Podes dizer-me, por favor, que caminho devo seguir para sair daqui? Isso depende muito de para onde queres ir – respondeu o Gato.
Lewis Carroll, ‘Alice no País das Maravilhas’
Desde maio deste ano, levantamentos do instituto de pesquisa Quaest sobre as eleições presidenciais vem mostrando que existe um eleitorado expressivo que não deseja ver nem Lula nem Bolsonaro como candidatos nas próximas eleições. Na rodada mais recente, divulgada no dia 13 de novembro, 67% responderam que Bolsonaro deveria abrir mão da candidatura e apoiar outro candidato, e 59% afirmaram que Lula não deveria se candidatar à reeleição em 2026.
Diante desse cenário, a pergunta inevitável é quem o eleitor gostaria de ver na urna. Para 24% dos entrevistados, um nome não ligado nem a Lula nem a Bolsonaro seria o melhor resultado da eleição.
Para 23% dos respondentes, Lula vencer novamente ainda seria o melhor cenário e, para 17%, a vitória de alguém de fora da política, um outsider, seria a melhor opção. Essa preferência pelo outsider aparece à frente tanto do retorno de Bolsonaro (15%) quanto de um candidato apoiado por ele (11%). São conhecidos como outsiders os candidatos que, por ausência de histórico político ou por estratégia deliberada, se apresentam como distantes dos partidos tradicionais.
Afinal, candidatos de fora da política podem ser uma resposta ao desgaste provocado pela polarização? O eleitorado não polarizado entre esquerda e direita seria determinante para fortalecer novos nomes?
Os perfis de quem está fora dos polos ideológicos
Para entender o que atrai o eleitorado aos outsiders, o INCT ReDem (UFPR) realizou uma pesquisa qualitativa com as classes C, D e E em São Paulo, usando o método dos grupos focais – técnica em que um pequeno grupo de participantes discute um tema específico sob mediação de um pesquisador. O estudo, realizado em fevereiro, revelou que o eleitorado que não se identifica nem com a direita nem com a esquerda não forma um grupo homogêneo e se divide em dois perfis com características distintas.
O primeiro perfil refere-se a eleitores que se dizem “sem posição ideológica”. Demonstram forte ceticismo, alimentado pela frustração com promessas não cumpridas e pela percepção persistente de corrupção. Sem escolher lados, expressam um desencanto generalizado com a política institucional. Entre seus traços estão a simpatia por figuras novatas ou dissidentes, a valorização de discursos antissistema e a convicção de que mudanças reais dificilmente ocorrerão dentro das regras atuais.
Uma das participantes desse grupo — manicure de 35 anos, moradora de Bauru — definiu:
“Parece que não tem ninguém lá por nós. (…) não adianta ter eleição, não tá fazendo nada por nós.”
Caminhos arriscados
Parte desses eleitores está disposta a percorrer caminhos arriscados: alguns manifestam admiração por lideranças de perfil autoritário, vistas como mais firmes para “consertar” o país; outros não acreditam mais na eficácia das eleições. Um participante paulistano, 44 anos, cuidador de pessoas, com ensino médio completo e eleitor Bolsonaro no segundo turno (2022) expressou bem essa tendência:
“Se entrasse um político igual esse de El Salvador, no Brasil é difícil, mas pode ser que dê uma melhorada, porque, assim, tendo pena de morte (…). Enquanto continua esse código penal ultrapassado, velho, não tem o que fazer, porque não tem justiça o país, é um país impune, bandido governa para ter um cargo político no meu ponto de vista.”
Outro conjunto de falas menciona propostas de fragmentação territorial como forma de ampliar o controle sobre representantes. É o que expressou um participante morador de Bauru, no interior paulista, vendedor, 45 anos. Após muitas manifestações de descrença com a política, esse disse:
“A ideia então é redividir o Brasil, é muito grande e a gente vota aqui, daí o cara vota lá no Acre. (…) A gente acaba sendo governado por quem a gente não votou.”
Já o segundo grupo, composto por eleitores de centro, expressa mais esperança na ideia de política. Eles também preferem candidatos novos, mas não desprezam a experiência política e estão atentos ao histórico de competência e realizações concretas. Um participante de 31 anos, paulistano, professor de dança e votante de Lula (2022) disse:
“Pra chegar a ser candidato a presidente do Brasil tem que ter passado por vários outros cargos antes. Vou buscar saber o que ele fez no passado pra chegar até aqui, não teria meu voto de início”.
Para esse grupo, um bom candidato novato é aquele que percorre o “caminho das pedras”: alguém capaz de desafiar o status quo sem comprometer a governabilidade, operando dentro das regras existentes. Outro participante, eleitor de Bolsonaro, de 53 anos, com ensino superior completo e morador de Bauru, declarou sobre o perfil adequado de um candidato sem experiência:
“Deve ser uma pessoa que fique conversando de ambos os lados, vendo o melhor potencial de um lado e de outro, capacitada na área, mas não é político, quer dizer, capacitada na área de administração social, de psicologia, de repente…”
Ceticismo e desejo de renovação moderada
A coexistência desses dois perfis distintos, fora da dualidade esquerda-direita, cria dificuldades para qualquer candidatura que busque captar o eleitor não polarizado. É improvável que um único nome consiga falar de forma convincente tanto ao ceticismo radical quanto à renovação moderada. Essa divisão abre diferentes trajetórias possíveis: a ascensão de outsiders com retórica antissistema; a fragmentação do voto entre diversas alternativas à polarização tradicional; e o aumento das taxas de abstenção, bem como de votos nulos ou brancos, já elevados nas eleições municipais de 2024.
Embora diferentes pesquisas mostrem que o eleitorado deseja ver novas opções na disputa presidencial, essa decisão é tomada pelos partidos. Por enquanto, a definição de quem vai ocupar o lugar que seria de Bolsonaro continua aberta a especulações.
As pesquisas aqui apresentadas, no entanto, mostram que o caminho para fora da polarização é sinuoso. Como os eleitores que não são de esquerda ou de direita respondem de maneiras distintas a um mesmo cenário de insatisfação, as estratégias eleitorais tenderão a ser variadas e dificilmente uma única terceira via conseguirá captar o voto massivo do eleitor não polarizado.





