A escritora Ana Maria Gonçalves se tornou a primeira mulher negra a ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil, usada com permissão
No dia 10 de julho de 2025, a Academia Brasileira de Letras (ABL) anunciou que havia eleito a primeira mulher negra como membro em seus 128 anos de história. A mulher que rompeu barreiras para tornar-se uma ‘‘imortal’’ — como são chamados os membros da instituição, já que sua filiação é perpétua — é Ana Maria Gonçalves, uma escritora de 55 anos nascida em Minas Gerais, mais conhecida pelo romance histórico e best-seller “Um defeito de cor”.
Criada em 1897, pouco tempo depois de o Brasil tornar-se uma república, a Academia é uma organização sem fins lucrativos dedicada a “cultivar o idioma e a literatura nacionais”, conforme consta em seu site. Atualmente, possui 40 members ativos e 20 associados estrangeiros.
Apesar do fato de o Brasil ser um país miscigenado com uma população composta em mais da metade por mulheres e onde a maioria se auto-identifica como afro-descendente (pessoas de etnia preta e parda, de acordo com a metodologia utilizada pelo censo nacional), os assentos da instituição nem sempre refletiram a verdadeira composição de seu povo.
Apenas 13 mulheres foram eleitas para a Academia ao longo de sua história. A primeira foi a autora Rachel de Queiroz, em 1977, um ano após o fim da proibição da associação de mulheres. Gonçalves é a integrante mais recente, e ela se junta a outras cinco mulheres que já fazem parte da Academia. Ela sucede o gramático e filólogo Evanildo Bechara, falecido em maio deste ano.
Em 2018, outra escritora de Minas Gerais, Conceição Evaristo, apresentou sua candidatura e chegou perto de se tornar a primeira mulher negra a conquistar uma cadeira na Academia. O cineasta Cacá Diegues, um homem branco, acabou sendo eleito em seu lugar.
A respeito da importância da eleição de Gonçalves, o presidente da ABL, Merval Pereira, dirigiu-se à Academia, dizendo que a sua indicação ajudava a ‘‘demonstrar que a ABL visa o aumento de sua representatividade com relação a gênero, raça e quaisquer outros fatores que representam a cultura brasileira.’’
Queremos ser reconhecidos como uma instituição cultural que represente o Brasil, a diversidade brasileira. Ela aumenta nossa vontade de estar sempre presente nos movimentos sociais relevantes.
Gonçalves disse que a literatura foi uma espécie de lente que lhe apresentou o mundo e a possibilidade de conhecer diferentes culturas, e ressaltou:
Que eu não seja a única mulher negra. Mais do que a representatividade que o momento pede, é importante a produção de presença. Isso que gostaria de fazer também dentro da ABL. Estou chegando, conhecendo e tentando me entender com os colegas e como a Academia funciona. Me encanta muito a possibilidade de trabalhar institucionalmente pelo livro, num país onde perdemos leitores.
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A obra da autora
Gonçalves é romancista, roteirista e dramaturga, além de ministrar cursos de escrita criativa.
Sua obra mais conhecida é o romance histórico “Um defeito de cor,” eleito um dos melhores livros brasileiros do século XXI por um júri convidado pelo jornal Folha de S. Paulo, em maio de 2025. Publicado pela primeira vez em 2006, teve mais de 150.000 cópias vendidas e chegou à sua 41ª reimpressão. Em 2024, serviu de inspiração para o tema do desfile da Portela, uma das principais escolas de samba do carnaval do Rio de Janeiro.
Ao longo de 951 páginas, que levaram cinco anos de pesquisa e escrita, Gonçalves conta a história de Kehinde, uma mulher africana nascida no reino de Daomé (renomeado como Benin em 1975), que é capturada aos oito anos de idade e traficada para o Brasil para ser escravizada. O livro percorre toda a sua vida, incluindo desilusão, sofrimento, histórias de amor, a busca por um filho, sua religiosidade e como ela se volta para a fé e conquista a sua liberdade.
A personagem é supostamente baseada em uma figura histórica real, Luísa Mahin, sobre a qual há poucos registros históricos, conforme reportado pela DW Brasil. Acredita-se que Mahin tenha feito parte de levantes e revoltas históricas dos escravizados durante o período colonial no Brasil do século XIX como, por exemplo, a Revolta dos Malês, que juntou africanos escravizados, incluindo muçulmanos, lutando pela abolição na Bahia, em 1835. Também acredita-se que Mahin seja a mãe de Luís Gama, quem mais tarde se tornaria uma importante figura abolicionista no país.
Gonçalves chamou seu livro de ‘‘história real romanceada,’’ em entrevista para o portal de notícias G1:
‘‘Um Defeito de Cor’’ é a história da luta preta no Brasil incorporada em uma mulher que enfrentou os maiores desafios imagináveis pra continuar viva e preservar suas heranças e raízes.