Ad image

Uma aposta ideológica: o caso Taurus e o preço da política nos negócios

11 Min Read
Uma aposta ideológica: o caso Taurus e o preço da política nos negócios

No mundo corporativo, a relação com o poder político é uma dança delicada de risco e oportunidade. Para a Taurus Armas S.A., a gigante brasileira da indústria armamentista, a ascensão de Jair Bolsonaro em 2018 pareceu ser o alinhamento perfeito dos astros. Uma plataforma política que celebrava o armamento civil como um direito fundamental prometia não apenas expandir o mercado doméstico, mas também legitimar a própria empresa.

O resultado foi uma era de ouro, com lucros que dispararam e uma influência sem precedentes em Brasília. Contudo, a mesma aliança ideológica que impulsionou a Taurus a patamares financeiros inéditos continha o germe do que pode provocar sua ruína.

Uma aposta arriscada: a aliança com o Bolsonarismo

Antes da ascensão de Bolsonaro, a Taurus enfrentava uma crise de reputação e financeira por mais de uma década. Problemas de qualidade em seus produtos levaram a uma desconfiança generalizada. Nesse contexto, a candidatura de Bolsonaro, com seu gesto onipresente de “arminha” e a promessa de flexibilizar o Estatuto do Desarmamento, foi vista como uma grande oportunidade.

A reação do mercado foi imediata. Entre agosto e outubro de 2018, as ações da empresa valorizaram mais de 250%, um movimento especulativo que ficou conhecido como o “Prêmio Bolsonaro”. Os investidores não precificavam os fundamentos da empresa, ainda endividada, mas a promessa de um futuro desregulado.

No entanto, por baixo da euforia, jazia uma contradição fundamental. Os Bolsonaros nunca foram defensores da Taurus, mas sim do acesso a armas. Parte de seu discurso era a crítica à qualidade dos produtos da empresa e ao monopólio prejudicial. Jair Bolsonaro prometeu que iria “acabar com o monopólio” da Taurus, abrindo o mercado para concorrentes internacionais. O próprio Eduardo Bolsonaro atuou fazendo lobby pela instalação da alemã SIG Sauer no país”.

A Taurus, portanto, não firmou uma parceria estável, mas fez uma aposta de alto risco: a de que os benefícios de um mercado doméstico massivamente expandido superariam a ameaça de uma concorrência internacional.

A era de ouro: desregulamentação, lobby e lucros

Com a posse de Bolsonaro em 2019, a aposta da Taurus pareceu se pagar magnificamente. O governo iniciou um desmantelamento do controle de armas através de dezenas de normas, que, na prática, criaram um vasto mercado consumidor. As mudanças foram profundas: a validade dos registros foi estendida, o porte foi facilitado e, crucialmente, os limites de energia cinética para armas de uso permitido foram elevados.

Essa alteração técnica legalizou a venda para civis de calibres antes restritos às forças de segurança, como 9mm,.40 e.45 ACP, e até mesmo fuzis semiautomáticos. A própria Taurus afirmava que havia havia uma fila de espera de 2.000 clientes pelo seu fuzil T4. O número de armas de fogo em poder de Colecionadores, Atiradores Desportivos e Caçadores (CACs) explodiu, triplicando para mais de 1 milhão em quatro anos, criando uma demanda que a Taurus estava pronta para suprir.

Os resultados financeiros refletiram essa bonança. O lucro líquido da empresa saltou de R$ 307 milhões em 2018 para um recorde de R$ 1,3 bilhão em 2021. A receita líquida consolidada acompanhou o ritmo, passando de R$ 1 bilhão em 2019 para R$ 2,74 bilhões em 2021. Esse período permitiu a redução de sua dívida e o fortalecimento de sua posição financeira.

Esse sucesso foi ativamente construído por um dos mais eficazes esforços de lobby em Brasília. Entre 2019 e 2022, os contratos da Taurus/CBC com o governo federal saltaram para R$ 664,9 milhões, um aumento exponencial em relação aos R$ 34,8 milhões acumulados nos sete anos anteriores.

O lobista da empresa, Rafael Mendes de Queiroz, participou de 46 encontros oficiais com o governo, a maioria com a Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados (DFPC) do Exército, o órgão regulador do setor. Em um movimento que evidencia a profundidade das conexões, o pai do lobista, um capitão da reserva que havia trabalhado na própria DFPC, foi nomeado para um cargo no Comando Logístico do Exército (COLOG), órgão que supervisiona a DFPC. Análises mostram que pelo menos 16 desses encontros de lobby ocorreram em semanas cruciais, quando o governo publicou normas que atendiam diretamente às demandas do setor.

