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Vácuo de poder dos EUA nas Américas é oportunidade única para Brasil se consolidar como potência do Hemisfério Sul

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Vácuo de poder dos EUA nas Américas é oportunidade única para Brasil se consolidar como potência do Hemisfério Sul

Os Estados Unidos estão remodelando a dinâmica geopolítica da América Latina de maneira agressiva e caótica. A intermitente ameaça de imposição de tarifas de 25% sobre as importações do México compromete décadas de integração econômica e agrava tensões comerciais na região. Simultaneamente, a pressão sobre o Panamá para reduzir a influência chinesa no Canal resultou na venda de portos estratégicos a empresas norte-americanas, levantando preocupações sobre a soberania panamenha e a estabilidade das relações internacionais.

Na Colômbia, a política arancelária punitiva de Washington e a retenção de ajuda da USAID impactaram diretamente a economia, impulsionando transformações políticas e sociais e criando obstáculos significativos para a justiça transicional e o desenvolvimento comunitário. Essas ações evidenciam uma estratégia transacional e coercitiva nas relações regionais, colocando o Brasil diante de uma encruzilhada histórica: ou assume uma posição de liderança na América Latina e redefine seu papel no sistema internacional, ou corre o risco de ver sua relevância estratégica reduzida.

O vácuo de poder criado pelo desinteresse norte-americano em fortalecer o multilateralismo na região oferece ao Brasil uma oportunidade rara de se consolidar como potência hegemônica no hemisfério sul. Historicamente, a América Latina foi tratada pelos EUA como uma extensão de sua esfera de influência, sujeita a intervenções econômicas e políticas conforme os interesses de Washington. No entanto, a fragmentação da ordem internacional e a ascensão de novas potências mudaram, ainda que pouco, esse paradigma. Como maior economia da região, nosso país tem capacidade e obrigação de estruturar uma nova arquitetura de poder baseada na autonomia regional e no pragmatismo diplomático.

Alto grau de fragilidade nas relações bilaterais

A teoria do equilíbrio de poder sugere que, quando uma potência dominante enfraquece sua presença em determinada região, outras forças emergem para preencher essa lacuna. O Brasil deve se posicionar estrategicamente para evitar que esse espaço seja tomado por atores externos com agendas incompatíveis com os interesses latino-americanos. A geopolítica contemporânea é caracterizada pela multipolaridade, e o Brasil precisa compreender que sua inserção no sistema internacional depende de sua capacidade de construir coalizões e exercer influência de forma ativa.

Os ataques de Trump ao México evidenciam a fragilidade das relações bilaterais quando não há uma estratégia coletiva de negociação. Devemos aprender com esse erro e promover uma integração econômica robusta que reduza a dependência da região dos mercados norte-americanos. A imposição – ou ameaça de imposição constante – de tarifas demonstra que a Administração Trump não hesitará em punir aliados tradicionais para garantir vantagens comerciais unilaterais. Para evitar um destino semelhante, o Brasil precisa reforçar regionalmente o Mercosul e, de forma mais ampla, o BRICS+, para ampliar parcerias estratégicas com outros blocos, como a União Europeia e a China.

A decisão de expulsar a Chevron da Venezuela também abre um espaço que o Brasil pode e deve ocupar. A demanda energética global continua crescendo, e a instabilidade venezuelana cria uma lacuna de fornecimento que poderia ser preenchida pelo pré-sal brasileiro. Ao invés de depender das oscilações da política norte-americana em relação ao petróleo latino-americano, devemos consolidar nosso país como um fornecedor confiável e estratégico de energia para mercados emergentes e tradicionais. Essa posição fortaleceria nossa influência global e reduziria nossa vulnerabilidade a pressões externas. O conceito de “segurança energética” é fundamental para compreender a importância desse movimento, pois garantir o suprimento estável de energia é uma prioridade geopolítica para qualquer nação relevante no cenário internacional.

Reconfiguração das rotas comerciais

Outro elemento central desse novo tabuleiro geopolítico é a reconfiguração das rotas comerciais. A ascensão da China como parceiro econômico fundamental da América Latina e a criação de novos corredores logísticos, como o porto de Chancay no Peru, estão redesenhando o fluxo do comércio internacional e nosso país não pode ignorar essas mudanças.

A diversificação das exportações e o aproveitamento dessas novas infraestruturas permitirão ao país reduzir sua dependência dos portos norte-americanos e europeus, garantindo maior flexibilidade comercial. Essa adaptação é necessária estrategicamente para preservar sua soberania econômica. A teoria da interdependência complexa, proposta por Robert Keohane e Joseph Nye, é crucial nesse contexto, pois demonstra que, em um mundo globalizado, o poder econômico está diretamente ligado à capacidade de adaptação às mudanças nas redes de comércio.

Além das dimensões comerciais e energéticas, a disputa pelo controle narrativo também é um elemento-chave do poder global. O recente impacto do filme “Ainda Estou Aqui” no debate público brasileiro mostra que a cultura e a memória histórica desempenham um papel fundamental na definição da identidade nacional e de sua posição no cenário internacional. A projeção de soft power brasileiro precisa ir além do futebol e do carnaval para se consolidar como um instrumento de influência política real.

A impunidade histórica da ditadura brasileira e a relutância do país em revisar seu passado minam sua credibilidade como defensor dos direitos humanos. É necessário decidir se desejamos permanecer como um ator marginal nesse debate ou se queremos transformar nossa experiência histórica em um pilar de nossa própria projeção diplomática. Assumir uma postura ativa na defesa da justiça transicional e da memória histórica fortaleceria nossa legitimidade internacional e ajudaria a criar um contraponto ao avanço de discursos revisionistas e autoritários na América Latina.

O momento exige que o Brasil abandone qualquer ilusão de que poderá manter uma postura passiva diante das mudanças globais. A fragmentação diplomática latino-americana e os novos movimentos políticos na Organização dos Estados Americanos indicam claramente que os velhos mecanismos de influência não são mais suficientes. Se não assumimos a liderança nesse vácuo, outra potência o fará – seja a China, seja um conglomerado de interesses norte-americanos ou europeus disfarçados de iniciativas regionais.

A política externa brasileira precisa ser orientada por realismo estratégico. Grosso modo, isso significa abandonar a dependência excessiva de qualquer potência externa e adotar uma postura pragmática que maximize os interesses nacionais. Temos os recursos naturais, a capacidade industrial, ainda que melhorável, e a influência política regional necessários para redefinir nossa posição na ordem internacional. O que falta é a decisão de agir.

A América Latina está à deriva, e a hesitação do Brasil em ocupar o espaço deixado pelos EUA pode custar caro. O momento de construir alianças, fortalecer blocos regionais e consolidar sua influência é agora. O jogo de poder global não espera por indecisos. O Brasil pode ser protagonista ou um espectador irrelevante. A escolha está posta.

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