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Uma visão da ‘Economia Donut’: Por que a solução da crise planetária depende do crescimento no Sul Global

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Uma visão da ‘Economia Donut’: Por que a solução da crise planetária depende do crescimento no Sul Global

Faltando um pouco mais de um mês para a COP 30, a comunidade internacional lançou dois importantes relatórios que alertam sobre os rumos eco-sociais para o qual o mundo tem caminhado, e que vão além “apenas” da mudança climática. Os dados não são animadores, e o alerta é: precisamos olhar para as outras áreas ambientais que sustentam a vida na Terra.

No final de setembro os pesquisadores do Instituto Potsdam para Pesquisa sobre o Impacto Climático (PIK), que analisam os processos essenciais para a manutenção do equilíbrio ambiental do planeta, divulgaram o último estudo no qual o planeta Terra já ultrapassou 7 dos 9 limites planetários.

Os Limites Planetários (PBs) são as fronteiras delimitadas por cientistas do Stockholm Resilience Centre para entender e quantificar os limites ambientais dentro dos quais a humanidade pode prosperar com segurança. Desenvolvido para definir o ‘Espaço Operacional Seguro’, o arcabouço dos Limites Planetários identifica os nove processos cruciais do sistema Terra que são essenciais para manter a estabilidade, a resiliência e as funções de suporte à vida do nosso planeta.

Limites Planetários 2025:

/ Fonte: Azote for Stockholm Resilience Centre, CC BY

Os limites já ultrapassados são as mudanças no uso da terra do planeta; as mudanças climáticas; a Biodiversidade; o ciclo do nitrogênio e fósforo; o uso de água doce; a poluição química por compostos como microplásticos e, agora mais recentemente, a acidificação dos oceanos. Os detalhes de cada um estão no relatório Planetary Health Check 2025.

Só que não são apenas as questões ambientais que precisam da nossa atenção. Para completar essas lentes, e incluir o aspecto social nessa nossa avaliação sobre a saúde eco-social do planeta, no início de outubro foi publicada pela revista Nature a atualização do framework da chamada Economia Donut, que trouxe o alerta: o mundo está desequilibrado tanto nas dimensões ambientais, como nas sociais.

Mas o que é Economia Donut? E por que é importante trazermos nossas lentes para esse novo modelo que vem alertando o mundo tanto sobre nossas questões sociais como ambientais?

A Economia Donut, desenvolvida pela economista Kate Raworth, oferece uma visão alternativa de prosperidade equilibrada no século 21. Ela atua como uma estrutura visual, baseada em dois anéis concêntricos que definem o espaço seguro e justo para a humanidade.

O modelo é definido por:

  1. Fundação Social (Anel Interno): Representa as necessidades humanas básicas, como saúde, educação, água, energia e igualdade. Quando as pessoas ficam aquém dessa fundação, ocorre o que é chamado de déficit social crítico.

  2. Fundação Ecológica (Anel Externo): Baseado nos limites planetários em temas como mudanças climáticas e perda de biodiversidade. A violação deste teto resulta em um excedente ecológico crítico para a sustentação da vida na Terra.

Framework da Economia Donut:

/ Fonte: Doughnut Economics

O objetivo central deste modelo é que a humanidade possa prosperar, vivendo entre os dois anéis, no Espaço Seguro e Justo. O conceito tradicionalmente busca a sustentabilidade, sugerindo que as sociedades devem mudar o foco do crescimento econômico para o equilíbrio eco-social.

A primeira publicação do Donut com o selfie do planeta (retrato com a avaliação das dimensões) foi em 2012, e treze anos depois a atualização dos dados nos mostram que o mundo está persistentemente em desequilíbrio e tem falhado em operar dentro do Espaço Seguro e Justo.

Situação global atual de déficit e excesso no Donut dos limites sociais e planetários:

/ Fonte: Raworth e Fanning (2025)

Os excedentes ecológicos, como já vimos acima, são os sete limites planetários que foram ultrapassados e que mostram tendências de aumento de pressão. O modelo de Economia Donut estabelece sua crítica ao modelo econômico dominante, que é orientado para um crescimento econômico ilimitado. Um exemplo seria o foco no Produto Interno Bruto (PIB) como principal métrica de progresso. Para a filosofia Donut, isso é perigoso porque, além de falhar em não olhar as privações humanas, ignora a realidade de que a humanidade opera dentro de um teto ecológico finito.

