Quando eu, Erik Meijaard, trabalhava como consultor sobre vida selvagem para uma concessão madeireira em Bornéu, costumava conversar com os motoristas de caminhões madeireiros — e rapidamente percebi que alguns deles sabiam muito mais sobre as populações locais de animais selvagens do que as próprias equipes de biodiversidade da empresa.
“Se você quiser ver leopardos-nebulosos (Neofelis nebulosa), venha comigo no meu caminhão — posso quase garantir que veremos um ou dois perto do quilômetro 38 por volta das duas da manhã”, disse-me um dos motoristas na época.
Não vi os felinos esquivos naquela noite, mas dois anos depois, no início de uma manhã, finalmente encontrei um sentado calmamente ao lado de uma estrada na floresta. O motorista estava certo o tempo todo: esses leopardos realmente gostam das estradas.
Desde então, tenho contado muito com informações fornecidas pelas comunidades locais para monitorar as populações de animais selvagens dentro das concessões da empresa e garantir que ameaças emergentes sejam rapidamente detectadas e combatidas.
Comecei criando os primeiros mapas de distribuição de orangotangos na década de 1990 por meio de entrevistas em aldeias, expandindo posteriormente a abordagem para 700 aldeias em 2008 para entender melhor as percepções locais sobre as florestas e a vida selvagem.
De 2019 a 2025, conduzi um projeto piloto de ciência cidadã baseado em plantações de óleo de palma que gerou quase 190.000 registros de vida selvagem de 4.000 trabalhadores.
Essas experiências mostram que alguns dos conhecimentos ecológicos mais valiosos estão com as pessoas que vivem mais perto da floresta — não com os cientistas que a visitam apenas uma vez por ano.
Como funciona a ciência cidadã?
Com base nessa percepção, Emily (que coescreveu este artigo comigo) e eu introduzimos uma nova versão do modelo para um estudo mais amplo em quatro aldeias no distrito de Kapuas Hulu, em Kalimantan Ocidental. Lá, a comunidade local administra a floresta sob um esquema de agrofloresta social.
Trabalhamos diretamente com eles. Qualquer pessoa com um smartphone pode registrar avistamentos de animais selvagens usando nosso aplicativo móvel simples chamado Kehatiku (que em indonésio significa “para o meu coração” e “minha biodiversidade”). As observações — de fotos de orangotangos a clipes de áudio de gibões — são então enviadas com coordenadas GPS.
Cada registro passa por um processo de verificação em várias etapas: uma checagem assistida por Inteligência Artificial (IA) para filtrar imagens duplicadas e incompatibilidades de localização, seguida por uma revisão de nossa equipe de verificadores e especialistas em espécies, que cruzam as informações com guias em campo.
Depois que um registro é verificado, emitimos um pagamento ao observador — variando de cerca de US$ 0,60 (cerca de R$ 3,20) por uma gravação de canto de pássaro a cerca de US$ 6 (R$ 32) por uma foto ou vídeo nítido de um orangotango selvagem.
Desde o lançamento do programa de ciência cidadã em 2023, 567 participantes registraram mais de 58.000 observações da vida selvagem em florestas comunitárias — a cerca de um vigésimo do custo das pesquisas convencionais. O programa gera renda e incentivos para proteger a vida selvagem e seus habitats.
O que os dados revelam?
Até agora, os dados mostram números inesperadamente altos de orangotangos, gibões e muitas outras espécies nessas florestas comunitárias, incluindo várias que são motivo de preocupação global em termos de conservação.
A fauna mais frequentemente relatada nas quatro aldeias de Kapuas Hulu inclui orangotangos (com 9.766 registros de ninhos), shamas-de-cauda-branca, sinais de urso-malai, macacos-de-cauda-longa e abelhas sem ferrão.
Avistamentos diretos de orangotangos de Bornéu e registros regulares de chamados de gibões confirmam que essas espécies persistem fora das áreas protegidas — mesmo em paisagens agrícolas próximas às aldeias.
