O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, e o seu ministro do Interior, Diosdado Cabello, consideram como altamente provável que os Estados Unidos possam atacar regiões do território venezuelano que Washington alega estarem vinculadas ao tráfico internacional de drogas, de acordo com relatos recentes. Além disso, análise de documentos públicos da Forças Armadas da Venezuela mostram que as atuais ações americanas estão ocorrendo exatamente como o governo do país bolivariano previa para um início de conflito armado.
Após os controvertidos ataques de drones a barcos venezuelanos no Caribe, no início deste mês, Maduro descreveu as relações bilaterais entre os dois países como desechas – ou desfeitas, rompidas –, sinalizando a seriedade da situação. No dia seguinte, o enviado de Donald Trump, Richard Grenell, disse acreditar que ainda é possível “evitar uma guerra”. O uso do termo “guerra”, por si só, já chama a atenção. Os dois países não têm relações formais desde 2019, embora ainda mantenham canais diplomáticos.
Queda de Maduro e controle do petróleo
De fato, no cenário geopolítico atual, a hipótese de uma guerra entre EUA e Venezuela não pode ser descartada. Especialmente depois que Trump rebatizou seu Departamento de Defesa como Departamento de Guerrapara enfatizar a disposição americana de “atacar e dominar” seus supostos “inimigos”.
A possibilidade de uma operação contra a Venezuela condiz com a linguagem usada no passado pelo próprio presidente Trump, em seu primeiro mandato. Em 2019, ele afirmou que “todas as opções estão sobre a mesa”, insinuando a possibilidade de uma intervenção para derrubar Maduro e substituí-lo pelo seu opositor Juan Guaidó, que na ocasião havia se autoproclamado presidente interino do país.
A empreitada de Guaidó não prosperou e foi dissolvida no fim de 2022. Pouco depois, em 2023, Trump afirmou, durante um comício na Flórida, que seu governo esteve a ponto de se apoderar do petróleo venezuelano como resultado das sanções draconianas que seu governo aplicou ao país durante o episódio de Guaidó. “Quando eu saí [do governo], a Venezuela estava prestes a entrar em colapso”, disse Trump a correligionários. “Se eu tivesse sido reeleito, nós teríamos assumido o controle e ficado com todo aquele petróleo. Seria ótimo”, afirmou.
Essa perspectiva histórica reforça a gravidade da atual escalada militar no Caribe. A retórica de americana contra o governo do país que possui a maior reserva de petróleo do mundo é anterior ao golpe de 2002, quando Hugo Chávez foi brevemente removido do poder por militares e civis parcialmente financiados pelos Estados Unidos.
No ano seguinte, o General James T. Hill, comandante do Comando Sul dos EUA à época, declarou ao Congresso americano que a Venezuela, junto com Bolívia e Haiti, representava “a maior ameaça aos interesses americanos na região”.
Entrada pela Colômbia
Também nessa época, os EUA criaram o chamado Plano Colômbia, em parceria com o governo do presidente Andrés Pastrana e intensificado sob George W. Bush. O plano, que entrou em vigor no ano 2000, significou uma assistência militar maciça e cooperação de inteligência entre os dois países, o que permitiu aos EUA instalar bases militares próximas à fronteira com a Venezuela.
É desse contexto geopolítico conturbado que vem o embrião da atual doutrina de defesa militar no país de Nicolás Maduro. Esta doutrina enfatiza a defesa territorial do país a partir de uma perspectiva “integral”, isto é, tomando em consideração as inúmeras possibilidades de “guerra híbrida” que poderia ser promovida pelos EUA, com apoio da Colômbia.
As possíveis fases de uma escalada bélica
Essa concepção estratégica enfatiza o uso de métodos de guerra psicológica contra a Venezuela como o estágio anterior ao da guerra em si. Os manuais de preparação das Forças Armadas venezuelanas destacam a pressão diplomática, intimidação política, propagação de desinformação, isolamento internacional e ataques cibernéticos como parte do primeiro passo de uma ampla estratégia desenhada para debilitar a confiança e a moral do governo de Maduro internamente e frente à opinião pública internacional.