Com a eleição de Lula, o controle voltou a ser muito mais restrito, o que causou uma queda nos lucros da empresa, mas que o CEO acreditava ser momentânea. O lobby seguia ativo no novo governo e o próprio CEO, Salésio Nuhs, era recebido por integrantes do governo.

O risco geopolítico: a dependência do Fator Trump

A estratégia da Taurus, tão bem-sucedida no ambiente doméstico, demonstrou uma notável falta de previsão no cenário internacional. A empresa cometeu o erro de confundir um alinhamento político com uma aliança estratégica incondicional.

Em fevereiro de 2025, Salesio celebrou a vitória de Trump, descrevendo seu discurso como “energizante” e prevendo um crescimento de até 15% no mercado americano. Na mesma ocasião, expressou o desejo de que o presidente Lula não fosse reeleito no Brasil, solidificando um posicionamento político da empresa. Foi uma aposta explícita, um endosso público que atrelava o futuro da companhia à sorte de um movimento político.

A aposta se provou ruinosa. Em julho, Trump anunciou a imposição de uma tarifa punitiva de 50% sobre todos os produtos brasileiros. O ponto crucial foi a justificativa: a medida não era econômica ou comercial, mas explicitamente política. Não havia espaço para negociação. Trump e seus aliados ligaram o “tarifaço” diretamente ao julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, investigado por uma suposta tentativa de golpe de Estado.

A própria família Bolsonaro, através de seu intenso lobby junto à direita americana, ajudou a criar o pretexto que seria usado contra o país e prejudicaria um de seus principais aliados corporativos. Mesmo quando foi divulgada uma relação de produtos que ficaria de fora, ficou evidente que os interesses da empresa não era uma preocupação para os envolvidos. Anos de investimentos em lobby e doações para campanhas de políticos tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos não foram suficientes para proteger a empresa.

As consequências da aposta: impacto financeiro e operacional

O impacto do “tarifaço” foi imediato e devastador. As ações da empresa, que já vinham em queda, colapsaram, acumulando uma perda de mais de 26%. Salesio, que meses antes celebrava Trump, agora soava o alarme, declarando que a tarifa significava a “inviabilidade total” da operação brasileira.

A empresa foi forçada a tomar medidas drásticas. Anunciou a transferência da montagem de sua principal linha de produtos para sua fábrica nos EUA. Em seguida, suspendeu parte da produção e colocou funcionários em férias coletivas. A ameaça de uma desindustrialização completa tornou-se real, com Nuhs alertando que a manutenção da tarifa poderia forçar a transferência de toda a operação, resultando na perda de até 15.000 empregos diretos e indiretos.

Mesmo com a crise sendo abertamente vinculada à pressão política exercida pelo clã Bolsonaro em Washington, Salesio seguia adotando uma narrativa pública que buscava isentar seus aliados ideológicos. Em declarações, ele atribuiu a crise à “inabilidade” e “falta de competência” do governo Lula nas negociações diplomáticas.

Contudo, a dura realidade econômica impôs um pragmatismo desesperado. O mesmo executivo que antes celebrava a “energia” de Donald Trump e expressava seu desdém pela possibilidade de reeleição de Lula, viu-se obrigado a abandonar a ideologia em favor da sobrevivência. Com a empresa à beira do colapso, Nuhs passou a “bater à porta do governo Lula”, buscando desesperadamente a ajuda do Vice-Presidente Geraldo Alckmin para intermediar uma solução com o governo americano, que segue sendo boicotada por aliados de Bolsonaro.

Uma Lição Cautelar

A trajetória da Taurus não é um caso isolado, mas um arquétipo dos perigos que empresas em setores politicamente sensíveis enfrentam. A interação entre empresas e política é uma realidade inescapável, mas deve ser abordada com uma rigorosa análise de risco, não como um ato de fé.

O erro fundamental da Taurus foi criar uma concentração de risco inaceitável, atrelando seu destino a um movimento político. No final, o preço dessa aposta foi pago pelos stakeholders da empresa. Os acionistas viram o valor de seu investimento despencar, e os trabalhadores enfrentam a ameaça imediata do desemprego.

A trajetória da Taurus demonstra que a lógica do capital, no longo prazo, é impiedosa com estratégias que priorizam a ideologia sobre a prudência. O caso serve como uma lição cautelar para o mundo corporativo: alianças políticas podem oferecer lucros de curto prazo, mas a verdadeira sustentabilidade reside em uma governança que transcende a polarização e se ancora em fundamentos econômicos sólidos e em uma gestão de riscos diversificada e apolítica.

Share This Article
Sair da versão mobile