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Trégua bilateral entre EUA e China deixam países como o Brasil em posição de vulnerabilidade estratégica

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Trégua bilateral entre EUA e China deixam países como o Brasil em posição de vulnerabilidade estratégica

A reunião entre Donald Trump e Xi Jinping, realizada em 30 de outubro, na cidade sul-coreana de Busan, marcou o fim de meses de tensões comerciais e a retomada de um diálogo direto entre as duas maiores economias do mundo. O acordo, celebrado como “incrível” pelo presidente norte-americano, inclui a suspensão por um ano das restrições chinesas à exportação de terras raras e a redução das tarifas dos Estados Unidos sobre produtos desse país. Também prevê novas compras, por parte da China, da soja americana e a reabertura de negociações sobre a presença da rede social TikTok nos Estados Unidos.

Embora o encontro tenha sido apresentado como um passo em direção à estabilidade, seus efeitos imediatos favorecem exclusivamente Washington e Pequim — e deixam países intermediários, como o Brasil, em uma posição de vulnerabilidade estratégica. Ao estabelecer uma trégua bilateral, as duas potências reduzem o espaço de manobra para economias emergentes que vinham se beneficiando da rivalidade sino-americana, especialmente no setor agrícola e tecnológico.

O Brasil havia conseguido ampliar suas exportações de soja e minério de ferro durante os períodos de escalada tarifária entre Estados Unidos e China, tornando-se o principal fornecedor decommodities para o mercado chinês.

China pode voltar a comprar soja dos EUA

Essa vantagem, construída sobre a tensão alheia, começa a se dissolver com o novo pacto. Se a China voltar a comprar grandes volumes de soja dos Estados Unidos, como prometido por Trump, parte significativa da demanda que sustentava o superávit comercial brasileiro pode desaparecer em poucos meses.

Essa mudança tende a pressionar os preços internacionais e reduzir a margem de lucro do agronegócio brasileiro, que já enfrenta desafios logísticos e climáticos. O país pode ser forçado a buscar novos compradores em mercados menos rentáveis ou a aceitar condições menos favoráveis em contratos futuros. Por outro lado, a redução temporária das tarifas norte-americanas sobre produtos chineses enfraquece a competitividade de exportações brasileiras de manufaturados e semimanufaturados, sobretudo em setores como o aço, a celulose e os equipamentos elétricos.

O impacto, contudo, vai além do comércio de produtos primários. A suspensão chinesa das restrições às exportações de terras raras — insumos indispensáveis para a fabricação de baterias, turbinas e semicondutores — tem efeitos geopolíticos de longo alcance.

O Brasil, que vinha tentando atrair investimentos para desenvolver sua própria indústria de minerais críticos, perde tração diante da retomada de fluxos diretos entre os Estados Unidos e a China. O “alívio” temporário entre as potências posterga qualquer esforço global por diversificação de fontes de abastecimento e reforça o duopólio tecnológico sino-americano.

Acordo isola o Brasil

Do ponto de vista diplomático, o acordo de Busan isola o Brasil em um momento de redefinição das alianças internacionais. O país tem buscado equilibrar sua política externa entre os BRICS e a aproximação com Washington, mantendo-se fiel ao discurso do multilateralismo. No entanto, a trégua comercial bilateral enfraquece tanto o prestígio coletivo dos BRICS quanto a capacidade de mediação do Itamaraty. Enquanto Trump e Xi trocam concessões diretas, fóruns multilaterais como a OMC ou o G20 tornam-se, até certo ponto, meros observadores.

Outro efeito menos visível, mas igualmente preocupante, é o impacto sobre a transição energética. O Brasil vinha apresentando-se como potencial parceiro na produção sustentável de minerais estratégicos — como o nióbio e o lítio — em cooperação com a União Europeia e a Ásia. Entretanto, ao normalizar o fornecimento chinês de terras raras, o pacto reduz o incentivo global à diversificação de fornecedores, o que dificulta o avanço de cadeias latino-americanas de valor e atrasa a construção de um ecossistema industrial mais independente no hemisfério sul.

Para os Estados Unidos, o acordo representa uma vitória tática: obtém alívio no preço das matérias-primas e abre espaço político interno antes das eleições. Para a China, garante tempo para reorganizar sua produção e conter as reações às sanções ocidentais. Para o Brasil, porém, o resultado é menos animador. O país perde relevância como alternativa de abastecimento e vê sua posição comercial subordinada aos movimentos das duas superpotências.

Brasília precisa repensar sua estratégia

O cenário obriga Brasília a repensar sua estratégia internacional. Apostar apenas na diplomacia comercial, sem integração tecnológica e industrial, torna o país excessivamente dependente de fatores externos. O Itamaraty e o Ministério do Desenvolvimento precisarão articular uma agenda que combine política industrial verde, ampliação de acordos com a União Europeia (e/ou outros parceiros) e fortalecimento da cooperação regional. Caso contrário, o Brasil corre o risco de perder muita relevância no redesenho econômico global.

No curto prazo, o acordo de Busan reforça a estabilidade dos mercados e reduz as incertezas financeiras. Mas, a médio prazo, acentua o desequilíbrio estrutural do sistema internacional: as grandes potências decidem, e os demais países se adaptam.

Para o Brasil, o desafio será transformar sua posição periférica em influência propositiva — aproveitando o papel no G20 e nos BRICS para propor novas regras de governança comercial e tecnológica.

A cordialidade de Busan pode significar um alívio momentâneo para o comércio mundial, mas também um aviso para as economias emergentes. Enquanto Trump e Xi desenham sua própria ordem bilateral, países como o Brasil precisam escolher entre aceitar a marginalização ou investir em autonomia estratégica. O futuro da política externa brasileira dependerá da resposta a essa escolha.

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