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Um projeto de lei reacende o debate sobre a união homoafetiva no Peru

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Um projeto de lei reacende o debate sobre a união homoafetiva no Peru

Foi uma surpresa para a comunidade LGBTQ+ no Peru quando, em 20 de novembro, um comitê do congresso peruano aprovou um projeto de lei que legalizaria as uniões civis no país. A decisão deve agora ser debatida novamente no plenário, embora ainda não haja uma data específica para sua discussão.

O Peru é um dos únicos três países da América do Sul que não aprovaram nenhum mecanismo legal para a união homoafetiva. O atraso do Peru demonstra a força de um movimento antidireitos organizado, mas este projeto de lei reacende as exigências de uma comunidade que ainda busca o reconhecimento de seus direitos.

O projeto, proposto por congressistas da direita conservadora Martha Moyano (Fuerza Popular) e Alejandro Cavero (Avanza País), concederia aos casais homoafetivos direitos como propriedade conjunta, prioridade em decisões médicas, direitos de visita em presídios e inclusão na pensão do parceiro. Entretanto, reivindicações significativas como a alteração de estado civil ou a adoção não estão consideradas.

O congressista Cavero, que é abertamente gay, declarou em sua conta no X que esse é “um avanço fundamental na defesa da liberdade individual, da igualdade perante a lei e dos direitos de milhões de peruanos de construir seu próprio projeto de vida”. Contudo, a comunidade LGBTQ+ do Peru recebeu essa notícia com certa cautela.

Para Renato Velásquez, diretor-executivo da ONG de direitos LGBTQ+ Presente, a lei representa um progresso ao reconhecer direitos, mas “o projeto apresenta nuances que acabam sendo discriminatórias quando comparadas ao casamento”. A união civil cria um tratamento diferenciado para pessoas LGBTQ+ e, assim, perpetua o estigma contra casais homoafetivos.

Sobre esse assunto, a Ouvidoria Pública do Peru declarou que esse projeto de lei não era viável porque “não está em conformidade com os padrões internacionais de proteção de pessoas LGTBI”. Em 2018, a Corte Interamericana de Direitos Humanos emitiu uma opinião consultiva que incentivou os Estados a reconhecerem o casamento homoafetivo como um direito humano.

Famílias desprotegidas

Há cerca de 39 mil famílias homoparentais no Peru, as quais permaneceriam no limbo mesmo com a aprovação da lei, já que os pais ou as mães continuariam impossibilitados, por exemplo, de compartilhar a guarda dos filhos. A presidente da Associação de Famílias Homoparentais e Diversas do Peru, Mabel Aguilar, declara que “embora isso possa ser um avanço em certos aspectos, deixa-se de lado famílias que já têm filhos e que estão desprotegidas”.

Devido à falta de vontade política para legislar a favor de casais homoafetivos, a comunidade LGBTQ+ buscou outras formas de assegurar seus direitos por meio do sistema judicial. Por exemplo, em 2023, um tribunal em Lima julgou a favor de uma ação judicial movida por um casal de lésbicas e ordenou que o Registro Nacional de Identificação e Estado Civil (Reniec) reconhecesse seu casamento, realizado na Argentina.

A máquina conservadora responde

Em comparação a outros países da região, o Peru está muito atrasado na concessão de direitos e proteções às populações vulneráveis. Não somente o casamento homoafetivo foi negligenciado, mas também outras pautas sociais, como o direito ao aborto, foram deixadas de fora do debate público. “Somos o resultado de uma onda antidireitos muito potente”, afirma Velásquez, da Presente.

Para Rodrigo Gil, pesquisador do Instituto de Estudos Peruanos, um fator que explica essa situação é a consolidação de um movimento conservador bem organizado, composto por diversos agentes, como os elementos mais conservadores da Igreja Católica, as diversas igrejas evangélicas e também os participantes laicos que se opõem ao que entendem como um “sistema progressista” que busca impor na sociedade mudanças contrárias à sua ideologia. “É um ecossistema amplo e variado de forças pró-família, pró-vida e antissistema que estamos vendo em plena mobilização agora”, diz Gil.

Na última década, esse movimento organizou diversas manifestações contra a chamada “ideologia de gênero”. Além disso, estabeleceu uma forte presença no debate público e garantiu representação política em instituições-chave como o Congresso. Essa representação política é liderada pela Renovación Popular, um partido ultraconservador chefiado pelo atual prefeito de Lima, Rafael López Aliaga, que convocou seus apoiadores a se manifestarem “pela vida e família dos peruanos” após a aprovação do projeto de lei sobre a união civil pela Comissão de Justiça.

Essa manifestação, realizada em 7 de dezembro, foi parte de uma resposta coordenada e unificada, uma estratégia frequentemente empregada pelo movimento conservador no Peru. O movimento demonstrou grande capacidade de mobilização e influência em discussões nas redes sociais, nas quais contas anônimas espalham teorias conspiratórias e retórica homofóbica. Por exemplo, a Agência France-Presse (AFP) noticiou a presença de publicações em redes sociais espalhando informações falsas sobre a suposta aprovação de uma lei de casamento homoafetivo e que insultavam os legisladores que votaram a favor do projeto. “É uma máquina, um movimento antidireitos, antidemocrata, totalitário e autoritário com muitos recursos e aliados não somente no Peru, mas também internacionalmente”, explica Velásquez.

A ala mais visível desse movimento é seu aparato midiático, que inclui canais de televisão, estações de rádio, jornais e mídias digitais. “É realmente impressionante a habilidade do movimento conservador de se infiltrar em espaços midiáticos, principalmente após a pandemia”, diz Gil.

A estruturação desse movimento conservador coincidiu com um setor progressista que foi relativamente ineficaz na mobilização de assuntos como o casamento homoafetivo. Os progressistas perderam espaço para essa onda antidireitos. “É uma dinâmica dupla”, explica Rodrigo Gil. “Por um lado, há um movimento conservador muito forte ganhando espaço e, por outro, um movimento progressista que já realizou avanços significativos, mas que agora está estagnado e incapaz de reagir.”

A comunidade exige ser ouvida

Apesar de todos os obstáculos que o projeto de lei enfrentou até atingir o plenário, a chance de ser aprovado por legisladores conservadores permanece muito baixa. Para Mabel Aguilar, “é importante que os políticos compreendam que isso não é sobre posicionamento de esquerda ou de direita, é sobre legislar a favor dos direitos das pessoas”. Renato Velásquez reconhece que, embora certamente haja esperança dentro da comunidade LGBTQ+ em relação a esse projeto de lei, há também “a decepção de que, no fundo, ainda continuamos sendo discriminados”.

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