Além disso, o atual gráfico da Economia Donut (2025) nos mostra que o déficit social persiste, o que mostra que uma parcela significativa da população global ainda vive em carência social. Este déficit abrange todas as dimensões da chamada Fundação Social. Nelal, indicadores como “voz política”, “paz” e “justiça” foram os mais mal avaliados.

Segundo Raworth e Fanning, apesar de ter havido progresso entre 2000 e 2022, a taxa mediana de melhoria social foi de apenas 0,5 pontos percentuais (pp) por ano, um ritmo considerado muito lento, que exigiria taxas de melhoria 2,8 vezes mais rápidas para eliminar o deficit social até 2030. A análise dos dados de 2022 mostra que persistem grandes desafios, especialmente em Renda e Trabalho, com cerca de 85% da população global vivendo abaixo da linha de pobreza social.

Disparidades ecológicas e sociais

Combinando as duas dimensões – ecológicas e sociais – os pesquisadores revelam a disparidade dramática entre a responsabilidade ecológica e a privação humana. O estudo prova que os países mais ricos, as nações com maior Renda Nacional Bruta (RNB), representando os 20% mais ricos da população, são responsáveis pela maior parte do excedente ecológico global.

E os países com RNB mais baixa, que representam os 40% mais pobres da população, carregam o maior fardo da carência social, apesar de contribuírem muito menos para o excedente ecológico. Este contraste é a base empírica para a trazer as lentes do Donut com um olhar diferenciado para o Sul Global.

Contudo, a premissa de sustentabilidade e decrescimento proposta pela Economia Donut encontra críticas dentro do nosso contexto Sul Global. Um contexto que é bem diferente do Norte Global, como argumentam os pesquisadores Muhammad Osmar Khan e James Balzer, em recente publicação com o artigo Reimagining doughnut economics for the Global South. Eles defendem que um salto repentino para um modelo “pós-crescimento” pode negligenciar as necessidades essenciais de desenvolvimento, impedindo que o Sul Global alcance suas fundações sociais

Objetivo ainda distante

Para nações com baixo PIB que ainda precisam atender às necessidades básicas de sua população, alcançar o ponto de equilíbrio, segundo o conceito da Economia Donut, é um objetivo distante. Portanto, eles sugerem que o Sul Global deve reinterpretar o Donut como um processo de duas etapas:

  1. Crescimento Justo: Primeiro, deve haver um foco no crescimento econômico decente para abordar as necessidades básicas e construir as dimensões sociais. Países do Sul Global não partem da mesma linha de base do Norte Global; eles devem primeiro construir fundamentos sociais e reduzir a pobreza. Alguns exemplos: no contexto Sul Global, 85% das pessoas na África Subsaariana ainda não têm acesso à eletricidade. No Brasil, ainda existem 28,5 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar, sendo 7,1 milhões em nível grave, segundo relatório da FAO 2025.

  2. Fase de Estabilização: Somente após atingirem as dimensões sociais, eles devem se mover em direção à fase pós-crescimento e estabilização.

O desenvolvimento no Sul Global deve se alinhar a uma Economia Regenerativa e Distributiva e incluir indicadores baseados em práticas culturais, que incluem por exemplo as tradições indígenas – que promovem a suficiência em vez do crescimento infinito, focando na equidade e redistribuição da riqueza – e a visão da juventude como catalisador de práticas culturais tradicionais com tecnologia sustentável.

Diante do apresentado, fica evidente que a atualização contínua dos Limites Planetários (PBs), evidenciada no relatório Planetary Health Check, é de grande importância crítica, pois serve como um guia científico que rastreia a estabilidade da Terra e confirma que estamos persistentemente no caminho do risco crescente, com a transgressão de sete dos nove limites.

Já a Economia Donut pode ser uma alternativa de estrutura norteadora, que transforma esse diagnóstico em um imperativo de ação, oferecendo uma visão de como prosperar com equilíbrio no século 21 ao enquadrar as questões sociais para um desenvolvimento seguro e justo. Sem esquecer jamais as questões do Sul Global, uma vez que para muitas dessas nações alcançar a fundação social ainda é um objetivo distante.

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