico, os impactos são importantes. Em abril de 2025, o país iniciou a importação de gás natural argentino via gasodutos que atravessam a Bolívia, consolidando acordo bilateral para aumento progressivo do fornecimento. Essa cooperação visa diversificar a matriz energética brasileira e fortalecer a integração regional.

A instabilidade gerada pela ordem judicial ameaça a relação bilateral, podendo afetar investimentos e a confiabilidade do fornecimento energético. Projetos de infraestrutura, como gasodutos e plantas de liquefação, dependem de ambiente regulatório estável, fragilizado pela disputa judicial. Decisões judiciais estrangeiras em ativos soberanos geram tensões diplomáticas, dificultando a cooperação política regional.

Internamente, a Argentina enfrenta barreiras legais, pois sua legislação proíbe a transferência das ações sem aprovação do Congresso. Politicamente, a disputa intensifica divergências entre o governo de Javier Milei, empossado em dezembro de 2023, e a oposição peronista, dificultando consensos e aumentando a incerteza para investidores.

O respeito aos tratados internacionais de proteção aos investidores desempenha papel fundamental no ambiente econômico global, ao proporcionar previsibilidade e fortalecer a confiança dos investidores estrangeiros.Esses instrumentos asseguram direitos claros e mecanismos eficazes para a solução de controvérsias, estabelecendo padrões como tratamento nacional, cláusulas de nação mais favorecida, segurança jurídica e direito à compensação em casos de expropriação. Tais garantias funcionam como pilares contra práticas discriminatórias ou arbitrárias por parte dos Estados anfitriões, sendo essenciais para a atração de capitais produtivos e o desenvolvimento econômico sustentável. Medidas políticas populistas, habituais no campo das expropriações, muitas vezes, se chocam com o muro do Direito.

No contexto latinoamericano, equilibrar soberania nacional com compromissos internacionais continua sendo um desafio estratégico, sobretudo em setores sensíveis como energia, infraestrutura e recursos naturais. A celebração de acordos bilaterais e regionais de investimento — comuns no Mercosul e em outros fóruns sul-americanos — busca promover a cooperação econômica, mitigar riscos políticos e criar ambientes regulatórios estáveis, que favoreçam o crescimento. Ao mesmo tempo, tais tratados reconhecem o direito dos Estados de implementar políticas públicas de interesse geral, desde que observem os compromissos assumidos, preservando a autonomia regulatória necessária para atender às demandas sociais e ambientais.

Decisões judiciais internacionais que impactam ativos estratégicos relacionados a esses tratados ilustram os desafios do atual cenário global, no qual medidas que afetam o patrimônio estatal devem atentar tanto para as obrigações de proteção ao investidor quanto para as prerrogativas constitucionais de cada país. Por esse motivo, frameworks inovadores, como os acordos de cooperação e facilitação de investimentos adotados pelo Brasil, buscam soluções preventivas e canais institucionais de diálogo, priorizando a resolução amigável de controvérsias e promovendo um equilíbrio entre abertura ao capital externo e preservação do interesse público nacional.

Este caso, entre muitos outros, evidencia o desafio que a Argentina, o Brasil, toda a América do Sul enfrentam para equilibrar a proteção a investidores estrangeiros com a preservação da soberania nacional. Garantir segurança jurídica sem perder o controle sobre recursos estratégicos é fundamental para o desenvolvimento sustentável e a estabilidade regional. A resposta a esse equilíbrio definirá o futuro econômico e político da região, que necessita investimentos estrangeiros em áreas críticas.

Compartilhe este artigo
Sair da versão mobile