Todos esses passos correspondentes a uma possível agressão são descritos em documentos públicos do Comando Estratégico Operacional da Força Armada Nacional Bolivariana (FANB), que eu analiso em minha pesquisa sobre a evolução histórica desta instituição.
Os documentos preveem que o chamado “período de crise”, que antecederia uma guerra, seria marcado por um incremento paulatino das agressões (como as que já estão ocorrendo), inclusive com a possibilidade de um “golpe aéreo limitado”. Isto poderia ser entendido com os ataques a mísseis realizados com drones nos últimos dias. Outros possíveis alvos poderiam incluir “operações cirúrgicas” para destruir pistas de pouso usadas por aviões de traficantes. A mobilização militar americana na região, que inclui o uso de pelo menos cinco caças F-35, sete navios de guerra e um submarino de propulsão nuclear, além de 4 mil a 5 mil tropas, embora não seja suficiente para levar a cabo uma invasão total, permitira operações como estas, dentro do território venezuelano.
A fase seguinte, segundo as previsões da FANB, consistiria em uma ameaça bélica explícita e o início de um bloqueio militar à Venezuela, dando início a uma guerra propriamente dita.
Prováveis cenários
Ainda não se sabe se os recentes ataques e ameaças americanas constituem ou não um pretexto para o início de um conflito bélico de maior escala. Mas o contexto explica por que o governo de Maduro descreve o momento atual não mais como uma nova “tensão” com os EUA, e sim uma “agressão” contra seu país. No momento, toda a estratégia defensiva bolivariana está assentada sobre essa premissa.
Não por acaso, Maduro anunciou, no último dia 11 de setembro, o lançamento do Plano Independência 200, que terá a participação da Força Armada Nacional Bolivariana e dos Corpos Combatentes da Milícia Nacional Bolivariana em 284 frentes de batalha, a fim de garantir, segundo ele, “a independência e a paz” do país. Nesta última quarta-feira, dia 17 de setembro, o governo anunciou que promoverá uma série de exercícios militares no mar do Caribe, com a participação de mais de 2,5 mil soldados, 12 navios de guerra e 22 aeronaves.
A preocupação venezuelana encontra eco pelo mundo. São inúmeros os questionamentos sobre as ações americanas nas águas do Caribe. Eles incluem dúvidas sobre as alegações de que os barcos alvejados transportavam drogas destinadas aos EUA, sendo que é notório que a maior parte do fluxo de drogas da América do Sul para os EUA não utiliza o Caribe, e sim o Pacífico. Além disso, apenas 5% do fluxo de droga da Venezuela se destinam ao vizinho do norte, pois a maior parte segue para a Europa. Tudo isso apenas reforça as suspeitas de que pode haver motivos ulteriores para as hostilidades.
Suspeitas que aumentaram no último dia 17 de setembro, quando Trump anunciou que excluiu justamente a Colômbia – tradicional aliado dos EUA na chamada “guerra às dorgas”, mas atualmente governada pelo presidente esquerdista Gustavo Petro – da lista de países “confiáveis”, aptos a receber subsídios americanos para o combate ao narcotráfico. Desde os anos 90, a Colômbia lidera a lista dos mais beneficiados por tal financiamento, e a perda destes recursos terá impactos na economia do país. Por ora, os aliados de Trump na região são Nayib Bukele, presidente de El Salvador, e Rafael Noboa, do Equador, líderes da direita populista mais alinhados ideologicamente com o governo Trump. Mudam os aliados, mas continua a estratégia de cerco à Venezuela.
Haverá guerra?
Até agora, assumia-se que o maior risco de conflito na região seria um enfrentamento mais ou menos convencional entre Venezuela e Colômbia. Sob Chávez, as Forças Armadas venezuelanas passaram por um período de expansão, modernização e aquisição de equipamentos para fazer frente a esta ameaça.
O forte reforço militar americano no Caribe eleva as possibilidades de um outro cenário, ainda mais preocupante, para os regime bolivariano: um conflito assimétrico – por mais difícil que seja, no momento, imaginar tal cenário.
Porém, os acontecimentos recentes de fato condizem com os cenários de escalada de conflito com os quais a Força Armada Venezuelana trabalha há muitos anos.
Não surpreende, portanto, que tenham acendido o sinal de alarme em Caracas.