O programa Caminhos da Reportagem que vai ao ar nesta segunda-feira (16), às 23h, na TV Brasil, traz depoimentos impactantes de mulheres que sofreram e sofrem as marcas da violência política de gênero. Esse tipo de violência tem o objetivo de impedir, intimidar ou desencorajar a participação de mulheres na política. É crime no Brasil e tem uma legislação específica desde 2021.
A Lei nº 14.192, de 4 de agosto de 2021, estabelece normas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher, alterando o Código Eleitoral, a Lei dos Partidos Políticos e a Lei das Eleições. O dispositivo visa criminalizar ações que impeçam ou dificultem a participação da mulher na política, incluindo assédio, humilhação e perseguição.
Apesar de a violência política contra as mulheres não ser algo novo, o termo se tornou mais conhecido do público nos últimos anos, após o assassinato da vereadora carioca Marielle Franco.
Há poucos dias, o assunto voltou aos noticiários com o episódio de agressões sofridas pela ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, no Senado Federal. Entre interrupções e falas agressivas dirigidas à ambientalista, ela ouviu que deveria “colocar-se em seu lugar” e que não seria respeitada “como ministra”.
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Números
A diretora do Instituto Alziras, Tauá Pires, ONG que visa fortalecer a presença de mulheres na política e na gestão pública, comenta que, infelizmente, os dados levantados sobre os três primeiros anos de execução da Lei 14.192 não são positivos.
“Dos 175 casos que foram representados pelo Ministério Público, somente 12 deles, o que representa 7%, tiveram encaminhamento. Então, a maior parte dos casos são arquivados ou encerrados”, informou.
Essa situação expõe uma cultura de desrespeito contra as mulheres que participam da vida política no Brasil. E os dados são ainda mais alarmantes quando se trata de mulheres negras, periféricas ou LBTQIA+.
O Caminhos da Reportagem mostra que as mulheres ocupam apenas 12% das prefeituras e 16% dos assentos nas câmaras de Vereadores do país atualmente.
De acordo com o Instituto Alziras, estima-se que no ritmo de crescimento desses indicadores o Brasil levará 144 anos para alcançar a paridade de gênero no poder executivo municipal.
Em 2024, apenas 9% da população brasileira contava com uma prefeita no comando de seu município. Quando o recorte é de raça, apenas 4% das cidades são governadas por mulheres negras. Nas casas legislativas, as vereadoras negras são apenas 6% do total de pessoas eleitas.
Depoimentos
Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial e irmã de Marielle, descreve essa violência como “uma ferramenta utilizada por pessoas que tentam, de todas as formas, afastar as mulheres do espaço de poder”.
Ela lembra uma conversa que teve com a deputada federal Benedita da Silva para a pesquisa de violência política de gênero e raça do Instituto Marielle Franco.
“Eu vivi a violência política e vivo até hoje, com 44 anos de política, mas eu não sabia nomear o que era”, afirmou Benedita.
Benedita não é a única a relatar que sofre essa violência há muito tempo, mesmo antes de existir um termo específico para descrevê-la. Jandira Feghali, que está na política desde a década de 1980, também relata situações parecidas.
“A gente vivia as violências, mas não dava esse nome. Em geral, são violências que ocorrem contra mulheres que protagonizam qualquer atividade política, seja no sindicato, na comunidade, no parlamento, no executivo. O meu primeiro episódio de violência política de gênero foi em 92, quando eu pedi minha licença-maternidade na Câmara Federal e foi negada”, conta.
Ana Cláudia Pereira, analista de programas da ONU Mulheres, entidade das Nações Unidas para a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres, explica como o ambiente da política pode ser hostil para as mulheres.
“Existem mulheres que teriam interesse, gostam, acompanham o tema, mas nem pensam em seguir uma carreira política porque têm medo e vão recuar. E muitas mulheres vão desistir”, avalia.
Além do Código Eleitoral, a violência política de gênero pode ser enquadrada também em outras normas, como a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), se houver relação doméstica ou familiar; Código Penal, em crimes como ameaça, injúria, difamação e coação no curso do processo (art. 344); e inelegibilidade, conforme a Lei da Ficha Limpa, caso o agressor seja condenado.