Essas informações são inestimáveis para entender como mamíferos ameaçados sobrevivem em florestas de uso misto, onde pesquisas formais são raras ou caras. Atualmente, estamos realizando testes críticos para verificar se os dados são suficientemente sólidos para gerar estimativas de ocupação estatisticamente robustas — mostrando como as espécies da vida selvagem utilizam as áreas florestais das aldeias.
Para as plantações, já podemos traduzir essas descobertas em um índice de vida, uma ferramenta importante para o desenvolvimento de políticas e intervenções de conservação baseadas em dados.
Mudança de comportamento e impacto social
No início de 2025, também colaboramos com um parceiro local para realizar pesquisas sociais de base para avaliar o impacto socioeconômico do programa.
Os resultados iniciais da pesquisa sugerem que uma mudança de percepção já está em andamento. Mais de 70% dos residentes das quatro aldeias piloto já tinham ouvido falar da iniciativa e quase dois terços disseram estar interessados em participar.
Cerca de um terço já obtém renda com observações verificadas da vida selvagem — normalmente de US$ 30 a US$ 180 a cada três meses, um complemento significativo de renda em comunidades onde a maioria das famílias vive com menos de US$ 120 por mês.
Mais importante ainda, as atitudes em relação à vida selvagem estão mudando. Onde antes os pássaros canoros eram capturados e vendidos a comerciantes de animais, agora muitos moradores optam por deixá-los na floresta — percebendo que é mais lucrativo registrar a presença dos pássaros e receber por isso.
Modelo de monitoramento inclusivo e de baixo custo
Os incentivos financeiros claramente aumentaram o engajamento. As taxas de observação cresceram de cerca de 17 por aldeia por mês durante a fase voluntária para mais de 6.000 por mês após a introdução dos pagamentos.
Com um custo médio de apenas US$ 0,85 por observação, essa abordagem é muito mais barata do que as pesquisas tradicionais com transectos ou armadilhas fotográficas, que podem custar US$ 300 por câmera ou mais.
Além de reduzir os custos logísticos, contar com observadores locais permite cobrir áreas vastas e remotas. E, ao contrário dos projetos de pesquisa de curto prazo, este funciona durante todo o ano — porque a motivação e os dados vêm da própria comunidade.
O programa também fortalece a governança local. Reuniões regulares e grupos do WhatsApp permitem que os residentes discutam os resultados da verificação, proponham mudanças nas regras e decidam coletivamente como gerenciar conflitos sobre recompensas compartilhadas. Também fechamos o ciclo de informações traduzindo as observações da vida selvagem em insights que as comunidades podem usar para orientar suas decisões.
Essas interações, juntamente com registros de pagamento transparentes, estão aumentando a responsabilidade e a participação na tomada de decisões mais amplas das aldeias. Essa transparência ajudou a construir uma forte confiança dentro da comunidade.
Em uma ocasião, quando um participante enviou uma foto obtida na internet como prova falsa, os colegas insistiram em removê-lo do projeto — uma evidência de que a integridade dos dados agora é importante no nível da comunidade.
Além dos dados: construindo propriedade e orgulho
Além da ciência, o projeto está promovendo a propriedade local e o orgulho pela natureza. Para os participantes, a floresta se tornou um ativo vivo — que gera renda por meio da conservação. Essa mudança de percepção pode ser o resultado mais importante de todos.
Com as redes móveis e os sistemas de pagamento digital agora difundidos em toda a Indonésia, esse modelo de baixo custo e escalável poderia ser expandido para milhares de aldeias. A ciência cidadã pode se tornar a base da conservação da vida selvagem no futuro — e a Indonésia pode liderar esse processo.
Dos motoristas de caminhão que avistaram leopardos-nebulosos na década de 1990 aos moradores de aldeias empunhando smartphones de hoje, a mensagem é clara: a ciência e a gestão prosperam quando todos podem participar — e ser recompensados de forma justa por isso.
